Entrevista com o Dr. Dórian Sampaio
Fortaleza, 22 de Julho de 1976
Entrevista com o jornalista DORIAN SAMPAIO PARA O Programa de História Oral da Universidade Federal do Ceará com o Arquivo Nacional.
.Entrevista concedida à PROFESSORA LUCIARA SILVEIRA DE ARAGÃO E FROTA responsável pela execução deste Convênio.[1]
L.F.: LUCIARA FROTA
D.S.: DORIAN SAMPAIO
L.F. | Nesta nossa primeira sessão de entrevista, o senhor poderia nos dar alguns dados de sua biografia? Falar de suas experiências como um dos líderes do Centro Estudantil Cearense, por exemplo, a sua participação na Casa do Estudante?
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D.S. | Sou um cearense nascido no Rio de Janeiro a 12 de março de 1927, filho natural de José Sampaio Xavier e Isaura Barroso Tavares. Ele era oficial do Exército e foi morto em 1935, na Revolução Comunista, defendendo as tropas do Governo. Atualmente, casado, pai de cinco filhos. Curso primário aqui em Fortaleza, no grupo Rodolfo Teófilo. Secundário, no Colégio Cearense dos Irmãos Maristas, e posteriormente, no Liceu do Ceará, hoje, Colégio Estadual do Ceará. Curso na Faculdade de Odontologia do Ceará, onde colei grau em 1950, sendo imediatamente, no ano posterior, nomeado professor assistente da cadeira de Metalurgia e Química Aplicada, naquela Faculdade onde permaneci lecionando até 1954, quando fui eleito vereador de Fortaleza, o que novamente aconteceu em 1958, quando pela segunda vez fui novamente guindado à mesma posição de vereador, para em 1922 ser eleito deputado Estadual, reeleito em 66 e, finalmente, com o mandato cassado pela Revolução em 1969, precisamente no dia 13 de março. Minha atividade básica é a do jornalismo, iniciada desde a mais tenra mocidade, fundador que fui ao lado de Jáder de Carvalho do Diário do Povo, e, posteriormente, repórter do jornal O Estado para afinal ser Diretor da Gazeta de Notícias, de 1958 a 1964, e também, a essa época Superintendente da Rádio Uirapuru de Fortaleza. Após a cassação do mandato fui então contratado como colunista de assuntos econômicos nos Diários Associados, Jornal Correio do Ceará e comentarista de assuntos econômicos diários, na televisão dos Associados. E agora, bem recentemente, há uns 15 dias deixei os Associados e fui contratado pela Tribuna do Ceará, onde mantenho a mesma coluna econômica e onde passarei a dirigir, a partir de 8 de agosto próximo, o TC Domingo, que é o Jornal Tribuna do Ceará. Ele vai passar a circular aos domingos sob a minha direção. Na minha vida estudantil, o que me honra mais foi justamente ter sido um dos batalhadores do Centro Estudantil Cearense, entidade que àquela época congregava quase a totalidade da classe estudantil cearense. Fui Secretário Geral da entidade, ou melhor, inicialmente, o meu primeiro mandato de segundo Tesoureiro, posteriormente, eleito Secretário geral, e na outra eleição, membro de seu conselho Superior. Foi nesse período sob a presidência do atual deputado estadual Aquiles Peres Mota que consegui inaugurar a Casa do Estudante do Ceará, que ainda hoje existe. Vale dizer que isso muito me honra porque era na época em que o Governo não ajudava construções de casas do estudante. Então, essa casa do estudante que era uma obra monumental para a época, e que ainda hoje presta tantos serviços à classe, foi construída com verbas tiradas pelos próprios estudantes, através de festivais, de festas de mocidade, de feiras de amostra e sem absolutamente, nenhum tostão do Governo na Casa do Estudante do Ceará. É um depoimento que eu acho interessante, que pelo menos sirva de exemplo à turma de hoje.
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L.F. | De fato. Com que idade o senhor veio para o Ceará, já que se declara um cearense carioca?
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D.S. | Eu cheguei ao Ceará em 1937, consequentemente, com dez anos de idade, e aqui espero morrer, muito breve, não. Bom, a minha família por parte de pai é toda do Nordeste, Pernambuco e Ceará. Eu sou dos Sampaio do Cariri e minha mãe era carioca. Outro aspecto que também me parece interessante é que agora dentro da minha atividade empresarial eu edito desde 1971, o Anuário do Ceará. Já estou na quinta edição, que é um retrato das contemporaneidades do Ceará. É este o nosso objetivo.
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L.F. | Que lembranças o senhor guarda da morte do seu pai que é considerado um mártir da Intentona Comunista de 1935?
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D.S. | Sinceramente, não há memórias de ordem emocional para mim. De qualquer maneira, meu pai deixou minha mãe, eu tinha talvez os meus dois ou três anos de idade. E, eu tinha oito anos nessa época de modo que eu não conhecia propriamente meu pai. Eu acredito que isso é um lapso da minha memória, porque quando eu vim para o Ceará, eu passei a ser criado pela família do meu pai. De modo que eu só era ligado por isso, mas não por aproximação com ele, que eu sinceramente, não tenho a menor ideia do seu aspecto físico, apenas tento honrar o seu nome, nada mais que isso.
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L.F. | Sem dúvida. O senhor chegou a ser oficial de Gabinete na Secretaria de Educação e Cultura do Estado, durante quatro anos na gestão Valdemar Alcântara. Nesse período que fatos o senhor considera que foram medidas importantes tomadas pelo titular daquela pasta e o que nos diria sobre as impressões pessoais que guardou do Sr. Valdemar Falcão, perdão, Valdemar Alcântara?
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D.S. | É. Cabe esta retificação inicial em relação ao nome do Dr. Valdemar. Não é Valdemar Falcão, é Dr. Valdemar Alcântara, atual vice-governador do Estado. Realmente, foi quando eu saia da faculdade e como eu participara da campanha eleitoral de Raul Barbosa, representando o estudante em seus comícios, porque àquela época realmente se usava isso, havia os oradores estudantis que participavam das campanhas. O Aquiles Peres Mota, hoje Deputado, representava o estudante nas campanhas eleitorais da UDN e eu representava o PSD – Partido Social Progressista, no caso o candidato Raul Barbosa, e quando ele tomou posse nós tivemos que arranjar um velho empreguinho e o meu empreguinho foi um empregão para aquela época, que é o de chefe de gabinete, ou melhor, oficial de gabinete. Era esse o nome que se dava, hoje chamam chefe de gabinete, mas àquela época era oficial de gabinete. E nesses quatro anos eu dento dessas funções fui também designado diretor de fiscalização e orientação do ensino, Diretor Técnico de Educação e Inspetor do Ensino Supletivo. A essa época tive oportunidade de participar daquilo que para a época era uma verdadeira revolução no setor educacional do Ceará, bastando dizer que foi no governo do senhor Raul Barbosa, que realmente a educação tomou um impulso fora do comum e é desta época, quando eu geria a diretoria de fiscalização e orientação do ensino, realizamos a primeira reforma no ensino normal, por outro lado foi na época do estabelecimento do chamado ensino supletivo, que era um ensino de alfabetização de adultos, uma rede escolar muito ampla em todo Estado, afora a inauguração de dezenas e dezenas de prédios escolares em todo o interior do Estado e especialmente em Fortaleza, que é dessa época, por exemplo, que o Governo do Estado, tentou levar a educação aos bairros mais afastados. Assim é que foram construídos, o Grupo escolar de Pirambu, O grupo Escolar de Parangaba, o Grupo Escolar do Montese, o Grupo Escolar da Água Fria, que naquela época era com que um deserto, mas se fez lá, enfim, recordo-me que mais ou menos uns dez prédios em Fortaleza, naquela época eram fruto do Governo Raul Barbosa. E o Valdemar Alcântara, se bem não fosse nenhum técnico em educação, era apenas médico, ele tinha o bom senso de se cercar de pessoas que realmente entendiam bem do assunto como Filgueiras Lima, o Catunda, João Clímaco Bezerra, D. Lerice Porto e essa equipe de pessoas versadas em educação, ensejaram a ele que estabelecesse um Plano de Governo que executado foi positivo, no sentido de favorecer realmente algo de valor em favor da educação do Ceará.
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L.F. | E sobre as opiniões do Dr. Valdemar Alcântara como pessoa?
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D.S. | Eu o considero um dos homens famosos deste Estado, mas eu até me furtaria um pouco, até de dar esses elogios porque é a velha história, eu talvez seja suspeito, porque ainda hoje eu considero o atual vice-governador do Estado, apesar dele ter partido diferente do meu. Naquela época eu ainda era político, quando eu exercia o ministério político eu era do MDB e ele da ARENA, mas nunca nos desvinculamos, e para que se possa avaliar mais ou menos o grau de afetividade que nos une, é que ele foi o meu padrinho de casamento, padrinho da minha primeira filha, ainda hoje estamos unidos por uma amizade da qual eu guardo a maior fidelidade.
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L.F. | Em 1954 o senhor trocou de fato o magistério pela atividade política, quando se elegeu vereador da Câmara Municipal de Fortaleza? Como foi que aconteceu o seu ingresso na política?
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D.S. | As minhas ligações com os estudantes, como eu disse eu era um dos líderes do movimento estudantil através do Centro Estudantil Cearense. Representei esses mesmos estudantes na Campanha de Raul Barbosa, e este, ao tomar posse, me colocou como oficial de gabinete do Dr. Valdemar Alcântara, justamente para que eu servisse como que de intermediário entre o governo e a classe estudantil. E essa ligação que cada vez mais se aprofundava, ensejou que após esse mandato e as condições que me eram dadas na Secretaria de Educação de servir os estudantes, mais a mais me aproximou deles, então me deram condições para eu tentar a carreira política, o que fiz com êxito elegendo-me pela primeira vez vereador de nossa cidade, vereador de Fortaleza, onde então, durante quatro anos na bancada do PSD, época em que o atual senador Mauro Benevides também era vereador e por sinal vice-líder da bancada. Nesses quatro anos eu liderei a bancada do PSD no Ceará, com o Mauro, hoje senador, como meu liderado, e esse mandato se fez sentir durante outros quatro anos, porque eu, em 1948, eu tentei a reeleição conseguindo novamente ganhar.
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L.F. | E de suas experiências como líder da banca no PSD, como vereador, o que o senhor nos diria?
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D.S. | Bom, os companheiros eram maravilhosos, era o Mauro Benevides, era o médico João Cavalcante, era Walter Sá Cavalcante Então, eram homens que realmente, dentro das possibilidades de então, engajavam na linha do PSD, e de qualquer forma, aquela época para se dirigir o PSD, até não era tão difícil porque era de qualquer forma o partido dominante.
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L.F. | Doutor Dorian, em 1962, ainda sob o PSD o senhor foi eleito
deputado, não é? Um partido dominante, como já nos disse. Creio que gostava de atuar nas duas pontas, na estratégia e depois nos embates. |
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As suas memórias bem precisam ser escritas com certeza. | ||||
Que lembranças guarda dos acontecimentos desse período?
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D.S. | Bom, em carreira política o que mais se guarda são justamente as campanhas sucessórias do Estado. Não só da campanha que se desencadeia, a campanha propriamente dita, como aqueles períodos de conversações, dos entendimentos, daquele nervosismo, daquele frenesi que acompanha justamente a escolha dos candidatos. Não nos esqueçamos de que Raul Barbosa fizera um ótimo governo, vindo de uma campanha em que o PSD retomava o poder já que o antecessor dele era o desembargador Faustino Albuquerque, candidato da UDN. E, o Raul Barbosa apresentou então como candidato, ou melhor, o PSD apresentou como candidato, para sucedê-lo, o Sr. Armando Falcão, atual Ministro da Justiça, e a UDN apresentou o Sr. Paulo Sarasate. Foi uma campanha de muito entusiasmo em que o candidato pessedista desfraldava, recordo bem, a chamada bandeira contra o roubo e contra a corrupção. E, essa campanha foi muito árdua, tanto que o triunfo do senhor Paulo Sarasate sobre Armando Falcão foi por uma diferença mínima de talvez mil e poucos votos, se não me engano, o que em campanha de governador é quase um empate, e assim mesmo, sé é um depoimento para a História que se diga, se discute a vitória do Sr. Paulo Sarasate. Tanto é discutível essa apuração de votos porque o próprio Sr. Armando Falcão, após a eleição, ele declarou publicamente que havia sido ludibriado, que ele realmente dentro da urna tinha mais votos do que o Sr. Paulo Sarasate, apenas teria havido assim um processo de beneficiamento eleitoral por outras vias que não as reais, da votação do povo.
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L.F. | Seria o episódio da chamada Pedra Branca?
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D.S. | Não. A Pedra Branca é um aspecto inteiramente isolado, é porque Pedra Branca é um reduto do PSP – Partido Social Progressista, comandado aqui no Ceará pelo Sr. Olavo Oliveira, Professor de Direito, Senador da República e Pedra Branca era quase uma urna fechada, pois o PSD do Sr. Olavo Oliveira, e nessa época esperava-se que Pedra Branca iria decidir o pleito, a favor do Sr. Armando Falcão, o que não ocorreu, houve reações, mas especificamente, não foi Pedra Branca que derrotou o Sr. Armando Falcão. O ludibrio que diz o Sr. Armando Falcão que existiu foi generalizado. É difícil a gente localizar.
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L.F. | Anteriormente a sua eleição para deputado o senhor foi Presidente da Câmara dos Vereadores, ao tempo em que era Presidente, Jânio Quadros. E sua opinião sobre a renúncia do Presidente e sobre as experiências que o senhor viveu como Presidente da Câmara dos Vereadores daquela época, por favor.
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D.S. | Eu acredito que tenha sido uma experiência um tanto quanto amarga. Eu fui eleito Presidente da Câmara dos Vereadores por um acidente. A essa época era prefeito o Sr. Cordeiro Neto, e ele tinha uma maioria muito grande na Câmara Municipal, mas houve divisão quanto à escolha do Presidente. A bancada do PSD que liderava ficou sem se comprometer com nenhuma das duas facções do Prefeito, que pretendia a Câmara Municipal, até que o Prefeito Cordeiro Neto decidiu ser a favor do Aluízio Correia, então vereador. E a outra facção, que era presidida por José Martins Timbó, não aceitou aquela indicação, mas verificando que não tinha a menor possibilidade de vencer procurou o PSD, o qual então, por meu intermédio apresentou os quatro nomes da bancada. Que eles escolhessem qualquer um dos quatro. Sinceramente como eu pensei que eu teria sido o último a ser escolhido, porque eu sei que os outros três tinham mais condições, porque eu não tinha vocações presidenciais, não. Mas, olhando os pendores e as tendências de cada um, chegou-se à conclusão que o único que podia ser e denominador comum dessa facção seria o meu nome. Então, eu aproveitei e aceitei, mas debaixo da seguinte condição: é que eu não aceitaria imposição nenhuma. Eu iria como Presidente, tentar aquilo que eu chamava uma recuperação do Poder Legislativo Municipal. Então, em déficit com a opinião pública por causa das sucessivas vezes em que se criavam cargos, se cartava exorbitantemente o que bem entendesse então eu aceitei. Por sinal, no primeiro escrutínio eu perdi a eleição, mas como o outro candidato não tinha a maioria, no outro escrutínio então, surpreendentemente eu ganhei por um voto, porque a Vereadora Mirtes Campos, no primeiro escrutínio ia votar no Aluízio Correia, ao chegar à cabine para votar, no depoimento dela mesmo, ela disse: “Ah! Mas eu deixar de votar no Dorian”, aí se arrependeu e votou em mim. E o Caio Cid, o colunista Carlos Cavalcante já falecido, que votara em branco no primeiro escrutínio, votou em mim. Então, eu ganhei a eleição por um voto, e como eu não tinha compromisso eu pude então exercer o mandato. Assim, tentando realmente recuperar a Câmara Municipal, extinguir cargos, resolver contratos, naquela época era um negócio assim fora do comum. Eu recolhi o cargo da Presidência, não aceitava cargo oficial, recolhi todos os cargos da Prefeitura, enfim, fiz uma série de medidas, mas isso é lógico que houve reações, até que então, com seis meses de mandato eu renunciei, renunciei o mandato, e, interessante, no dia seguinte, sem que me avisassem, deviam ter me avisado, o Jânio Quadros renunciou. Eu renunciei na véspera do Jânio Quadros. Por sinal diziam aqui a título de piada que o Jânio Quadros havia me imitado, havia me acompanhado. Mas o fato é que, essa renúncia criou dificuldade muito grande e eu acredito que outros historiadores podem dar o seu depoimento melhor do que eu. Apenas acho que foi daí que surgiu uma nova etapa na vida brasileira, e ainda hoje é difícil saber-se a razão dessa renúncia. Sabe-se, entretanto, que foi, aliás, sabe-se não, se supõe e eu concordo com essa teoria é que a renúncia adveio de um toque emocional qualquer, de momento, o Sr. Jânio Quadros, parece que era dado ao copo, e deve ter sido um uísque além que faz com que ele tomasse assim, uma medida intempestiva, porque se tinha uma pessoa ou um Presidente da República que tinha o apoio total do povo brasileiro era o Sr. Jânio Quadros. Ele tinha todas as condições. Talvez tenha sido o único brasileiro que tenha tido condições de impor qualquer regime neste país e que seria aceito naquela época. Lamentavelmente, renunciando, deu-se todo esse quiproquó que os senhores que são historiadores sabem mais do que eu. Mas realmente, se ele não tivesse renunciado, eu acredito que o julgo, se bem que as declarações posteriores, após a renúncia, indicam que o Sr. Jânio Quadros queria da renúncia, era impor condições que se efetivaram e, 1964, com algumas derivações. Mas de qualquer maneira o que ele prevenia realmente era um governo forte, de executivo forte e com uma atrofia do legislativo. É o que eu entendo, que o Sr. Jânio Quadros intentou essa renúncia para então ser solicitado e estabelecer o regime que veio ocorrer a partir de 1964, com um legislativo inodoro e insípido, infenso, como temos hoje, e um executivo hipertrofiado, como hoje ele é realmente.
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L.F. | Quem sucedeu o senhor após a sua renúncia na presidência da Câmara?
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D.S. | Foi o senhor José Barros de Alencar e ele permaneceu, parece que 14 anos seguidos, era vereador de Messejana.
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L.F. | Em 1962, quando o senhor foi eleito Deputado sob a legenda do PSD, avizinhava-se o movimento de 1964. Eu lhe pergunto, na Câmara dos Deputados ou entre os políticos, se pressentia algo dessa mudança?
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D.S. | Ninguém no Ceará, ninguém, absolutamente ninguém, sabia da revolução. Não há revolucionários no Ceará. Conta-se até que, no dia da revolução o Sr. Perilo Teixeira encontrou-se com o Sr. Paulo Sarasate. Por ser um homem tido e havido como grande revolucionário do Ceará, o Sr. Perilo Teixeira cumprimentou o Sr. Paulo Sarasate, dizendo: “Com é rapaz, o que você acha dessa revolução?”. E o Sarasate respondeu: “Revolução não, uma baderna. Isso é uma baderna”. Quer dizer, nem ele próprio, o homem mais amigo de Castelo Branco sabia da eclosão do movimento em 64. O que havia era muita conversação, confabulações no Restaurante do Lido, por exemplo. Confabulava-se muito aqui no Ceará, mas eu acredito que nenhum pensava em termos de uma revolução armada, não. Agora, depois de 64, apareceram muitos focos revolucionários, mas eles inexistiram antes, em minha opinião.
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L.F. | E sobre o que então, confabulariam? O Senhor. saberia dizer alguma coisa sobre a posição do, hoje, Senador Virgílio Távora?
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D.S. | O Senador Virgílio Távora era governador, e ia sabendo inclusive, que quando se deu a revolução de 64, ele passou inclusive um tempo, teimando em passar um telegrama apoiando o movimento. Isso é um fato que os senhores já devem até ter depoimento a esse respeito. Dizia-se até que ele ficava em cima do muro. Ele não participou absolutamente nada, agora, recordo-me que quando o Sr. Humberto Castelo Branco já era Presidente da República, e aqui esteve no Ceará, nós Deputados do PSD, tidos como os chamados “Anjos Rebeldes”, que era uma ala do PSD que eu liderava, ala essa a que pertenciam os deputados do PSD, Batista de Aguiar e Figueiredo Correia, mas não o Joaquim Figueiredo Correia, o irmão dele que era deputado também, e mais deputados de outros partidos como Luciano Magalhães, nós fazíamos um movimento contra o Virgílio, e quando foi aquela luta dos partidos para a formação de Arena e MDB, nós fomos ter a casa do industrial João Moreira, onde estava hospedado o Sr. Humberto Castelo Branco, a chamado deste, e para saber para qual partido nós íamos, se para a Arena ou para o MDB. E a essa época o Marechal Castelo Branco perdeu inclusive a tramontana na hora, exasperou-se porque achava que a campanha que nós fazíamos contra o Sr. Virgílio Távora aqui no Ceará, usando a expressão por ele usada “ricocheteava no governo dele”, e que não admitia essa oposição. Aí o importante é frisar a declaração do Marechal Castelo Branco, ele dizia: “Quando eu, antes da revolução, andava no Ceará, o revolucionário que eu encontrei aqui foi o Sr. Virgílio Távora. O Sr. Hélio, o Coronel Hélio Lemos, fazia besteira”. Era expressão do Presidente Castelo Branco, o Sr. Edmond Bastos Gonçalves, que era um major do GO, tido como um revolucionário aqui também, de acordo com o Marechal Castelo Branco também era um homem que estava deslocado, não sabia o que fazia. De revolucionário, o que ele encontrou aqui foi o Sr. Virgílio Távora… Eis aí a declaração que surpreendeu a todos, porque nós sabíamos que o coronel Hélio Lemos e o major Edmond Bastos Gonçalves, eram os homens que realmente haviam mais lutado, no período pré-revolucionário. Mas, temos aí esse episódio testemunhado entre outros, por Luciano Magalhães, o atual Deputado Diógenes Nogueira, Batista Aguiar, Figueiredo Correia, Wilson Gonçalves, vice-governador Valdemar Alcântara, que estava participando na hora. Foi daí que eu decidi o meu caso, eu saí para ingressar nas hostes do MDB, assinar a proposta para a formação do MDB.
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L.F. | Então, o coronel Edmond estava entre os que confabulavam. Mas não se sabia precisamente o que confabulavam, nada escapava?
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D.S. | Bom, a confabulação, o nome já o diz, não é? Quando se confabulava quem está de fora não o sabe. Eu alguma coisa fui saber posteriormente. Agora, o Marechal Castelo Branco disse que ele estava fazendo besteira, que o revolucionário que encontrou aqui foi o Sr. Virgílio Távora. Sei apenas que, a título de informação histórica, que as melhores reuniões dessa turma da confabulação eram feitas no Restaurante Lido, com aquele Charles, aquele francês que reunia ali no Lido ou na casa deles e tal. Parece que quando chamava a patota pré-revolucionária era ali a reunião.
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L.F. | Então, Dr. Dorian, o senhor não confabulava, não é, pelo visto. Por que?
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D.S. | Não. Eu não participei absolutamente nada em relação a revolução de 64, nem sabia da existência dela.
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L.F. | Por que Anjos Rebeldes? Por que divergiam da linha oficial do partido?
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D.S. | Exato. É porque o Sr. Virgílio Távora, conforme é sabido, ele foi eleito pela chamada União pelo Ceará. Foi quando se uniu pela primeira vez em nosso Estado o PSD com a UDN, para eleger o Sr. Virgílio Távora. Houve um candidato, um candidato suicida como chamavam, que foi o então Deputado Federal Cavalcante, Adail Cavalcante, candidato apenas de protesto. Mas o Sr. Virgílio Távora foi candidato do PSD com a UDN, a União. Adail Barroso Cavalcante era o candidato de reação, apenas a título de protesto, não tinha a menor condição de se eleger, porque o Virgílio Távora conseguiu a União do Ceará, a união do PSD com a UDN e todos os partidos então existentes. E então, o volume de Deputados que apoiava o Sr. Virgílio Távora era fora do normal, mas, entendendo que uma coisa precisa ser reclamada eu comecei então a ensaiar os primeiros protestos contra algumas atitudes do governo do Estado que eu achava que eram nocivas aos interesses do Ceará, e fui sendo acompanhado por um e mais outro, e mais outro e peguei a formar mesmo uma bancada de oposição que parece que deu algum trabalho ao então governador Virgílio Távora, e a imprensa então, nos deu o nome de Anjos Rebeldes, que, aliás, não foi muito original, não, porque já tinha havido em outras épocas uma bancada de Anjos Rebeldes na Assembleia, não me recordo bem, é o clichê cinematográfico. O fato é que, de qualquer maneira esses Anjos Rebeldes prosseguiram e fomos assim, com este cognome, até o fim do Governo.
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L.F. | Dr. Dorian, o senhor acha que no início do Governo Virgílio Távora teria havido uma anulação inicial da oposição? Isto porque houve durante um determinado período do governo do Sr. Virgílio Távora, certo equilíbrio na composição das forças políticas?
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D.S. | Praticamente não havia oposição do início do governo do Sr. Virgílio Távora, basta lhe dizer que eu, que um ano depois que comecei a inicia,r a fazer oposição, havia sido inclusive, convidado na formação do secretariado, para secretário do Trabalho. A essa época existia o secretário do Trabalho e eu fui convidado pelo governador para ser o seu secretário. Apenas não aceitei, sob alegativa de que havia sido eleito deputado, e que me achava na obrigação de cumprir o mandato. Não tinha vocações para o executivo, aí no caso, inclinação no momento. Mas, oposição nenhuma. A oposição começou com, mais ou menos, isso foi depois de um ano de governo. Um ano e seis meses, por aí, que se deu o início desse processo oposicionista.
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L.F. | E de sua reeleição em 1966, já sob a legenda do MDB. Poderia nos dizer alguma coisa ligada aos episódios que envolveram a sua cassação?
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D.S. | Bom, o que houve foi o seguinte. Quando se fala em cassação no País, é preciso se distinguir três espécies de cassação. Existe a cassação por corrupção, existe a cassação por subversão, e existe o que eu chamo a cassação puramente política. Então, digamos uma cassação de Carlos Lacerda, uma cassação de Jânio Quadros, uma cassação de Juscelino Kubitscheck, cassação de José Martins Rodrigues, nem podem ser enquadradas como de ordem de corrupção, nem subversivas; uma cassação puramente política. Porque eram homens que se deixassem o exercício político podiam perturbar a marcha, vamos dizer revolucionária. E eu como não tenho nenhum sinal de corrupção na minha vida e muito menos de subversão, eu acredito que a minha cassação foi puramente política, porque quando veio a segunda eleição minha, para deputado, já no período revolucionário, e eu já pelo MDB eu… na televisão, eu observava realmente o governo, e eu usava o seguinte raciocínio: existiam partidos, ambos nascidos no rego da revolução, e tanto do MDB como da Arena, são dois irmãos que não se querem, mas são filhos da mesma mãe, saídos do mesmo ventre; da revolução. Mas se bem eu raciocinava, se o MDB era o partido da Revolução, aí não cabia fazer oposição a esse governo. Foi o que eu fazia realmente na Assembleia e o fazia de maneira mais cáustica possível, e que se prolongou também na campanha eleitoral, especialmente na televisão, bastando afirmar que eu fui o único candidato daquela época, que não tive o direito como os outros de chegar ao fim de qualquer pronunciamento meu na televisão. Os três pronunciamentos que eu fui fazer na televisão, a censura cortou o meu pronunciamento. Cortava abruptamente mesmo e ficava em branco, porque realmente eu atacava, vamos dizer, até profissionalmente, que eu era da oposição, assim pensava o governo revolucionário. Isso em termos eleitorais me desfavoreceu tremendamente, porque basta eu dizer que a primeira vez que fui eleito deputado eu fui o último do meu partido, eu fui o deputado menos votado. Quando eu saí de vereador de Fortaleza para o meu primeiro mandato de deputado, eu fui o deputado menos votado do meu partido, o então PSD, e eu não tínha colégios eleitorais, não tenho família política aqui no Ceará, então, enfrentei sozinho e fui o último colocado, e nessa eleição, na segunda, eu fui o deputado mais votado em Fortaleza, e eu fui o segundo deputado mais votado no Estado. Basta lhe dizer que só Fortaleza dava para me eleger. E dos 142 municípios, antigamente eram 142, agora é 141, até em Cococi, no Parambu, eu tive votos. Eu fui eleito em todos os municípios cearenses. O único município que me deu menos votos foi Crato, mas me deu um voto. É talvez consequência da televisão. Então, esse espírito popular,, pelo menos eleitoralmente me valeu muito, me valeu eleitoralmente para me eleger e esse espírito também chamado populista, também me valeu muito para me cassar. Episódios que para mim foram tão positivos, tão maravilhosos na minha vida política como foi a própria eleição, assim com uma votação tão magnífica, porque eu acredito que eu seria um frustrado na minha vida se eu não tivesse sido cassado.
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L.F. | Justificaria esse seu modo de pensar?
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D.S. | Bom, justifico sim, porque se eu entrei em oposição ao processo revolucionário, se eu usava toda a minha retórica, todo o esforço se encontrava de reclamar aquilo que estava errado. E, ao verificar que tantos companheiros eram cassados, se aquilo não acontecesse comigo essa frustração me viria num segundo, isso quer dizer que o que estou dizendo não está incomodando, e eu tenho a impressão que até na vida comum, você querendo atacar alguém, se a pessoa não está lhe ouvindo você deve se sentir frustrado, não é? Então, o que eu falava realmente incomodava e o meu intuito era incomodar mesmo.
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L.F. | Em alguma época no futuro, estará entre os planos do senhor voltar à política, se houver oportunidade?
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D.S. | Olha, eu vou ser muito franco. Se ser deputado é o que é hoje um Deputado, pode me dar um mandato de graça que eu não volto. Agora, se a representação parlamentar voltar a ser o que era no passado, isto é, a de permitir ao deputado o exercício do seu mandato, protestar contra o erro, defender as causas populares, profligar contra as injustiças, aí eu troco tudo o que eu ganhei depois de cassado para ser Deputado de novo, volto a ser pobre.
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L.F. | Doutor Dorian, de onde surgiu a ideia de seu livro Pessedismo, reunindo discursos parlamentares?
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D.S. | Bom, até então eu não tinha condições nem de escrever o livro, porque as atividades parlamentares realmente tomavam o tempo da gente, mas é a tal coisa, todo homem, pelo menos um intelectual ou metido a isso, como é o meu caso, todo homem quer ter um livro e plantar uma árvore, não é? A árvore eu já plantei, filhos já tive cinco e eu queria ter um livro. Então, eu escrevi o livro reunindo os meus pronunciamentos políticos como vereador, se bem que não seja um livro digno de participar de qualquer estante de História, não, porque eram pronunciamentos de vereador. Eram apenas como se diz e eu posso afirmar, eram apenas resultados de emoções de quem começava na vida política, muito ardor, muito pessedismo, e eu acredito que eu mesmo nem tenho mais, distribui, e eu mesmo nem tenho na minha estante.
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L.F. | Por que o título Pessedismo, então?
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D.S. | Justamente porque eu era do PSD e eu sonhava para o meu PSD um partido cujos homens fizessem aquilo que eu estava fazendo, diante do erro: protestar; diante do acerto; aplaudir, por isso, pessedismo. Se bem que a gente examinando friamente o que hoje já se pode fazer, finalmente a gente verifica que é muito difícil isso dentro do PSD, que era um partido congenitamente, partido do governo, não é?
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L.F. | É sabido que o professor Jáder de Carvalho o convidou para ingressar no Diário do Povo, onde o senhor ficou por seis anos. O professor Jáder de Carvalho é reputado não só como intelectual, mas como um homem de coragem. O que o senhor nos diria, o que pensa sobre o professor Jáder de Carvalho?
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D.S. | Bom, o Jáder, nós éramos alunos do Liceu, terceiro ano científico, isso em 1946, se não me engano. Jáder de Carvalho, professor de História, aquele que no Ceará talvez, pela primeira vez, é.… aboliu aquele estudo de então, da História puramente cronológica em que o aluno tinha que decorar datas, mas não interpretava nenhum fato histórico. O Jáder era justamente o oposto, de modo que foi um mestre, era um professor espetacular para todos nós. Ele rompeu com o então governador, desembargador Faustino de Albuquerque pela nomeação de um diretor no Liceu que parece não agradou ao Jáder. Havia uma diferença qualquer entre o Jáder e esse Diretor nomeado que era o professor Edmilson Pinheiro, hoje amigo meu e tal, mas o Edmilson Pinheiro foi criado na Alemanha, tinha aquela educação germânica. Então, ele como diretor exercia o seu mister assim de uma forma muito autoritária, e o Jáder que sempre fora um homem que lutava pelas liberdades e tal, e encampou aquela luta contra o governo devido à sua nomeação. E, nós, alunos do Liceu, também nos engajamos nessa luta, e quando ele resolveu ampliar essa campanha contra o governo, não apenas dentro do Liceu, mas também publicamente, ele então resolveu fundar o jornal o Diário do Povo, e escolheu para seus alunos, ou melhor, escolheu para seus redatores e repórteres aqueles que ele considerava os seus melhores alunos de História. É daí então, que vem os nomes de Dorian Sampaio, que é o meu caso, Lúcio Lima, Olavo Sampaio, Aquiles Peres Mota, o atual líder do governo, Eduardo Lincoln, o Ed. Lincoln que hoje toca órgão e é compositor no Rio de Janeiro, e também começou como jornalista. É o que eu me recordo no momento. Pois bem, era um jornal vibrante, bastando dizer que o primeiro número dele foi empastelado. O primeiro número do jornal quando a polícia entrou, quebrou o jornal todinho a mandado do Sr. Valmique Sampaio de Albuquerque, então Secretário de Educação e filho do governador Faustino de Albuquerque. E o Valmique dez isso, dizem por que chegou aos ouvidos dele, o Valmique, de que o artigo de lançamento do Diário do Povo, atacava a sua honorabilidade, o que não realmente, não aconteceu. O artigo chamava-se até Presentes, lembro bem que o artigo falava sobre todos os desmandos de então e terminava assim: “O povo clama por nós e a nossa resposta foi esta: presentes”. Que era o título do artigo, então o jornal foi empastelado, quebrado, foi gente presa, era tirado a essa época na redação do Estado, nós do jornal O Estado, ali na rua Senador Pompeu, fomos presos, então, o Jáder requereu “Habeas Corpus” para todos os jornalistas. Era chefe de Polícia a essa época o major Humberto Moura, de Acaraú, depois tendo sido Deputado Federal pelo Ceará, e 15 dias depois o jornal saía, o Diário do Povo. Então, eu sou um homem que participei dos acontecimentos com o Jáder de Carvalho durante anos seguidos. Eu pertenci o Diário do Povo desde o seu primeiro dia até o governo de Raul Barbosa, quando então, as minhas atribulações como Oficial de Gabinete na Secretaria de Educação, não me permitiram mais o exercício da profissão. Mas, durante esses anos sofremos muito, fomos presos, o jornal foi empastelado, éramos assediados de toda forma e isso criou dificuldades muito grandes, mas eu posso assegurar que foi um dos períodos mais bonitos da vida da imprensa do Ceará e da minha própria vida.
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L.F. | O Senhor decididamente gosta de oposição. Dr. Dorian, o senhor pensaria então que o governo do Dr. Faustino de Albuquerque teria sido ou poderia ser chamado um governo, um período de força?
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D.S. | Não. Não vamos chegar também a tanto. Apenas o meu depoimento é esse: que foi o governador mais forte que o Ceará teve até hoje, do ponto de vista pessoal. Aquela rara capacidade encontrada nos homens que enfrenta uma situação, digamos na expressão da mocidade, “não abrir nem para o trem”. O governador Faustino era um homem duro, era mesmo, era desses que quando decidia uma coisa podiam vir os amigos mais diletos, partido, seus velhos colegas de tribunal, que ele não arredava o pé e ia até o fim. Para aquela época de redemocratização aquilo era como que um corpo estranho na sociedade de então, porque é preciso ver que desde 45, a mocidade que fora freada desde o Estado Novo, ela vinha com ânsias de liberdade, mas o desembargador Faustino era um homem já velho, era já um septuagenário. Então, foi um homem arraigado àqueles princípios do Estado Novo, se bem que desembargador, mas de qualquer forma, que teve a sua formação toda no Estado Novo e que vai então governar o Estado num período de efervescência, como foi o ano de 1945, de redemocratização. Então, ele era um camarada, um governador que tinha obrigação de aceitar aquela situação de ânsias de liberdade do momento, mas que o seu temperamento não permitia, então, ele foi deslocado, e tanto que ele rompeu… O próprio partido já não lhe dava mais nem cobertura na assembleia… Já no fim do governo dele, e a consequência que houve foi na sucessão dele, que o candidato foi o Sr. Edgar Arruda, um homem de bem, pela UDN, e o Sr. Raul Barbosa pelo PSD. Este venceu numa margem de votos fora do comum na História Política do Ceará.
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L.F. | O Senhor o classificaria então, como um homem intransigente, fora do seu tempo? E a atuação do Dr. Valmique que não seria então um homem septuagenário. E então que paralelos o senhor faria entre o governo do Dr. Menezes Pimentel, que foi uma época também de pouca liberdade, e o governo do Dr. Faustino, considerando as épocas diversas, históricas, que o senhor inclusive terminou de mencionar e classificar a segunda, por exemplo, a parte da redemocratização, a ânsia da sociedade em ter um período onde ela pudesse de fato gozar de maiores direitos, maiores privilégios?
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D.S. | Não… O que há é o seguinte. Com a redemocratização, o desembargador Faustino de Albuquerque foi eleito justamente porque pretensamente ele encarnava essa redemocratização. Todos os candidatos da UDN de então, encarnavam essa redemocratização, mas, ele não soube se comportar no exercício do seu mandato de governador, como um homem representante desse período libertário, vamos dizer, de desenfreio. Agora, quanto ao seu filho Valmique Sampaio de Albuquerque, aí vamos, era um problema mais temperamental, tanto que já passados uns anos o Sr. Valmique de Albuquerque até é um homem doente sob o aspecto psicológico, mental, terminou a vida não foi nos parâmetros da moralidade sanitária, lamentavelmente. Então, é um rapaz saído, criado por um homem dessa estirpe do Sr. Faustino de Albuquerque, acredita-se que ele embora jovem, mas sem nenhuma vinculação política, porque o Valmique não tinha nenhuma vinculação política, ele era mais então, Faustino de Albuquerque, era mais o pai, e como o pai realmente era um homem intransigente e forte nas suas decisões e para suportar as reações advindas dessas decisões dele, o Sr. Valmique de Albuquerque era apenas um apêndice paralelo ao pai. E assim então, praticou aquilo que eu chamo uma série de desmandos, de perseguições, mesmo porque de qualquer forma como homem político, ou como um homem jovem ele tinha muito mais articulação, muito mais diálogo com a classe política da UDN, que vinha rancorosamente desejosa de vingança porque de qualquer maneira o pessoal da UDN, por outro lado, era um partido de baixo, foram quinze anos que a UDN se manteve de baixo, quando vence o Sr. Faustino de Albuquerque, ou seja, vence a UDN. É lógico que eles vinham com aquele espírito de vingança, e como era mais difícil um diálogo com o governador, eles dialogavam com o Valmique Sampaio de Albuquerque, ficou um impregnado daquela ânsia de vingança da UDN, tão grande quanto a ânsia de libertação que dominava toda a mocidade de então. Então, aproveitou-se isso e o Valmique Sampaio de Albuquerque, filho do governador, é que era o intermediário, era quem fazia a intermediação desse espírito de vingança. Aí então é que como havia esse choque dessa mocidade que queria um Brasil diferente realmente em tudo, e o Sr. Faustino de Albuquerque, apesar de viver um regime de redemocratização, mas tão autoritário quanto um ditador, criou-se o choque e a consequência foi a UDN perder a eleição com a ascensão do Sr. Raul Barbosa para o governo. Bom, quanto ao Dr. Francisco Menezes Pimentel, sinceramente eu não posso dar uma opinião porque já não é da minha faixa, eu já sou daquela turma de 45, eu tinha meus dezoito anos de idade, quer dizer, foi quando eu com dezoito para vinte anos, quer dizer, eu estava no tempo do interventor Menezes Pimentel eu era um garoto, mas apenas guardo a imagem mais simpática do que do Faustino, porque de qualquer maneira, era um homem que vivia numa ditadura, mas que não era autoritário, pelo contrário, ele era um fino educador, participava de reuniões, agora, era um homem que durante toda a vida foi um homem fechado, um homem que não era de fácil comunicação, mas eu simplesmente não posso fazer nenhum depoimento sobre o governo dele porque já não vivi aqueles momentos e é porque vocês estão me entrevistando um pouquinho mais velho.
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L.F. | Ah! Você é jovem, não é! E as razões da Efemeridade do Ceará, Jornal que o senhor fundou ao tempo do governo Paulo Sarasate? E sobre o governo Paulo Sarasate o senhor nos diria alguma coisa?
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D.S. | Sarasate, já há aquele episódio da eleição contestada pelo próprio adversário, hoje ministro Armando Falcão. Mas era um homem da UDN, tinha um jornal na mão, tinha como fazer opinião pública e não tinha oposição. Até o PSD, bom o meu PSD, sempre foi partido de governo porque o PSD é partido do Diário Oficial. Então, o Sarasate não contava com uma oposição digna do nome. Eu então resolvi fundar um jornal, já que não tinha nenhum jornal em Fortaleza, que fizesse oposição a Paulo Sarasate, nenhum a essa época, todos os jornais eram do governo. Então, eu fundei o Semanário Ceará Jornal, em que eu era o repórter, era o redator, era o revisor, era o paginador, e foi o primeiro jornal colorido do Ceará, diga-se. Esse jornal durou uns três meses apenas, eu não tive condições porque houve um complô contra o jornal, porque o comerciante que desse anúncio no jornal iria se haver com os fiscais da fazenda. De modo que eu aguentei parece que uns três meses ainda. Mas consegui de qualquer maneira mostrar que o partido precisava ter um jornal, e isso redundou que futuramente, parece que salvo engano, era O Estado, foi adquirido. Aí o PSD continuou a marcha iniciada pelo seu velho e querido Ceará Jornal, de saudosa memória. Mais uma vez é o espírito oposicionista do entrevistado e que fez o Ceará Jornal, nada mais que isso.
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L.F. | Dr. Dorian, mais detalhes sobre o complô?
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D.S. | Bom, generalizando, apenas o seguinte. O jornal era feito por anúncios. É sabido que a imprensa, ontem como hoje, 70% é de publicidade de governo, e só 30%, de comércio. Do governo eu não podia tirar porque eu estava fazendo oposição a esse próprio governo, e do comércio, há as dificuldades que também se temiam que isso custasse a eles uma fiscalização mais rigorosa por parte da Fazenda, pois que a essa época era muito comum fazer oposição, porque podia realmente. Então, os anúncios começaram a escassear, até que finalmente, não digo que ia entrar em falência porque não tinha nunca o que entrasse em falência, mas não tinha mais condições de pagar as oficinas em que o jornal era tirado, no jornal A Fortaleza, do Padre Arimatéia Diniz.
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L.F. | E o ressurgimento do Anuário do Ceará? Esta ideia surgiu do Sr. Lustosa da Costa ou dos dois conjuntamente?
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D.S. | Bom, essa do Anuário é uma história, eu não vou dizer longa, mas é interessante. Quando o Valdery Uchôa morreu, quando o Valdery era vivo, vamos dizer, eu dirigia as oficinas do Jornal A Fortaleza, onde o Anuário do Valdery era tirado, e lá eu ajudava muito o Valdery, vamos dizer, amadoristicamente. Eu fazia a revisão na hora que ele estava muito cansado, eu redigia muita coisa para o Anuário, porque, diga-se, o Valdery era eu considero um fenômeno, porque o Anuário era feito sozinho por ele, não tinha equipe nenhuma. Então, ele estava muito cansado, chegava lá e eu escrevia e tal. Mas eu participei de qualquer maneira e fiquei querendo bem ao Anuário. Quando ele morreu, eu procurei o filho de Valdery Uchôa e a viúva de Valdery Uchôa. Aí eu vi que aquilo era obra que não podia morrer que eu devia dar continuidade para nós, não encontrei nenhuma receptividade. Depois então, andei propondo a várias pessoas, a vários industriais que fôssemos tirando o Anuário do Ceará, mas ninguém acreditava no Anuário do Ceará. Daí então eu chamei, eu passei a trabalhar no grupo Credimus, tentei interessar Valter Ari e Helano de Paula, que eu não tinha dinheiro para sustentação financeira, eles não acreditavam no Anuário do Ceará. Então, eu falei com o João Soares Neto, falamos sobre o assunto, não era nem mais propondo tirar o Anuário do Ceará, era eu fazendo as minhas queixas amargas, por conta da minha ideia não ter nenhuma receptividade. O João Soares Neto, hoje diretor da Planostec do Brasil, o João então disse: “Dorian, faça uma proposta escrita desse Anuário, faça um relatório sobre o que você pensa do Anuário”. E eu disse: “Bom, João, eu lhe digo sinceramente, eu não faço pelo motivo simples: porque já é a oitava vez, você é a nona pessoa que é requerido para isso. Agora, eu posso fazer um relatório da maneira seguinte: você me paga pelo relatório, se você quiser tirar, tira; se não quiser… eu não faço mais é de graça. Então, recordo que ele dispôs de dois mil cruzeiros pelo relatório e eu então, passei uns quinze dias vendo preços, estruturando a obra fiz um trabalho, modéstia à parte, bem feito. Entreguei o trabalho, recebi meus dois mil cruzeiros e fui para casa. Dez dias depois voltei para saber qual era o resultado. Então, a expressão dele: “Dorian, o trabalho está magnífico, agora, não é obra para uma empresa como a minha, agora, acredito que é uma obra que se pode fazer”. Aí ele ficou com o meu trabalho, e eu me entusiasmei pelo meu próprio trabalho, achei que era viável. Chamei o Lustosa, meu velho companheiro de jornalismo, expus as ideias a ele, ele não aceitou, encarava a coisa como uma revista e revista no Ceará nunca deu certo. Mas, finalmente, embarcamos sem nenhum tostão no bolso, sem empresa, sem nada. Mas depois formamos a nossa empresa e o Anuário está aí, está aí e estará através dos anos, porque acredito que ninguém mais deixará de publicar o Anuário mesmo que eu encerre o assunto em qualquer época, outros deverão continuar. É a obra que, acredito que do ponto de vista histórico ela terá um valor diretamente proporcional ao número de anos decorridos. Hoje por exemplo, aqui na minha biblioteca eu abro um Anuário de 1916, eu abro Anuário de 1896, Anuário do Ceará, e vejo que riqueza de documentação que existe ali, que maravilha, vocês, por exemplo, que estão fazendo na Universidade um levantamento sobre as secas, então, se a gente pegar as secas desde mil e oitocentos e pouco no Anuário do Ceará, retratado ali através das mensagens dos governantes, saber os preços da época, saber os governantes, os prédios existentes, quer dizer, é um saber histórico, uma contemporaneidade que adentra o futuro e que prestará serviços. Se hoje presta o serviço em relação aos que pretendem informações sobre o Ceará de hoje, eu acredito que daqui a 50 ou 100 anos essa época terá um valor muito maior. O Anuário nasceu, nasceu assim e é meu filho querido, dileto.
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L.F. | O Dorian Sampaio de tantas habilidades, odontólogo, professor, político, intelectual, jornalista, são de fato uma pessoa só?
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D.S. | É uma pergunta assim meio difícil de eu responder. Eu tive uma amante que dizia o seguinte: “Dorian são vários homens num só”. E dizia assim para as amigas dela: “No dia que eu quero uma criança no colo, eu tenho o Dorian, no dia que eu quero um pai, eu tenho o Dorian”. Então, se esse julgamento é verdadeiro, e ninguém melhor do que as mulheres para fazer isso, eu acredito que eu sou vários homens. Sou um odontólogo, sou um político e sou o seu admirador também.
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L.F. | Doutor Dorian, já que o senhor se referiu aí à questão das secas, como jornalista e político com é que o senhor colocaria, como é que o senhor vê dentro de sua vivência tão profunda o problema das secas no Ceará?
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D.S. | Eu não acredito em seca no Ceará. O que há ou o que houve, foi desgoverno. Ainda hoje, por exemplo, estão falando nessa data de 1976 em seca no Ceará. Não houve seca no Ceará, o que há é uma ausência de tecnologia na programação das nossas investidas em favor da nossa economia, bastando dizer o seguinte, isso pode consultar os técnicos, eu não sou técnico, mas como repórter que eu sou, de economia, eu tenho que está ouvindo a todos. As pessoas que acreditaram no inverno no Ceará, ou seja, que plantaram cedo, não plantaram uma espiga de milho e nem uma vagem de feijão, aqueles que não acreditaram no inverno e que retardaram o seu plantio, esses perderam tudo. Segundo: as frentes de serviço existem hoje no Ceará, as seis frentes de serviço, e os senhores podem consultar os próprios elementos do governo, existem, têm homens trabalhando porque o Ceará é uma terra de homens desempregados. Se eles não têm emprego nesse período de verão, em nenhuma época tem, aí aparece o governo com a frente de serviço para fazer ocupação da mão de obra com o Estado, pagando 15 ou 20 cruzeiros por dia, junta gente para trabalhar, para ganhar seu dinheirinho. Em qualquer época é assim então o que há é apenas uma falta de previsão, não tem ainda uma tecnologia para saber se realmente vamos ter condições de inverno ou não. Mas, pode-se indagar no Ceará que se houvesse seca não tínhamos algodão. Nós vamos ter uma safra de algodão exatamente igual a do ano anterior. Feijão realmente e milho para aqueles que plantaram como retardatários esses perderam. Mas, aqueles que plantaram na época e que acreditaram que ia haver inverno, ninguém perdeu gênero alimentício. Pois então, a seca como em todos os tempos, é mais uma falta de planejamento, mas também tínhamos o enfoque do DNOCS, mas toda vez que a seca aparece é um Deus nos acuda.
Creio que por hoje eu já falei demais e se vocês não se importam, vamos marcar mais uma sessão de entrevista para o Programa de vocês, conforme combinamos, vamos falar do pouco que eu sei sobre esta temática, mais coo um jornalista do que como político .Pode ser? L.F – Como não, Dr. Dória. Foi uma preciosidade esta nossa conversa gravada. Ficamos felizes com os dados que colhemos. Tudo muito bem de acordo com a nossa proposta de tratar sobre Seca, Política e Cultura no Ceara. Voltaremos em breve para uma 2ª. Sessão. Muito obrigada.
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Foeraleza, 23 de Julho de 1976
Segunda sessão de entrevista com o Dr.. DORIAN SAMPAIO. Convênio da Universidade Federal do Ceará com o ARQUIVO NACIONAL, Programa de História Oral. LUCIARA SILVEIRA DE ARAGÃO E FROTA.
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D.S. | Conforme eu havia dito na outra fita, esse problema da chamada seca no Ceará, eu cheguei a afirmar mesmo que não há seca no Ceará, não quero dizer com isso que chove sempre no Ceará. A seca que é grave no seu aspecto social, tal como ela se apresenta, é devida mais a uma importância governamental do que mesmo um desígnio da própria natureza. Digamos o DNOCS que é um órgão criado para o combate a essa situação climática, a cada ano que passa em que faltam as chuvas, esse DNOCS nunca está preparado para resolver o problema. Repete os mesmos erros de sempre. Então, eu indago, ao invés de se colocar, digamos o homem para construir uma estrada que nem sempre é terminada, não seria mais interessante o governo, através do estabelecimento de crédito farto ao dono da terra, fixasse esse homem, vamos exemplificar, eu sou fazendeiro, tenho a minha propriedade e tenho os meus moradores, vem a seca, eu não tenho condições normais de aguentar todos esses moradores na minha fazenda. Mas, se o governo me concedesse crédito para, digamos eu construir o meu açude, eu ligar a minha fazenda à sede do município, ou eu ligar a minha fazenda ao centro consumidor, ou então construir a minha fazenda, enfim para eu poder realizar obra nesse período de seca, eu fixaria os meus moradores na minha fazenda e construiria o meu açude que iria pagar após os tempos melhores. Mas, o governo o que é que faz? Não assiste a esse fazendeiro, o fazendeiro não pode suportar a carga dos seus moradores então, dispensa-os, eles então se vão… Vão plantar o que? Aí lá adiante tem uma estrada sendo feita, em que o governo está pagando uma diária que ele não encontra em canto nenhum. Então, esse homem se desloca para lá para receber uma ajuda puramente governamental. Além do que mesmo aqueles fazendeiros que poderiam suportar, porque há casos em que eles aceitam mesmo, aceitam… Suportam, mas logicamente que ao invés de pagar quinze cruzeiros, paga dez. Mas, se o governo ali adiante está pagando quinze, eles saem da fazenda e vão ganhar os quinze cruzeiros dele. Então, no meu entender é mais um problema de governo, a seca nesse aspecto que ele toma. Foi assim no passado e, lamentavelmente, está sendo assim no presente. Agora mesmo, podem perguntar na intimidade, oficialmente eu acredito que eles não diriam isso, mas intimamente podem perguntar. Entraram com seis mil homens trabalhando, eles estão hoje com 2600 homens trabalhando. É porque é o emprego que tem. Mas se não existisse esse emprego, se ele estivesse favorecendo ao proprietário da terra, o caboclo estaria lá trabalhando. É mera questão de melhor ordenado, arranjou um salário mais alto, então vai. Aí há esse problema social todo, problema sanitário, problema econômico e toda essa série quase interminável de problemas advindos de um fenômeno que poderia ser evitado se outra fosse a visão solucionadora por parte da entidade governamental. É o meu ponto de vista, porque é mesmo, isso já foi dito aí várias vezes no parlamento, jornal e tudo.
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L.F. | E o crédito agrícola com que o governo tem procurado assistir ao homem do campo, o senhor acha então que deveria ser ampliado, feito de maneira diversa o pagamento facilitado, exigido menos exigências, coisas assim?
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D.S. | Não tenho dúvida nenhuma de que teria que haver modificações. Esse crédito que se dá para construções de grandes obras, que fixassem os moradores nas respectivas propriedades, tinha que ser diferente do crédito normal que se dá, teria que haver um período de carência, o juro teria sido mais baixo, mesmo que o governo futuramente perdoasse essas dívidas, estava fazendo melhor do que gastando rios de dinheiro na construção de açudes, de estradas, com esse deslocamento em massa da população. Eu acredito que o fazendeiro, se fosse permitido, através de todas as secas que o Ceará já teve que cada fazendeiro construísse o seu açude, à custa de verba e que nem pagasse depois, eu tenho a impressão que seca não tinha mais porque quanto mais água esbarrada no Ceará, maiores condições de ter mais chuva, porque quanto mais água se tem na terra, mais se tem no céu, não é? Por causa da evaporação se, digamos, tivesse milhares e milhares de açudes no Ceará, ele deixava de ser seco, é porque haveria mais condições de chuva, porque havendo evaporação mais o vapor d’água para que ele voltasse a uma condição líquida.
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L.F. | E o projeto de formação de minifúndios, o que o senhor pensa a respeito?
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D.S. | Luciara, eu não sou muito afeito a esses assuntos, não.
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L.F. | Qual a sua opinião como jornalista?
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D.S. | Sei apenas o seguinte: que não há no Ceará e aí não é teoria minha, não, mas aí é um problema, não há no Ceará o latifúndio. Portanto, no Ceará não há latifúndio. O número de propriedades pequenas que há no Ceará é enorme. Latifúndio propriamente no Ceará, eu não conheço. Nós estamos falando isso apenas por teoria. Lá para Pernambuco tem os seus latifúndios, lá pelos canaviais, mas aqui no Ceará não há latifúndio. Porque mesmo estas vastas extensões de terra sendo de um dono só, na realidade, é toda ela entregue ao pequeno proprietário, que transforma aquilo num minifúndio. Não existe o latifúndio na sua verdadeira acepção do termo. Agora, se nós considerarmos latifúndio apenas a extensão da terra, aí é outra coisa, é uma visão muito unilateral. Mas, eu entendo que latifúndio além da extensão de terra, exige outros fatores que o caracterizam, as relações de trabalho existentes nessa propriedade. Eu posso ter… a metade do Ceará ser minha, mas se ali eu planto, eu crio e pago aos meus empregados direitinho, então, eu não sou um latifundiário, eu sou um empresário da terra. Agora, se eu montei essa vasta extensão de terra com moradores com regime escravo de trabalho, quando eu entro com uma monocultura, aí tudo isso está caracterizado o latifúndio o que realmente não existe em nosso Estado. E especialmente num Estado como o nosso de criatório, em que são vastas as extensões de terra e que os próprios donos entregam aos moradores à vontade, os seus quinhões da terra para o plantio.
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L.F. | Eu vou tentar de novo fazer uma relação seca-política, ou melhor, vou começar agora a tentar fazer. O que o senhor me diz sobre a eleição do Dr. Parsifal Barroso com relação à seca de 58?
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D.S. | Estávamos no governo Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Parsifal Barroso era Ministro do Trabalho. A sucessão estadual se apresentava difícil para o PSD, por um motivo muito simples: governo Sarasate e UDN, apresentando para suceder, o Sr. Virgílio Távora, candidato que realmente vinha trabalhando desde o início da sua carreira política, com esse objetivo de ser governador do Ceará. Amparado pelo governo do Estado e o PSD ser, ter um candidato que fosse capaz de enfrentar o Sr. Virgílio Távora. É então, lembrado o nome de Parsifal Barroso, a essa época não do PSD, egresso da PSD, de saída do PSD junto com o sogro Chico Monte para fundar aqui no Ceará, ou engrossar aqui, as fileiras do Partido Trabalhista Brasileiro cujo chefe era o Sr. João Goulart.
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L.F. | Chico Monte era o sogro?
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D.S. | Sogro, pai da D. Olga. Grande chefe político de tradição na Zona Norte. Então, o PSD verificou que só havia uma condição para enfrentar Virgílio Távora: era lançar Parsifal Barroso, porque pegaria os votos tanto do PSD, da cidade, e seria, teria o respaldo daquela votação interiorana representada pelos então, coronéis do PSD, que eram realmente homens de muitos votos. Então, é lançada a candidatura do Sr. Parsifal Barroso, tendo como companheiro de chapa para vice-governador o representante do PSD de então, na pessoa do Sr. Wilson Gonçalves, atual Senador. Então, foi lançada a campanha Parsifal Barroso, candidato eu não tinha grandes recursos financeiros. O PSD também… O candidato dele também não tinha enfrentado um candidato hereditariamente rico, no caso o Sr. Virgílio Távora. O Sr. Virgílio Távora além de berço é um homem rico. Herdou muito de sucessivas pessoas, e que estava realmente disposto a gastar como realmente gastou os tubos, naquela época, para se eleger governador. Sabia-se que seria difícil o Parsifal Barroso, vencer a eleição, dadas as condições apresentadas pelo candidato Virgílio Távora. Mas eis que, em pleno 1958, se desenvolvia a chamada seca. Era diretor do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o engenheiro José Cândido de Paula Passos, filho do general Vico de Paula Pessoa, grande pecuarista aqui, dono do maior… O pecuarista que tinha o maior rebanho de gado do Ceará, gado vacum. Então, vai-se combater a seca por aqueles processos de então que pouca modificação teve até hoje. Construção de açudes, construção de estradas, em que junto a essas construções, essas frentes de serviço onde colocavam os barracões. Barracões eram as bodegas de então. O chefe político botava o barracão e o pagamento do operário, do trabalho do operário, era feito mediante vale para comprar o feijão ou o arroz com que sustentava a ele, a mulher e os filhos. Compreenderam com é? Então, isso favoreceu muito, em minha opinião ao candidato Parsifal Barroso, porque o governo federal era do PSD, na pessoa do Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira.
Então, as verbas que eram canalizadas para essas frentes de serviço para o estabelecimento desses barracões vinham através desse governo federal pessedista, que logicamente não ia entregar ao Sr. Virgílio Távora da UDN. Para nomear o dono desses barracões, para nomear os feitores e para nomear os próprios empregados que iam trabalhar nessas frentes de serviços, utilizava-se então, o chamado processo das cadernetas. O empregado, o flagelado quando ia para frente de serviço recebia uma caderneta de vale. E com aquela caderneta ela ia comprar no barracão os alimentos, roupas etc. Houve abusos, houve desonestidades, flagrantes, e é bem possível, e quase certo, é certo que, os políticos então, interioranos, faziam política disso aí, não só aceitando operários, admitindo novos empregados, como concedendo essas cadernetas e esses vales a eleitores, sem que eles tivessem obrigação de executar qualquer trabalho. Isso então, eu acredito, favoreceu eu acredito, não, é óbvio, que tenha favorecido o partido político que tinha condições de dar esses vales, de dar esses trabalhos, de dar esse dinheiro e o resultado foi que Parsifal Barroso conseguiu aquilo que ninguém até então esperava, que era derrotar o Sr. Virgílio Távora nas urnas. Saía eleito como governador do Estado, tendo ao seu lado, o Sr. Wilson Gonçalves, como vice-governador, foi uma vitória estrondosa em que inegavelmente a seca de 1958 favoreceu. Não tenho dúvida nenhuma disso, não. Se bem que, o Sr. Parsifal Barroso tivesse realmente qualidades excepcionais para o exercício do cargo, foi um governo bom, foi um algo a mais na política, digo a vocês, eu assisti a saída do Parsifal do Palácio quando ele terminou o governo. Foi a primeira vez que eu vi um governador do Ceará sair, como se diz, nos braços do povo. Ele saiu com seu carro sendo empurrado pela massa. Foi a primeira vez que eu vi isso no Ceará. Geralmente, rei posto, rei esquecido, não é? Mas, ele não. Ele fez um governo que o povo ainda hoje, aplaude, eu acredito… Também aquela extrema bondade dele, aquela humidade, aquela comunicabilidade dele, tudo isso não deixa nada a desejar, mas que os políticos realmente tiveram em 58 um grande aliado, não tenho dúvida nenhuma. Eu acredito que o Sr. Parsifal Barroso podia até ganhar, até no inverno. Mas, a seca, só favoreceu ao PSD, ao PTB, ao Sr. Parsifal Barroso. Não favoreceu ao Sr. Virgílio Távora. Isso ninguém discute, ponto pacífico. |
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L.F. | Que há de fato uma ligação entre a seca e a política, quanto aos processos de eleição dos candidatos.
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D.S. | Ah! Não há dúvida nenhuma. O exemplo mais frisante foi esse, porque a eleição se deu juntamente num período de seca. É uma tese que dispensaria grandes esforços de demonstração.
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L.F. | No âmbito estadual o governo do hoje Senador Virgílio Távora, foi tido como de planejamento. O senhor tomou conhecimento de alguma mudança no dispensado às secas no Ceará? Porque durante o governo do Sr. Virgílio Távora houve um repiquete de seca, sabe se dentro desse processo de planejamento governamental houve alguma medida específica para o problema? Uma ligação Governo do Estado/SUDENE? Como um jornalista, teria alguma informação?
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D.S. | Não especificamente assim, de combate à seca. Sinceramente, como eu não vejo, não. A única iniciativa governamental do Estado de combate à seca foi a criação da Funceme, não é? Mas isso foi posterior já, salvo engano, no governo César Cals. Mesmo porque eu não sei se com esse depoimento eu possa ofender ao meu próprio Estado não sei. Mas, os senhores que são historiadores, procurem saber, fala aqui apenas o repórter. Procurem saber se há momentos em que a seca para o Ceará tem mesmo é rendimentos, procurem saber isso. Se aquela fase da indústria da seca… se a gente comparando assim o Ceará com o inverno, o Ceará com produção de algodão, o Ceará com produção de milho e de feijão e de banana etc. se vendendo aquilo tudo por um precinho muito bom, se não é menos do que o dinheirinho que é carreado para o Ceará devido à seca. Não sei se eu me fiz claro. Parece que há momentos no Ceará que era melhor seca a chamada seca. Porque pelo menos o inverno não é federal. Nós acordamos o governo federal para nós, então, de modo que é uma coisa que vocês deveriam tentar saber se há esses momentos… É bom, principalmente quando se chama uma seca verde, quer dizer, suspendeu a chuva e tal. Aí corre dinheiro, porque o governo central só manda dinheiro para o Ceará mesmo, em momentos difíceis de seca. Agora mesmo, vocês veem que está chegando o dinheiro. Por quê? Porque estão falando na seca e eles têm que propagar que está seco mesmo, e tudo porque é a forma que nós temos de atrair capital do governo da União. Porque fora disso, é muito difícil vir assim, normalmente, dinheiro para o Ceará. A coisa é mais para funcionar mais para São Paulo, para Minas, para o Paraná, para o Rio Grande do Sul.
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L.F. | E quanto a um sistema de verificação do emprego dessas verbas o que o senhor diz?
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D.S. | A coisa mais fácil do mundo é a gente comprovar emprego de verba, não é? Dizem o seguinte: que o dinheiro mal-empregado é o dinheiro que a gente presta conta com mais cuidado. É a minha opinião. E às vezes, a pessoa quando emprega o dinheiro bem direitinho dentro de toda a honestidade e tudo, aí é preciso até que prestar conta às vezes. Quando eu me recordo de um caso da família minha, de uma herança, em que um dos irmãos ficou tomando conta do espólio, ficou administrando a fazenda, e na hora de prestar conta até os centavos apareciam. Comprei… eu dei de gorjeta setenta centavos ao fulano, eu gastei de gasolina quarenta e dois cruzeiros e noventa centavos, quer dizer, uma prestação de contas maravilhosa, mas nunca tinha na família um camarada com mais vocação para gatuno do que esse, e prestava as contas direitinho. Então, a boa prestação de contas não reflete a realidade de uma situação, em minha opinião.
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L.F. | O senhor teria alguma opinião a respeito de como se detectaria o emprego dessas verbas, melhor dizendo, como se situaria esta realidade sempre fora do alcance do palpável?
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D.S. | Luciara, no Ceará todo mundo é pobre. Conta-se nos dedos das mãos, é contar os homens que realmente não estejam precisando de dinheiro. Então, digamos que o pequeno proprietário, o grande fazendeiro que tem, é utópico. O grande fazendeiro só tem é terra, mas também é um homem tão apertado quanto o caboclo. Esse dinheiro que fica circulando aqui dentro, esse dinheiro que vem da verba federal pra cá, ele de qualquer maneira, circula aqui dentro, de modo que você sabe como é que fulano empregou, em termos oficiais é facílimo, é a mesma história do Governo do estado dá para um prefeito interiorano quatrocentos mil contos para construir uma unidade sanitária, por exemplo, um posto de saúde. Que ele pode comprovar que gastou aqueles quatrocentos mil contos, ele pode comprovar. Ele compra cinquenta milheiros de tijolo e o sujeito passa um recibo de sessenta, está comprovando, ninguém pode dizer, “você não comprou isso, não”. Está aqui o recibo. Até o sujeito que vendeu o tijolo não pode dizer que não deu sessenta, pois está ali no recibo. Então, comprovar, detectar ou impedir, isso sinceramente não é possível. Agora, a margem que fica acrescentada a qualquer emprego de verba, ou seja, qualquer evidência de desonestidade e tudo é uma margem assim, relativamente pequena, e mesmo essa parte é empregada ali mesmo, ou seja, para comprar a propriedade do vizinho. O vizinho recebeu aquele dinheiro, está circulando aqui dentro o dinheiro, é tanto que esse dinheiro não é sinal de preocupação, não. Pode vir o dinheiro, roubem, mas o roubo fica aqui mesmo, entre nós. Vai para seu bolso, para o meu.
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L.F. | O senhor tem indicativos das consequências das denúncias feitas pelo Senador Virgílio Távora quando aos desvios de verbas na época da seca? Alguma informação a respeito?
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D.S. | Nenhuma, nem uma, e seria dificílimo comprovar. É como eu disse tudo é passado o recibo e não adianta a pessoa dizer: “não, mas esse recibo é falso”. Não, não existe recibo falso, está assinado. Eu me recordo que no governo Raul Barbosa, por exemplo, foi feito aqui um inquérito quanto à construção de prédios rurais, por exemplo, e eu fiz parte dessa Comissão, e eu no momento senti o construtor chegar para mim e dizer: “Não, eu fiz o prédio por sessenta mil cruzeiros, mas eu passei o recibo de cento e oitenta. Agora, eu não posso dizer isso na Comissão, doutor, porque eu vou dizer que passei a mão. Não vou fazer isso, não posso que o cara me bota na cadeia, é a velha história. Tá “recibado”, tá provado. Não tem outra alternativa. Você nunca me venha passar um recibo de cem cruzeiros, sem ter esse recibo pra depois dizer que passou recibo, porque você não pode, você vai pra cadeia, porque você assinou, deu o atestado que recebeu os cem cruzeiros e consequentemente vai pagar por isto.
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L.F. | Como jornalista o senhor visitou alguma vez o interior à época das secas, alguma frente se serviço, viu de perto os problemas?
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D.S. | Não, eu vi problema pior. Sinceramente, foi o problema das cheias. Essas, eu realmente acompanhei, aquelas enchentes lá no Aracati, na Zona Jaguaribana toda, essa eu acompanhei e acompanhei mesmo em toda a profundidade e extensão. Essa eu conheci, a da seca sinceramente como eu nunca vi, não. Assim de perto, nunca participei, não. De cheia sim, que é um problema às vezes até pior do que o da seca, muito pior. | |||
L.F. | Situe então o problema das cheias, porque me parece que se há desvio de verbas, o governo federal também nos assiste nas grandes enchentes. Talvez uma similaridade nesses aspectos….
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D.S. | Não, primeiro é o seguinte: a cheia é o inusitado, é surpreendente. Já a seca é apenas uma convivência secular, a primeira coisa. Segundo, a cheia é um período… Não é tão longo quanto o da seca. A cheia é uma coisa que é quinze dias, trinta dias, no máximo dois meses, em que as pessoas se deslocam da sua casa, completamente inundada, perde todos os seus móveis, todos os seus pertences, muitas vezes ficam completamente inutilizadas, e elas vão então, para aqueles barracos, aquelas casas de lona que eu não sei como é que eles chamam. Essas casas de lona que o exército oferece a todo mundo e tal. E ficam ali na maior promiscuidade e ociosos, porque o governo não vai dar frente de trabalho para um negócio de quinze dias, de trinta dias ou de dois meses. Então, ficam milhares e milhares de pessoas à margem dos rios, pode-se dizer, fica todo o teatro da desgraça do lugar em que ele mora e na ociosidade total, sem trabalho, com epidemias prestes a se desencadearem. Então, eu acho que é um problema muito pior do que o problema da seca, porque mesmo na seca ele vai pra frente de trabalho, mas na hora que ele quiser voltar pra casinha dele, ele encontra a casa dele. E no período de cheia, não. Ele perde tudo e o que é pior, com cheia as verbas não vêm, só prometem, mas não vêm Ainda hoje está se esperando auxílio prometido pelo governo federal da cheia do Jaguaribe, verificada há três anos. Quer dizer, a ajuda é feita mais, é por nós que damos o agasalho, que damos o sapato velho, que fazemos propaganda aqui, campanhas na cidade para mandar recursos para o pessoal. Comida que se manda, é bolacha, é feijão, é arroz, são assistentes sociais que vão e tudo, porque é uma coisa rápida, mas de impacto eu tenho a impressão de que é muito pior do que a seca, a seca ela vem lentamente. O homem olha o sol e ao mesmo tempo vai se preparando, “se daqui a tal dia não chover, eu vou embora”. Ele está se preparando. E, a cheia, ele dorme na sua casa e acorda sem ela. Eu acho que… e além do mais nós não estamos acostumados àquilo. Eu acho que para o homem que está no teatro de operações como vítima, ele sofre muito mais é na cheia.
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L.F. | Entendo o seu ponto de vista. Presenciou o episódio do Orós, a ameaça de arrombamento do Orós, não?
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D.S. | Foi mesmo. Posso mesmo dizer, o episódio mais emocionante da minha vida. Eu, nesse tempo, eu dirigia a Gazeta de Notícias, então, acompanhamos assim como plantonistas mesmo. E, Luciara, foi a primeira vez que eu vi assim… Homem chorando em torno de mim. Porque nessa época jornal era meio difícil de fazer, não existia “off-set”, eram clichês .E então nós preparamos a manchete do jornal.. Arrombou….porque nós sabemos que era minutos… E todos os redatores, vinte e quatro horas de plantão, nós aguardando a hora para anunciar e tal, debaixo daquela tensão nervosa tremenda, e finalmente quando o rádio anuncia “está arrombando, a água começa a romper a parede e tal”, e que a gente olha de lado assim pensando ou que estava chorando sozinho, tinha mais ou menos assim, uns dez ou mais redatores chorando em torno de mim. De modo que é um traço altamente emocionante, inclusive, tem agora um rapaz, está ali na outra sala, o rapaz participou comigo e na mesma hora toda a imprensa foi mobilizada e as atenções e todo o Ceará se concentraram nela, de modo que eu participei e participei mesmo com muita emoção e permanentemente todo o processo eu acompanhei. | |||
L.F. | Deve ter sido mesmo uma experiência forte.Como redator do Anuário do Ceará, o senhor tem boas informações sobre a seca de 58 ?
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D.S. | Desencadeada a seca ela foi oficialmente declarada no Ceará. O próprio então diretor do DNOCS que era o Sr. José Cândido de Paula Pessoa, oficiou ao presidente da República, expondo toda a situação quando aqui cidades como o Icó, Iguatu, eram invadidas pelos flagelados. Então, o DNOCS reservou inicialmente para o Ceará, para obras, para as frentes de serviço, trinta milhões naquela época, hoje eu não sei como se pode calcular em termos de dinheiro atual, mas naquela época eram trinta milhões. A coisa começou mais ou menos já em março para abril. Mal passamos 19 de março, que é a data limite, o dia de São José, que é a última esperança,o dia D, não é? A turma toda à espera por chuvas e aí o processo realmente se desencadeou. A Presidência da República então nomeou a chamada Comissão de Assistência às Vítimas da Seca. Aqui esteve o diretor do DNOCS acompanhado do Sr. Edmundo Regis Bittencourt, que era do DNER, também, salvo engano, diretor do Denerim que era xxxxx rurais, enfim, todos os órgãos federais que exerciam o trabalho aqui no Ceará. Foram abertas nesta época, em todo o Nordeste, 145 frentes de trabalho, em que a maior parte ficou no Ceará. Essa Comissão de Assistência às Vítimas da Seca era integrada pelo Ministro da Fazenda, de Trabalho, Indústria e Comércio e o da Saúde. Eram as áreas justamente que eu assisti. Essa comissão era Central e cada estado tinha a Comissão Estadual. O governo fez o que pôde. Eu tenho dados que mostram que em 1958, o DNOCS pretendia aplicar aqui no Nordeste 564 milhões a 100 mil cruzeiros, mas isso foi muito, além disso, porque além da seca tinha a eleição e outros gastos numa etapa posterior à eleição. O DNER chegou a empregar 6000 flagelados nas frentes de construções de estradas. O DNOCS, outro tanto na construção de açudes. Enfim, cada órgão, era Ministério da Agricultura, Ministério do Trabalho, cada Ministério utilizou um pouquinho. Posso dizer que a frequência média de flagelados nessa frente, nessa época, de acordo com um documento que eu tenho aqui em mão inclusive, essa frequência média diária de flagelados nos meses de abril até dezembro foi num total geral de 8.578.173, a frequência. Mas, é um somatório realizado a frequência foi em torno de duzentos e poucos mil homens. E você pode observar aqui nesse quadro uma coisa muito interessante. Quando se desencadeou a seca, logicamente que no começo é que poderia ter um maior número de flagelados, mas vocês observem que aqui, em meio o Ceará amparava 172 mil flagelados em números redondos, mas lá pertinho da eleição de Outubro é quando aumentou tremendamente para 281.916 flagelados. Pelo menos os números aqui mostram que com as eleições os flagelados foram colocados mais para as frentes de serviço, houve mais atração. É um dado que a aritmética vem comprovar aquilo que nós consideramos que naquele instante, de qualquer maneira, teve uma afluência maior de flagelados para as frentes de serviço e sem querer fazer trocadilho uma influência também . Afluência e influência. Em 1958 mais do que nós poderíamos dizer é que no Ceará eu acredito, que a quase totalidade dele vivia debaixo da zona da seca, apenas porque hoje nós somos 141 municípios, apenas quatro não estão na zona da seca. Apenas ali o Cariri que realmente não tem a seca talvez, mas realmente foi um período muito difícil. É o que a memória me permite dizer para vocês até o momento. É isso. Espero que eu possa contribuir com alguma coisa, com alguma informação.
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L.F. | Que tentativas considera mais sólidas, entre as tomadas pelos governos no âmbito estadual, federal, para minorar o problema das secas no Ceará? | |||
D.S. | Uma das tentativas que nos fez esforço tem a FUNCEME no âmbito estadual, através do bombardeamento das nuvens para o fabrico artificial das chuvas. Tem de qualquer maneira era conjunto de irrigação do DNOCS que é um passo bem adiantado. Essas são medidas realmente com algo de novo que se tem, o restante é a repetição do que vem acontecendo desde D. Pedro II, é as frentes de serviço, flagelados nas estradas, oferta de emprego nesse período e tal, mas, de novo que a gente vê é esse esforço do DNOCS para esse projeto de irrigação e no caso do estadual em si, a Funceme. Uma fundação porque se refere aos estudos e execução de projetos de execução artificial das chuvas, através do bombardeamento das nuvens. É o que eu sei assim como repórter, que me parece assim mais positivo e novo em relação ao combate às secas.
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L.F. | E como o vê a atuação da SUDENE e do BNB?
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D.S. | Não tenha dúvida que o Banco do Nordeste e a SUDENE deram um panorama novo para o Nordeste. Agora, em relação à seca só agora que estão falando no Projeto Sertanejo, por parte da SUDENE mas não está executado ainda. Em termos de seca, ela não deu nenhuma contribuição nova. Também esvaziada, coitada, por técnicos e dinheiro, eu tenho a impressão que não é ali que nós vamos encontrar a solução, não, porque seca tem que ser o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, mesmo. Acho até inclusive, que ninguém devia estudar o negócio, que devia concentrar o maior número de verbas de dinheiro para o DNOCS porque o nome está dizendo, é para isso. E a SUDENE seria mais o aspecto geral de Superintendência dos trabalhos como o próprio nome está dizendo.
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L.F. | Por que o senhor considera a SUDENE esvaziada de técnicas, como disse há pouco, e de dinheiro?
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D.S. | Ah! Isso é notório. A SUDENE hoje, ou melhor, já de alguns anos para cá, primeiro, teve os seus, os incentivos diminuídos, porque os primeiros incentivos se destinaram à SUDENE e à SUDAM, depois veio uma parte… Essa fatia dos incentivos foi como que picada, é o picadinho dos incentivos. Passou a ter um percentual para os investimentos no setor do reflorestamento para melhorar o meio, e o fato é que houve essa diminuição de verbas. Vinham incentivos fiscais, vinham do imposto de renda. E quanto aos técnicos, eles não tiveram condições de pagar bem a esses técnicos e eles foram sendo absorvidos pela iniciativa privada. Hoje é bem difícil um técnico de gabarito realmente continuar na SUDENE, dado o ordenado baixíssimo que ele recebe. Agora, isso é próprio… O superintendente já disse que realmente ele encontra dificuldades na formação de equipes porque elas foram realmente absorvidas por quem paga melhor, dado a iniciativa privada.
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L.F. | Não teria também a SUDENE alijado do seu quadro de planejamento o chamado cientista social, para beneficiar somente os técnicos?
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D.S. | Eu acredito que sim, porque se até os técnicos também sofreram decesso, quanto mais os chamados cientistas sociais para os quais o técnico periga em qualquer parte da SUDENE, inclusive, não se tem, não se olha com tanta simpatia para eles, Se até eles próprios se chocam, quanto mais os cientistas sociais.
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L.F. | Como o senhor vê as medidas que o governador Adauto Bezerra vem tomando para contornar o problema da seca? Se eu não me engano, a Tribuna do Ceará, trata da suspensão de uma caravana de estudantes que viria a Fortaleza prestar homenagem ao prefeito, ao governador?
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D.S. | Eu desconheço esse segundo aspecto da questão. Sei apenas que o governador faz o que pode. O governo do Estado em relação à seca, não pode fazer muito, não. Porque o Estado em si em épocas boas já tem dificuldade de manutenção, quanto mais num período assim, excepcional como é o da seca. Mas, dentro do que ele pode fazer, eu estou vendo que a equipe está realizando o que pode. O que eu tenho a adiantar é que, por exemplo, a SOSC, que é uma Superintendência de Obras do Estado do Ceará, aqui chefiada pelo engenheiro Luiz Gonzaga Marques, ele tomou conta de seis frentes de serviços, se não me engano, estão empregados 2.100 homens. E isso em termos de Estado já é uma boa contribuição. Quer dizer, o nosso Estado não se ausentou do problema, realmente o que falta é recursos para amplamente atender a esse problema. Eficácia de Planos e Projetos também. Não há nada de consistência, acho ou que receba valorização.
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L.F. | Parece então, que o auxílio vem em maior número do governo federal…
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D.S. | Só o governo federal. Normalmente as verbas estaduais não são para problemas surpreendentes como esse, não. É como eu disse: o Estado não tem condições de atender com verbas próprias a solução de sua problemática já existente, quanto mais com problemas de seca. Tem que ser o governo federal mesmo.
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L.F. | Então, o prestígio do governador do Ceará, junto ao Presidente da República, seria correlato à solução da questão?
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D.S. | Como essas frentes de serviço… Aí já não é uma dependência do governo, é, por exemplo, como eu disse que os órgãos existentes para esse setor ainda não apresentaram algo de novo na solução desse problema da seca. Então, continuamos com frentes de serviços, com abertura de estradas, com construção de açudes, e com esses aglomerados de flagelados e dando a eles uma diária pelo trabalho deles. Tudo o que já observamos e conhecemos.
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L.F. | E o peso político do governador, não teria nenhuma influência nisso, não sensibilizaria os setores responsáveis diretamente por isso, ou uma amizade pessoal, o prestígio junto ao Presidente da República?
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D.S. | Eu acredito que sim. Isso, vamos dizer, contribui para apresentar. Mas, o fato em si da seca emociona realmente e de qualquer maneira, uma amizade a mais junto às altas esferas, é óbvio que deve favorecer muito. Tanto que, pelo que se lê nos jornais e tudo, as verbas realmente estão chegando, não estão deixando de pagar os flagelados, não. O dinheiro vem. Eu acredito que sim. Mudar os destinos do Estado é que é outra conversa.
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L.F. | Então, seria o caso do governador Adauto?
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D.S. | Não chego a tanto, não. É uma decorrência natural, porque nunca faltou dinheiro assim, para se pagar o flagelado, não. Não acho que haja necessidade de tanto prestígio no governo federal para consecução dessas verbas de emergência, correto? Agora, eu acredito que uma amizade a mais pode favorecer para a solução de problemas não emergenciais, mas o problema na sua perenidade, quer dizer, oficiar planos do governo que tenham por objetivo a solução de algum problema e tudo. Essa é válida, é natural, quem tem mais amizade com mais rapidez consegue as coisas.
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L.F. | E quando o senhor era deputado e surgia um problema relativo às secas, como era que a Câmara se comportava. Buscavam soluções práticas? As fontes desses debates parlamentares, só nos Anais?
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D.S. | Aí, o papel do parlamentar no caso é debater para acordar, certo? O executivo. Então, a coisa não andou em épocas de secas, em épocas de dificuldades. Caberia ao deputado reclamar, pedir, dramatizar a situação, porque é através dessa dramatização que a imprensa vai averiguando os seus informes e isso ganha extensão, vai ter aos órgãos do sul que são os que realmente têm penetração e têm audiência por parte dos governos e com isso então, favoreceria a remessa das verbas necessárias ao combate do problema. Então o deputado àquela época exercia um papel muito importante, porque ele reclamava mesmo, ele brigava pelas verbas e chegava realmente. Hoje, pela própria conjuntura tem que ser um pouco mais calmo, não é? Tem que refrear um pouco mais as suas emoções. Por mais corajoso que ele seja de qualquer maneira ele tem que ser um homem freado, não é? Tudo vai está disponível nos Anais da Casa, isto é bem importante, ter
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. | os Anais. A Assembleia tem seus Anais. O que se diz e que publica discursos dos senhores deputados, sei que vocês poderão encontrar os subsídios maravilhosos através desses Anais da Assembleia.
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L.F. | Vejo alguns Anais da Assembleia aqui… | |||
D.S. | Sim. Inclusive eu tenho na minha mesa, aqui estão, Anais do meu tempo. Os discursos de todos os deputados são publicados e gravados. Não sei se essas gravações são guardadas. Mas todo discurso de deputado, todo pronunciamento é gravado, taquigrafado e depois publicado. Eu devo ter ainda, de 1958, devo ter muita coisa ainda do meu tempo.
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L.F. | O senhor doaria alguma das gravações de algum pronunciamento seu ao Programa de História Oral?
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D.S. | Gravação de discurso eu não me recordo de tê-los, não, salvo engano, eu tenho alguns pronunciamentos mais vamos dizer, em época de eleição. Campanha eleitoral e tal. Não é seguro se ainda tenho, não. Porque, politicamente, eu tentei desencadear realmente, então, eu nunca mais fui olhar nessas cartas de saudade que a gente tem, mas eu vou verificar, se tiver eu acho que não tem grande valor, não, mas posso dar.
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L.F. | À época do senhor quais os deputados que mais se destacavam?
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D.S. | Sinceramente, o deputado que eu enfrentava assim, com receio de sair com a minha vaidade ferida foi o Pontes Neto, um grande deputado. É um homem que tem cultura, tem conhecimento, tem rapidez de raciocínio e esse eu enfrentava realmente com muito cuidado. Outro deputado também era o deputado Raimundo Ivan, foi um ótimo deputado. Também, nós na hora do digladiar, eu tinha que ter muita atenção para não ser envolvido, porque o Raimundo Ivan, ele tinha um processo de retórica muito interessante. É o domínio do chamado na ciência da retórica, é chamado o processo socrático. É. o orador que vai conseguir afirmações do adversário, então, “o senhor diz isso assim, assim, assim, e é por isso assim, assim”. A gente vai dizendo, sim, sim, sim, e quando menos espera está envolvido e cai na tese antagônica. Agora, quem conhece um pouco de retórica, cedo aprendia o macete do Raimundo Ivan, mas de qualquer maneira era uma demonstração de muita inteligência. Então, era um deputado que eu também achava que dava trabalho assim. Já o Pontes Neto era mais o homem da cultura. Ele era marxista, filosoficamente marxista, dialeticamente ele vale a pena, sabe? Ainda hoje nas minhas leituras, no que eu gosto de ler, estão os seus discursos e os meus debates com o Pontes Neto e com o Raimundo Ivan. Como orador assim, vamos chamar “comissieiro”, um orador bombástico, um orador que traz aplausos da galeria e tal, mas sem muita substância, mas de qualquer maneira que vale a pena ver o aspecto de beleza era o Chagas Vasconcelos. Um bom orador, agora, um orador “comissieiro”, entende? Um orador pra nenhum literato por defeito e tal. Agora, para discussão mesmo, como adversário, o Pontes Neto está acima de todos os outros, sem querer desmerecer os demais, como também havia outros que quando eu entrei na Assembleia, relativamente moço, eu olhava assim, com uma respeitabilidade muito grande porque eu como estudante nas galeras da Assembleia já olhava como eles se comportavam, e tudo. Eram verdadeiras raposas da política. Inicialmente, entrei na Assembleia com medo, mas depois eu verifiquei que não eram assim… Por exemplo, Barros dos Santos, meu querido amigo Barros dos Santos, que era líder do governo, com quem eu mantive um combate com ele durante seis anos seguidos na Assembleia, era um deputado fácil da gente debater porque os processos dele eram processos que eu conhecia desde menino. É aquele processo puramente governamental, bitolado, então era um homem que a gente facilmente derrotava num embate, mas o Pontes Neto, não, esse era difícil. Já tinha um outro, o Plácido Castelo por exemplo, esse era mais um historiador, todos os pronunciamentos do Plácido eram mais sobre História. Não era um homem do debate, ele apenas tinha muita prática. Eu me recordo uma vez, que eu na época dos Anjos Rebeldes, a que me referi, eu fazendo um combate sistemático ao Virgílio, numa mensagem dele em que era para nós que não tivemos aprovado o que pretendíamos, nós fizemos um rodízio na tribuna, então, a sessão começou às xxx horas da tarde e emendou a noite toda, então, cada um… eu falei seis horas seguidas, o Luciano falou quatro horas, mas nós fizemos esse rodízio para chegar ao fechamento da assembleia e a mensagem não ser apresentada, e para eu poder aguentar aquele rojão eu começava então a provocar partes dos deputados, principalmente o Barros dos Santos, porque com um aparte, a gente arranjava novo assunto para poder preencher aquelas seis horas, então, e eu me recordo de que o Plácido Castelo, que era do governo chega para o Barros e diz assim: “Você quer derrubar o Dorian, não aparteie”. Mas o microfone estava aberto de modo que deu para ouvir. Mas o Barros dos Santos eu provocava até que ele realmente falava e tal. Mas foi um grande deputado e por sinal essa opinião é até corroborada pelo próprio governador Adauto Bezerra, porque o Lúcio Brasileiro, o Lúcio Brasileiro cronista social, um dia desses, há uns dois meses atrás conversando com o governador Adauto perguntou: “Governador, quando o senhor foi deputado quais foram os três deputados que mais lhe impressionaram? ” Aí o Adauto respondeu: Pontes Neto, Dorian e o terceiro eu não digo”. Aí o Lúcio disse: “Quem será esse terceiro”? Eu disse: “Não, aí é porque houve inteligência do governador, porque qualquer um que se sentir queixoso porque não foi incluso, ele diz: “Não, o terceiro é você”!
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L.F. | Inteligente saída mesmo! E o Dr. Plácido Castelo, como que ele utilizava ai a História, que sentido ele dava, procurava fornecer exemplos da História?
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D.S. | Não. Ele… o Plácido é do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará, então, quando nas grandes datas ele escrevia os seus pronunciamentos e relembrava os nossos fatos maiores, por seus pronunciamentos era mais de natureza histórica. Não era o deputado do dia a dia não. Não era. Ele era mais um deputado assim… a gente chamava, menina, era o deputado da História. Todos os grandes acontecimentos históricos e tal, pronunciamentos e tudo eram com ele. Não foi um deputado assim do vira e bate parlamentar, assim confrontando, atuante, não.
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L.F. | E chega a governador. Pode ser reflexivo e observador, alguém relacionado tanto à História?
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D.S. | Não sei. Eu sei que trocando tudo isso por miúdo, há aqueles que se dedicam ao estudo da História passada, aí não têm tempo para criar atritos com os que fazem a História de hoje. Então, não mais fácil de serem escolhidos e galgarem posições mais elevadas. Aqueles que querem fazer a História de agora é que se atritam muito e que podem se prejudicar. É um homem tranquilo.
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L.F. | E quanto aos deputados que trabalhavam nos bastidores, os que trabalhavam em silêncio, arregimentavam forças, faziam planos e não só se envolviam em embates, em discussões, em discussões parlamentares?
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D.S. | Um deles: Batista Aguiar, era o articulador. O Almir Pinto também. Samuel Lins. Eram deputados que viviam mais justamente da. Arte de conversar, de contornar situações, era o que eu me lembro deles três, parece que evidenciam bem esse lado importante, diga-se, da vida parlamentar. Porque não se pense, não se faça injustiça acreditando-se que o bom parlamentar é aquele que está na tribuna. Muitas vezes há aqueles que atuam bem nas Comissões, ou nas articulações, quer dizer, há um desempenho para cada um e todos têm a sua importância. Não é só da tribuna que vive o Parlamento.
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L.F. | Apesar do senhor não ser um técnico, que alternativas o senhor daria para o desenvolvimento do Ceará?
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D.S. | Eu acho que ainda é aquela de Brasil colônia. A pecuária não tem oura saída, a pecuária por enquanto, até que a tecnologia chegue aqui no Ceará e mostre novos caminhos, tecnologias que devem existir. Exemplo, nós, com o governo do Sr. César Cals descobrimos o óbvio, que o Ceará era bom para caju. Depois descobrimos aquilo que tinha sido descoberto, depois deixaram descobrir que era o café. Já agora, estão falando no urucum, A Ibiapaba agora todinha aguarda e vai entrar para o urucum, essa plantinha de fazer colorau e que se planta nos quintais e que já são dois projetos grandes que vem por aí com a plantação de urucum. Acham os entusiastas dessa nova plantação que é superior ao café. Então, enquanto essa tecnologia nos mostra, nós temos que viver realmente é da pecuária, que segundo eu tenho colhido como repórter pecuarista aqui do Nordeste, que é o Sr. Geraldo Rola, esse homem me declarou ontem, textualmente: “o melhor local do Brasil para a pecuária é o litoral nordestino”, e eu me surpreendi com a afirmação e perguntei: “Mas, considerando o Rio Grande do Sul, considerando Minas, Considerando Goiás, Mato Grosso, que são os grandes centros de pecuária do país”. Ele disse: “Considerando tudo isso e lhe explico por quê. Porque, primeiro, o litoral nordestino sanitariamente, é melhor do que qualquer outro, enquanto o gado do gaúcho, o gado mineiro, o gado mato-grossense, o gado goiano, de Goiás, é vacinado para dez espécies diferentes de doença, o gado nordestino a única vacina que toma é a da aftosa, é a única doença que aqui e acolá se faz sentir, quer dizer, sanitariamente, o ambiente é maravilhoso para a criação do gado, por causa do nosso sol, relembrando agora o velho Dioclécio de Castro, não é? “O sol é o nosso grande médico, o sol é a nossa salvação. Além do mais, nesse litoral as águas são drenadas, não existe pântano no litoral nordestino. A água no subsolo existe, cavou a água chega. A única contraindicação seria o solo fraco, mas isso já hoje com as tecnologias não é problema mais, agora, considerando tudo isso que pode existir no Rio Grande do Sul, nós temos que olhar o preço da terra, então, olhando o preço da terra daqui, com o preço de Goiás, com o preço do Rio Grande do Sul, com o preço de Minas Gerais, vamos verificar que a rentabilidade do criador de gado aqui no litoral do Nordeste é muito superior à do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Então, essa vocação que é do Brasil para o homem da pecuária, ainda hoje é o nosso bom esteio de agronomia. Então, enquanto não vem tecnologia, vamos criar gado.
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L.F. | Pode-se ter tecnologia derivada do leite também.. E o Ceará como alternativa de turismo, o que o senhor pensa?
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D.S. | Não tem as condições, estrutura nenhuma para turismo. Até aqui não se criou infra-estrutura Aqui poderia se nós tivéssemos condições de fazer aqui, jogo, cassinos, grandes hotéis, para trazer essa velharia norte-americana e europeia que joga internacionalmente e tomar banho de sol em nossas praias durante os 360 dias do ano, e jogar e deixar aqui, que fora disso, não tem condições de turismo, eu não creio nesse turismo assim como força econômica, é mínimo.
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L.F. | Doutor Dorian, o senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa nessa entrevista?
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D.S. | Só que eu me senti muito lisonjeado por essa oportunidade de depor para a História, lamentando apenas que não tenha podido contribuir com fatos mais significativos, porque meu desejo, e pela vaidade do meu coração, eu queria que tudo isso fosse em relação a mim, mas é que eu tive que falar mais dos outros e não sei se nesse depoimento eu vou criar até ressentimento e tal, mas acreditando que se o sentido é depor para a História, deve ser o quanto possível aproximado da realidade. A realidade ás vezes nem sempre é simpática para as pessoas, não é? Eu lhes agradeço.
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L.F. | Nós também nos confessamos muito gratos e perguntamos o que o senhor pensa a respeito dessa ideia do Programa de História Oral, Arquivo Nacional e Universidade Federal do Ceará?
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D.S. | Isso é prova de que finalmente estão estudando a História do Ceará. Muito importante mesmo. | |||
L.F. | Muito obrigada Dr. Dorian. Consideramos esta segunda sessão de entrevista encerrada, nesta data, 23 de julho de 1976. Entrevista com o Dr. Dorian Sampaio, feita pela professora Luciara Silveira de Aragão e Frota. |
[1].
Fortaleza, 22 de Julho de 1976
Entrevista com o jornalista DORIAN SAMPAIO PARA O Programa de História Oral da Universidade Federal do Ceará com o Arquivo Nacional.
.Entrevista concedida à PROFESSORA LUCIARA SILVEIRA DE ARAGÃO E FROTA responsável pela execução deste Convênio.[1]
L.F.: LUCIARA FROTA
D.S.: DORIAN SAMPAIO
L.F. | Nesta nossa primeira sessão de entrevista, o senhor poderia nos dar alguns dados de sua biografia? Falar de suas experiências como um dos líderes do Centro Estudantil Cearense, por exemplo, a sua participação na Casa do Estudante?
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D.S. | Sou um cearense nascido no Rio de Janeiro a 12 de março de 1927, filho natural de José Sampaio Xavier e Isaura Barroso Tavares. Ele era oficial do Exército e foi morto em 1935, na Revolução Comunista, defendendo as tropas do Governo. Atualmente, casado, pai de cinco filhos. Curso primário aqui em Fortaleza, no grupo Rodolfo Teófilo. Secundário, no Colégio Cearense dos Irmãos Maristas, e posteriormente, no Liceu do Ceará, hoje, Colégio Estadual do Ceará. Curso na Faculdade de Odontologia do Ceará, onde colei grau em 1950, sendo imediatamente, no ano posterior, nomeado professor assistente da cadeira de Metalurgia e Química Aplicada, naquela Faculdade onde permaneci lecionando até 1954, quando fui eleito vereador de Fortaleza, o que novamente aconteceu em 1958, quando pela segunda vez fui novamente guindado à mesma posição de vereador, para em 1922 ser eleito deputado Estadual, reeleito em 66 e, finalmente, com o mandato cassado pela Revolução em 1969, precisamente no dia 13 de março. Minha atividade básica é a do jornalismo, iniciada desde a mais tenra mocidade, fundador que fui ao lado de Jáder de Carvalho do Diário do Povo, e, posteriormente, repórter do jornal O Estado para afinal ser Diretor da Gazeta de Notícias, de 1958 a 1964, e também, a essa época Superintendente da Rádio Uirapuru de Fortaleza. Após a cassação do mandato fui então contratado como colunista de assuntos econômicos nos Diários Associados, Jornal Correio do Ceará e comentarista de assuntos econômicos diários, na televisão dos Associados. E agora, bem recentemente, há uns 15 dias deixei os Associados e fui contratado pela Tribuna do Ceará, onde mantenho a mesma coluna econômica e onde passarei a dirigir, a partir de 8 de agosto próximo, o TC Domingo, que é o Jornal Tribuna do Ceará. Ele vai passar a circular aos domingos sob a minha direção. Na minha vida estudantil, o que me honra mais foi justamente ter sido um dos batalhadores do Centro Estudantil Cearense, entidade que àquela época congregava quase a totalidade da classe estudantil cearense. Fui Secretário Geral da entidade, ou melhor, inicialmente, o meu primeiro mandato de segundo Tesoureiro, posteriormente, eleito Secretário geral, e na outra eleição, membro de seu conselho Superior. Foi nesse período sob a presidência do atual deputado estadual Aquiles Peres Mota que consegui inaugurar a Casa do Estudante do Ceará, que ainda hoje existe. Vale dizer que isso muito me honra porque era na época em que o Governo não ajudava construções de casas do estudante. Então, essa casa do estudante que era uma obra monumental para a época, e que ainda hoje presta tantos serviços à classe, foi construída com verbas tiradas pelos próprios estudantes, através de festivais, de festas de mocidade, de feiras de amostra e sem absolutamente, nenhum tostão do Governo na Casa do Estudante do Ceará. É um depoimento que eu acho interessante, que pelo menos sirva de exemplo à turma de hoje.
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L.F. | De fato. Com que idade o senhor veio para o Ceará, já que se declara um cearense carioca?
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D.S. | Eu cheguei ao Ceará em 1937, consequentemente, com dez anos de idade, e aqui espero morrer, muito breve, não. Bom, a minha família por parte de pai é toda do Nordeste, Pernambuco e Ceará. Eu sou dos Sampaio do Cariri e minha mãe era carioca. Outro aspecto que também me parece interessante é que agora dentro da minha atividade empresarial eu edito desde 1971, o Anuário do Ceará. Já estou na quinta edição, que é um retrato das contemporaneidades do Ceará. É este o nosso objetivo.
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L.F. | Que lembranças o senhor guarda da morte do seu pai que é considerado um mártir da Intentona Comunista de 1935?
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D.S. | Sinceramente, não há memórias de ordem emocional para mim. De qualquer maneira, meu pai deixou minha mãe, eu tinha talvez os meus dois ou três anos de idade. E, eu tinha oito anos nessa época de modo que eu não conhecia propriamente meu pai. Eu acredito que isso é um lapso da minha memória, porque quando eu vim para o Ceará, eu passei a ser criado pela família do meu pai. De modo que eu só era ligado por isso, mas não por aproximação com ele, que eu sinceramente, não tenho a menor ideia do seu aspecto físico, apenas tento honrar o seu nome, nada mais que isso. | |||
L.F. | Sem dúvida. O senhor chegou a ser oficial de Gabinete na Secretaria de Educação e Cultura do Estado, durante quatro anos na gestão Valdemar Alcântara. Nesse período que fatos o senhor considera que foram medidas importantes tomadas pelo titular daquela pasta e o que nos diria sobre as impressões pessoais que guardou do Sr. Valdemar Falcão, perdão, Valdemar Alcântara?
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D.S. | É. Cabe esta retificação inicial em relação ao nome do Dr. Valdemar. Não é Valdemar Falcão, é Dr. Valdemar Alcântara, atual vice-governador do Estado. Realmente, foi quando eu saia da faculdade e como eu participara da campanha eleitoral de Raul Barbosa, representando o estudante em seus comícios, porque àquela época realmente se usava isso, havia os oradores estudantis que participavam das campanhas. O Aquiles Peres Mota, hoje Deputado, representava o estudante nas campanhas eleitorais da UDN e eu representava o PSD – Partido Social Progressista, no caso o candidato Raul Barbosa, e quando ele tomou posse nós tivemos que arranjar um velho empreguinho e o meu empreguinho foi um empregão para aquela época, que é o de chefe de gabinete, ou melhor, oficial de gabinete. Era esse o nome que se dava, hoje chamam chefe de gabinete, mas àquela época era oficial de gabinete. E nesses quatro anos eu dento dessas funções fui também designado diretor de fiscalização e orientação do ensino, Diretor Técnico de Educação e Inspetor do Ensino Supletivo. A essa época tive oportunidade de participar daquilo que para a época era uma verdadeira revolução no setor educacional do Ceará, bastando dizer que foi no governo do senhor Raul Barbosa, que realmente a educação tomou um impulso fora do comum e é desta época, quando eu geria a diretoria de fiscalização e orientação do ensino, realizamos a primeira reforma no ensino normal, por outro lado foi na época do estabelecimento do chamado ensino supletivo, que era um ensino de alfabetização de adultos, uma rede escolar muito ampla em todo Estado, afora a inauguração de dezenas e dezenas de prédios escolares em todo o interior do Estado e especialmente em Fortaleza, que é dessa época, por exemplo, que o Governo do Estado, tentou levar a educação aos bairros mais afastados. Assim é que foram construídos, o Grupo escolar de Pirambu, O grupo Escolar de Parangaba, o Grupo Escolar do Montese, o Grupo Escolar da Água Fria, que naquela época era com que um deserto, mas se fez lá, enfim, recordo-me que mais ou menos uns dez prédios em Fortaleza, naquela época eram fruto do Governo Raul Barbosa. E o Valdemar Alcântara, se bem não fosse nenhum técnico em educação, era apenas médico, ele tinha o bom senso de se cercar de pessoas que realmente entendiam bem do assunto como Filgueiras Lima, o Catunda, João Clímaco Bezerra, D. Lerice Porto e essa equipe de pessoas versadas em educação, ensejaram a ele que estabelecesse um Plano de Governo que executado foi positivo, no sentido de favorecer realmente algo de valor em favor da educação do Ceará.
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L.F. | E sobre as opiniões do Dr. Valdemar Alcântara como pessoa?
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D.S. | Eu o considero um dos homens famosos deste Estado, mas eu até me furtaria um pouco, até de dar esses elogios porque é a velha história, eu talvez seja suspeito, porque ainda hoje eu considero o atual vice-governador do Estado, apesar dele ter partido diferente do meu. Naquela época eu ainda era político, quando eu exercia o ministério político eu era do MDB e ele da ARENA, mas nunca nos desvinculamos, e para que se possa avaliar mais ou menos o grau de afetividade que nos une, é que ele foi o meu padrinho de casamento, padrinho da minha primeira filha, ainda hoje estamos unidos por uma amizade da qual eu guardo a maior fidelidade.
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L.F. | Em 1954 o senhor trocou de fato o magistério pela atividade política, quando se elegeu vereador da Câmara Municipal de Fortaleza? Como foi que aconteceu o seu ingresso na política?
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D.S. | As minhas ligações com os estudantes, como eu disse eu era um dos líderes do movimento estudantil através do Centro Estudantil Cearense. Representei esses mesmos estudantes na Campanha de Raul Barbosa, e este, ao tomar posse, me colocou como oficial de gabinete do Dr. Valdemar Alcântara, justamente para que eu servisse como que de intermediário entre o governo e a classe estudantil. E essa ligação que cada vez mais se aprofundava, ensejou que após esse mandato e as condições que me eram dadas na Secretaria de Educação de servir os estudantes, mais a mais me aproximou deles, então me deram condições para eu tentar a carreira política, o que fiz com êxito elegendo-me pela primeira vez vereador de nossa cidade, vereador de Fortaleza, onde então, durante quatro anos na bancada do PSD, época em que o atual senador Mauro Benevides também era vereador e por sinal vice-líder da bancada. Nesses quatro anos eu liderei a bancada do PSD no Ceará, com o Mauro, hoje senador, como meu liderado, e esse mandato se fez sentir durante outros quatro anos, porque eu, em 1948, eu tentei a reeleição conseguindo novamente ganhar.
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L.F. | E de suas experiências como líder da banca no PSD, como vereador, o que o senhor nos diria?
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D.S. | Bom, os companheiros eram maravilhosos, era o Mauro Benevides, era o médico João Cavalcante, era Walter Sá Cavalcante Então, eram homens que realmente, dentro das possibilidades de então, engajavam na linha do PSD, e de qualquer forma, aquela época para se dirigir o PSD, até não era tão difícil porque era de qualquer forma o partido dominante.
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L.F. | Doutor Dorian, em 1962, ainda sob o PSD o senhor foi eleito
deputado, não é? Um partido dominante, como já nos disse. Creio que gostava de atuar nas duas pontas, na estratégia e depois nos embates. |
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As suas memórias bem precisam ser escritas com certeza. | ||||
Que lembranças guarda dos acontecimentos desse período?
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D.S. | Bom, em carreira política o que mais se guarda são justamente as campanhas sucessórias do Estado. Não só da campanha que se desencadeia, a campanha propriamente dita, como aqueles períodos de conversações, dos entendimentos, daquele nervosismo, daquele frenesi que acompanha justamente a escolha dos candidatos. Não nos esqueçamos de que Raul Barbosa fizera um ótimo governo, vindo de uma campanha em que o PSD retomava o poder já que o antecessor dele era o desembargador Faustino Albuquerque, candidato da UDN. E, o Raul Barbosa apresentou então como candidato, ou melhor, o PSD apresentou como candidato, para sucedê-lo, o Sr. Armando Falcão, atual Ministro da Justiça, e a UDN apresentou o Sr. Paulo Sarasate. Foi uma campanha de muito entusiasmo em que o candidato pessedista desfraldava, recordo bem, a chamada bandeira contra o roubo e contra a corrupção. E, essa campanha foi muito árdua, tanto que o triunfo do senhor Paulo Sarasate sobre Armando Falcão foi por uma diferença mínima de talvez mil e poucos votos, se não me engano, o que em campanha de governador é quase um empate, e assim mesmo, sé é um depoimento para a História que se diga, se discute a vitória do Sr. Paulo Sarasate. Tanto é discutível essa apuração de votos porque o próprio Sr. Armando Falcão, após a eleição, ele declarou publicamente que havia sido ludibriado, que ele realmente dentro da urna tinha mais votos do que o Sr. Paulo Sarasate, apenas teria havido assim um processo de beneficiamento eleitoral por outras vias que não as reais, da votação do povo.
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L.F. | Seria o episódio da chamada Pedra Branca?
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D.S. | Não. A Pedra Branca é um aspecto inteiramente isolado, é porque Pedra Branca é um reduto do PSP – Partido Social Progressista, comandado aqui no Ceará pelo Sr. Olavo Oliveira, Professor de Direito, Senador da República e Pedra Branca era quase uma urna fechada, pois o PSD do Sr. Olavo Oliveira, e nessa época esperava-se que Pedra Branca iria decidir o pleito, a favor do Sr. Armando Falcão, o que não ocorreu, houve reações, mas especificamente, não foi Pedra Branca que derrotou o Sr. Armando Falcão. O ludibrio que diz o Sr. Armando Falcão que existiu foi generalizado. É difícil a gente localizar.
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L.F. | Anteriormente a sua eleição para deputado o senhor foi Presidente da Câmara dos Vereadores, ao tempo em que era Presidente, Jânio Quadros. E sua opinião sobre a renúncia do Presidente e sobre as experiências que o senhor viveu como Presidente da Câmara dos Vereadores daquela época, por favor.
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D.S. | Eu acredito que tenha sido uma experiência um tanto quanto amarga. Eu fui eleito Presidente da Câmara dos Vereadores por um acidente. A essa época era prefeito o Sr. Cordeiro Neto, e ele tinha uma maioria muito grande na Câmara Municipal, mas houve divisão quanto à escolha do Presidente. A bancada do PSD que liderava ficou sem se comprometer com nenhuma das duas facções do Prefeito, que pretendia a Câmara Municipal, até que o Prefeito Cordeiro Neto decidiu ser a favor do Aluízio Correia, então vereador. E a outra facção, que era presidida por José Martins Timbó, não aceitou aquela indicação, mas verificando que não tinha a menor possibilidade de vencer procurou o PSD, o qual então, por meu intermédio apresentou os quatro nomes da bancada. Que eles escolhessem qualquer um dos quatro. Sinceramente como eu pensei que eu teria sido o último a ser escolhido, porque eu sei que os outros três tinham mais condições, porque eu não tinha vocações presidenciais, não. Mas, olhando os pendores e as tendências de cada um, chegou-se à conclusão que o único que podia ser e denominador comum dessa facção seria o meu nome. Então, eu aproveitei e aceitei, mas debaixo da seguinte condição: é que eu não aceitaria imposição nenhuma. Eu iria como Presidente, tentar aquilo que eu chamava uma recuperação do Poder Legislativo Municipal. Então, em déficit com a opinião pública por causa das sucessivas vezes em que se criavam cargos, se cartava exorbitantemente o que bem entendesse então eu aceitei. Por sinal, no primeiro escrutínio eu perdi a eleição, mas como o outro candidato não tinha a maioria, no outro escrutínio então, surpreendentemente eu ganhei por um voto, porque a Vereadora Mirtes Campos, no primeiro escrutínio ia votar no Aluízio Correia, ao chegar à cabine para votar, no depoimento dela mesmo, ela disse: “Ah! Mas eu deixar de votar no Dorian”, aí se arrependeu e votou em mim. E o Caio Cid, o colunista Carlos Cavalcante já falecido, que votara em branco no primeiro escrutínio, votou em mim. Então, eu ganhei a eleição por um voto, e como eu não tinha compromisso eu pude então exercer o mandato. Assim, tentando realmente recuperar a Câmara Municipal, extinguir cargos, resolver contratos, naquela época era um negócio assim fora do comum. Eu recolhi o cargo da Presidência, não aceitava cargo oficial, recolhi todos os cargos da Prefeitura, enfim, fiz uma série de medidas, mas isso é lógico que houve reações, até que então, com seis meses de mandato eu renunciei, renunciei o mandato, e, interessante, no dia seguinte, sem que me avisassem, deviam ter me avisado, o Jânio Quadros renunciou. Eu renunciei na véspera do Jânio Quadros. Por sinal diziam aqui a título de piada que o Jânio Quadros havia me imitado, havia me acompanhado. Mas o fato é que, essa renúncia criou dificuldade muito grande e eu acredito que outros historiadores podem dar o seu depoimento melhor do que eu. Apenas acho que foi daí que surgiu uma nova etapa na vida brasileira, e ainda hoje é difícil saber-se a razão dessa renúncia. Sabe-se, entretanto, que foi, aliás, sabe-se não, se supõe e eu concordo com essa teoria é que a renúncia adveio de um toque emocional qualquer, de momento, o Sr. Jânio Quadros, parece que era dado ao copo, e deve ter sido um uísque além que faz com que ele tomasse assim, uma medida intempestiva, porque se tinha uma pessoa ou um Presidente da República que tinha o apoio total do povo brasileiro era o Sr. Jânio Quadros. Ele tinha todas as condições. Talvez tenha sido o único brasileiro que tenha tido condições de impor qualquer regime neste país e que seria aceito naquela época. Lamentavelmente, renunciando, deu-se todo esse quiproquó que os senhores que são historiadores sabem mais do que eu. Mas realmente, se ele não tivesse renunciado, eu acredito que o julgo, se bem que as declarações posteriores, após a renúncia, indicam que o Sr. Jânio Quadros queria da renúncia, era impor condições que se efetivaram e, 1964, com algumas derivações. Mas de qualquer maneira o que ele prevenia realmente era um governo forte, de executivo forte e com uma atrofia do legislativo. É o que eu entendo, que o Sr. Jânio Quadros intentou essa renúncia para então ser solicitado e estabelecer o regime que veio ocorrer a partir de 1964, com um legislativo inodoro e insípido, infenso, como temos hoje, e um executivo hipertrofiado, como hoje ele é realmente.
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L.F. | Quem sucedeu o senhor após a sua renúncia na presidência da Câmara?
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D.S. | Foi o senhor José Barros de Alencar e ele permaneceu, parece que 14 anos seguidos, era vereador de Messejana.
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L.F. | Em 1962, quando o senhor foi eleito Deputado sob a legenda do PSD, avizinhava-se o movimento de 1964. Eu lhe pergunto, na Câmara dos Deputados ou entre os políticos, se pressentia algo dessa mudança?
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D.S. | Ninguém no Ceará, ninguém, absolutamente ninguém, sabia da revolução. Não há revolucionários no Ceará. Conta-se até que, no dia da revolução o Sr. Perilo Teixeira encontrou-se com o Sr. Paulo Sarasate. Por ser um homem tido e havido como grande revolucionário do Ceará, o Sr. Perilo Teixeira cumprimentou o Sr. Paulo Sarasate, dizendo: “Com é rapaz, o que você acha dessa revolução?”. E o Sarasate respondeu: “Revolução não, uma baderna. Isso é uma baderna”. Quer dizer, nem ele próprio, o homem mais amigo de Castelo Branco sabia da eclosão do movimento em 64. O que havia era muita conversação, confabulações no Restaurante do Lido, por exemplo. Confabulava-se muito aqui no Ceará, mas eu acredito que nenhum pensava em termos de uma revolução armada, não. Agora, depois de 64, apareceram muitos focos revolucionários, mas eles inexistiram antes, em minha opinião.
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L.F. | E sobre o que então, confabulariam? O Senhor. saberia dizer alguma coisa sobre a posição do, hoje, Senador Virgílio Távora?
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D.S. | O Senador Virgílio Távora era governador, e ia sabendo inclusive, que quando se deu a revolução de 64, ele passou inclusive um tempo, teimando em passar um telegrama apoiando o movimento. Isso é um fato que os senhores já devem até ter depoimento a esse respeito. Dizia-se até que ele ficava em cima do muro. Ele não participou absolutamente nada, agora, recordo-me que quando o Sr. Humberto Castelo Branco já era Presidente da República, e aqui esteve no Ceará, nós Deputados do PSD, tidos como os chamados “Anjos Rebeldes”, que era uma ala do PSD que eu liderava, ala essa a que pertenciam os deputados do PSD, Batista de Aguiar e Figueiredo Correia, mas não o Joaquim Figueiredo Correia, o irmão dele que era deputado também, e mais deputados de outros partidos como Luciano Magalhães, nós fazíamos um movimento contra o Virgílio, e quando foi aquela luta dos partidos para a formação de Arena e MDB, nós fomos ter a casa do industrial João Moreira, onde estava hospedado o Sr. Humberto Castelo Branco, a chamado deste, e para saber para qual partido nós íamos, se para a Arena ou para o MDB. E a essa época o Marechal Castelo Branco perdeu inclusive a tramontana na hora, exasperou-se porque achava que a campanha que nós fazíamos contra o Sr. Virgílio Távora aqui no Ceará, usando a expressão por ele usada “ricocheteava no governo dele”, e que não admitia essa oposição. Aí o importante é frisar a declaração do Marechal Castelo Branco, ele dizia: “Quando eu, antes da revolução, andava no Ceará, o revolucionário que eu encontrei aqui foi o Sr. Virgílio Távora. O Sr. Hélio, o Coronel Hélio Lemos, fazia besteira”. Era expressão do Presidente Castelo Branco, o Sr. Edmond Bastos Gonçalves, que era um major do GO, tido como um revolucionário aqui também, de acordo com o Marechal Castelo Branco também era um homem que estava deslocado, não sabia o que fazia. De revolucionário, o que ele encontrou aqui foi o Sr. Virgílio Távora… Eis aí a declaração que surpreendeu a todos, porque nós sabíamos que o coronel Hélio Lemos e o major Edmond Bastos Gonçalves, eram os homens que realmente haviam mais lutado, no período pré-revolucionário. Mas, temos aí esse episódio testemunhado entre outros, por Luciano Magalhães, o atual Deputado Diógenes Nogueira, Batista Aguiar, Figueiredo Correia, Wilson Gonçalves, vice-governador Valdemar Alcântara, que estava participando na hora. Foi daí que eu decidi o meu caso, eu saí para ingressar nas hostes do MDB, assinar a proposta para a formação do MDB.
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L.F. | Então, o coronel Edmond estava entre os que confabulavam. Mas não se sabia precisamente o que confabulavam, nada escapava?
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D.S. | Bom, a confabulação, o nome já o diz, não é? Quando se confabulava quem está de fora não o sabe. Eu alguma coisa fui saber posteriormente. Agora, o Marechal Castelo Branco disse que ele estava fazendo besteira, que o revolucionário que encontrou aqui foi o Sr. Virgílio Távora. Sei apenas que, a título de informação histórica, que as melhores reuniões dessa turma da confabulação eram feitas no Restaurante Lido, com aquele Charles, aquele francês que reunia ali no Lido ou na casa deles e tal. Parece que quando chamava a patota pré-revolucionária era ali a reunião.
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L.F. | Então, Dr. Dorian, o senhor não confabulava, não é, pelo visto. Por que?
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D.S. | Não. Eu não participei absolutamente nada em relação a revolução de 64, nem sabia da existência dela.
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L.F. | Por que Anjos Rebeldes? Por que divergiam da linha oficial do partido?
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D.S. | Exato. É porque o Sr. Virgílio Távora, conforme é sabido, ele foi eleito pela chamada União pelo Ceará. Foi quando se uniu pela primeira vez em nosso Estado o PSD com a UDN, para eleger o Sr. Virgílio Távora. Houve um candidato, um candidato suicida como chamavam, que foi o então Deputado Federal Cavalcante, Adail Cavalcante, candidato apenas de protesto. Mas o Sr. Virgílio Távora foi candidato do PSD com a UDN, a União. Adail Barroso Cavalcante era o candidato de reação, apenas a título de protesto, não tinha a menor condição de se eleger, porque o Virgílio Távora conseguiu a União do Ceará, a união do PSD com a UDN e todos os partidos então existentes. E então, o volume de Deputados que apoiava o Sr. Virgílio Távora era fora do normal, mas, entendendo que uma coisa precisa ser reclamada eu comecei então a ensaiar os primeiros protestos contra algumas atitudes do governo do Estado que eu achava que eram nocivas aos interesses do Ceará, e fui sendo acompanhado por um e mais outro, e mais outro e peguei a formar mesmo uma bancada de oposição que parece que deu algum trabalho ao então governador Virgílio Távora, e a imprensa então, nos deu o nome de Anjos Rebeldes, que, aliás, não foi muito original, não, porque já tinha havido em outras épocas uma bancada de Anjos Rebeldes na Assembleia, não me recordo bem, é o clichê cinematográfico. O fato é que, de qualquer maneira esses Anjos Rebeldes prosseguiram e fomos assim, com este cognome, até o fim do Governo.
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L.F. | Dr. Dorian, o senhor acha que no início do Governo Virgílio Távora teria havido uma anulação inicial da oposição? Isto porque houve durante um determinado período do governo do Sr. Virgílio Távora, certo equilíbrio na composição das forças políticas?
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D.S. | Praticamente não havia oposição do início do governo do Sr. Virgílio Távora, basta lhe dizer que eu, que um ano depois que comecei a inicia,r a fazer oposição, havia sido inclusive, convidado na formação do secretariado, para secretário do Trabalho. A essa época existia o secretário do Trabalho e eu fui convidado pelo governador para ser o seu secretário. Apenas não aceitei, sob alegativa de que havia sido eleito deputado, e que me achava na obrigação de cumprir o mandato. Não tinha vocações para o executivo, aí no caso, inclinação no momento. Mas, oposição nenhuma. A oposição começou com, mais ou menos, isso foi depois de um ano de governo. Um ano e seis meses, por aí, que se deu o início desse processo oposicionista.
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L.F. | E de sua reeleição em 1966, já sob a legenda do MDB. Poderia nos dizer alguma coisa ligada aos episódios que envolveram a sua cassação?
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D.S. | Bom, o que houve foi o seguinte. Quando se fala em cassação no País, é preciso se distinguir três espécies de cassação. Existe a cassação por corrupção, existe a cassação por subversão, e existe o que eu chamo a cassação puramente política. Então, digamos uma cassação de Carlos Lacerda, uma cassação de Jânio Quadros, uma cassação de Juscelino Kubitscheck, cassação de José Martins Rodrigues, nem podem ser enquadradas como de ordem de corrupção, nem subversivas; uma cassação puramente política. Porque eram homens que se deixassem o exercício político podiam perturbar a marcha, vamos dizer revolucionária. E eu como não tenho nenhum sinal de corrupção na minha vida e muito menos de subversão, eu acredito que a minha cassação foi puramente política, porque quando veio a segunda eleição minha, para deputado, já no período revolucionário, e eu já pelo MDB eu… na televisão, eu observava realmente o governo, e eu usava o seguinte raciocínio: existiam partidos, ambos nascidos no rego da revolução, e tanto do MDB como da Arena, são dois irmãos que não se querem, mas são filhos da mesma mãe, saídos do mesmo ventre; da revolução. Mas se bem eu raciocinava, se o MDB era o partido da Revolução, aí não cabia fazer oposição a esse governo. Foi o que eu fazia realmente na Assembleia e o fazia de maneira mais cáustica possível, e que se prolongou também na campanha eleitoral, especialmente na televisão, bastando afirmar que eu fui o único candidato daquela época, que não tive o direito como os outros de chegar ao fim de qualquer pronunciamento meu na televisão. Os três pronunciamentos que eu fui fazer na televisão, a censura cortou o meu pronunciamento. Cortava abruptamente mesmo e ficava em branco, porque realmente eu atacava, vamos dizer, até profissionalmente, que eu era da oposição, assim pensava o governo revolucionário. Isso em termos eleitorais me desfavoreceu tremendamente, porque basta eu dizer que a primeira vez que fui eleito deputado eu fui o último do meu partido, eu fui o deputado menos votado. Quando eu saí de vereador de Fortaleza para o meu primeiro mandato de deputado, eu fui o deputado menos votado do meu partido, o então PSD, e eu não tínha colégios eleitorais, não tenho família política aqui no Ceará, então, enfrentei sozinho e fui o último colocado, e nessa eleição, na segunda, eu fui o deputado mais votado em Fortaleza, e eu fui o segundo deputado mais votado no Estado. Basta lhe dizer que só Fortaleza dava para me eleger. E dos 142 municípios, antigamente eram 142, agora é 141, até em Cococi, no Parambu, eu tive votos. Eu fui eleito em todos os municípios cearenses. O único município que me deu menos votos foi Crato, mas me deu um voto. É talvez consequência da televisão. Então, esse espírito popular,, pelo menos eleitoralmente me valeu muito, me valeu eleitoralmente para me eleger e esse espírito também chamado populista, também me valeu muito para me cassar. Episódios que para mim foram tão positivos, tão maravilhosos na minha vida política como foi a própria eleição, assim com uma votação tão magnífica, porque eu acredito que eu seria um frustrado na minha vida se eu não tivesse sido cassado.
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L.F. | Justificaria esse seu modo de pensar?
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D.S. | Bom, justifico sim, porque se eu entrei em oposição ao processo revolucionário, se eu usava toda a minha retórica, todo o esforço se encontrava de reclamar aquilo que estava errado. E, ao verificar que tantos companheiros eram cassados, se aquilo não acontecesse comigo essa frustração me viria num segundo, isso quer dizer que o que estou dizendo não está incomodando, e eu tenho a impressão que até na vida comum, você querendo atacar alguém, se a pessoa não está lhe ouvindo você deve se sentir frustrado, não é? Então, o que eu falava realmente incomodava e o meu intuito era incomodar mesmo.
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L.F. | Em alguma época no futuro, estará entre os planos do senhor voltar à política, se houver oportunidade?
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D.S. | Olha, eu vou ser muito franco. Se ser deputado é o que é hoje um Deputado, pode me dar um mandato de graça que eu não volto. Agora, se a representação parlamentar voltar a ser o que era no passado, isto é, a de permitir ao deputado o exercício do seu mandato, protestar contra o erro, defender as causas populares, profligar contra as injustiças, aí eu troco tudo o que eu ganhei depois de cassado para ser Deputado de novo, volto a ser pobre.
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L.F. | Doutor Dorian, de onde surgiu a ideia de seu livro Pessedismo, reunindo discursos parlamentares?
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D.S. | Bom, até então eu não tinha condições nem de escrever o livro, porque as atividades parlamentares realmente tomavam o tempo da gente, mas é a tal coisa, todo homem, pelo menos um intelectual ou metido a isso, como é o meu caso, todo homem quer ter um livro e plantar uma árvore, não é? A árvore eu já plantei, filhos já tive cinco e eu queria ter um livro. Então, eu escrevi o livro reunindo os meus pronunciamentos políticos como vereador, se bem que não seja um livro digno de participar de qualquer estante de História, não, porque eram pronunciamentos de vereador. Eram apenas como se diz e eu posso afirmar, eram apenas resultados de emoções de quem começava na vida política, muito ardor, muito pessedismo, e eu acredito que eu mesmo nem tenho mais, distribui, e eu mesmo nem tenho na minha estante.
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L.F. | Por que o título Pessedismo, então?
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D.S. | Justamente porque eu era do PSD e eu sonhava para o meu PSD um partido cujos homens fizessem aquilo que eu estava fazendo, diante do erro: protestar; diante do acerto; aplaudir, por isso, pessedismo. Se bem que a gente examinando friamente o que hoje já se pode fazer, finalmente a gente verifica que é muito difícil isso dentro do PSD, que era um partido congenitamente, partido do governo, não é?
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L.F. | É sabido que o professor Jáder de Carvalho o convidou para ingressar no Diário do Povo, onde o senhor ficou por seis anos. O professor Jáder de Carvalho é reputado não só como intelectual, mas como um homem de coragem. O que o senhor nos diria, o que pensa sobre o professor Jáder de Carvalho?
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D.S. | Bom, o Jáder, nós éramos alunos do Liceu, terceiro ano científico, isso em 1946, se não me engano. Jáder de Carvalho, professor de História, aquele que no Ceará talvez, pela primeira vez, é.… aboliu aquele estudo de então, da História puramente cronológica em que o aluno tinha que decorar datas, mas não interpretava nenhum fato histórico. O Jáder era justamente o oposto, de modo que foi um mestre, era um professor espetacular para todos nós. Ele rompeu com o então governador, desembargador Faustino de Albuquerque pela nomeação de um diretor no Liceu que parece não agradou ao Jáder. Havia uma diferença qualquer entre o Jáder e esse Diretor nomeado que era o professor Edmilson Pinheiro, hoje amigo meu e tal, mas o Edmilson Pinheiro foi criado na Alemanha, tinha aquela educação germânica. Então, ele como diretor exercia o seu mister assim de uma forma muito autoritária, e o Jáder que sempre fora um homem que lutava pelas liberdades e tal, e encampou aquela luta contra o governo devido à sua nomeação. E, nós, alunos do Liceu, também nos engajamos nessa luta, e quando ele resolveu ampliar essa campanha contra o governo, não apenas dentro do Liceu, mas também publicamente, ele então resolveu fundar o jornal o Diário do Povo, e escolheu para seus alunos, ou melhor, escolheu para seus redatores e repórteres aqueles que ele considerava os seus melhores alunos de História. É daí então, que vem os nomes de Dorian Sampaio, que é o meu caso, Lúcio Lima, Olavo Sampaio, Aquiles Peres Mota, o atual líder do governo, Eduardo Lincoln, o Ed. Lincoln que hoje toca órgão e é compositor no Rio de Janeiro, e também começou como jornalista. É o que eu me recordo no momento. Pois bem, era um jornal vibrante, bastando dizer que o primeiro número dele foi empastelado. O primeiro número do jornal quando a polícia entrou, quebrou o jornal todinho a mandado do Sr. Valmique Sampaio de Albuquerque, então Secretário de Educação e filho do governador Faustino de Albuquerque. E o Valmique dez isso, dizem por que chegou aos ouvidos dele, o Valmique, de que o artigo de lançamento do Diário do Povo, atacava a sua honorabilidade, o que não realmente, não aconteceu. O artigo chamava-se até Presentes, lembro bem que o artigo falava sobre todos os desmandos de então e terminava assim: “O povo clama por nós e a nossa resposta foi esta: presentes”. Que era o título do artigo, então o jornal foi empastelado, quebrado, foi gente presa, era tirado a essa época na redação do Estado, nós do jornal O Estado, ali na rua Senador Pompeu, fomos presos, então, o Jáder requereu “Habeas Corpus” para todos os jornalistas. Era chefe de Polícia a essa época o major Humberto Moura, de Acaraú, depois tendo sido Deputado Federal pelo Ceará, e 15 dias depois o jornal saía, o Diário do Povo. Então, eu sou um homem que participei dos acontecimentos com o Jáder de Carvalho durante anos seguidos. Eu pertenci o Diário do Povo desde o seu primeiro dia até o governo de Raul Barbosa, quando então, as minhas atribulações como Oficial de Gabinete na Secretaria de Educação, não me permitiram mais o exercício da profissão. Mas, durante esses anos sofremos muito, fomos presos, o jornal foi empastelado, éramos assediados de toda forma e isso criou dificuldades muito grandes, mas eu posso assegurar que foi um dos períodos mais bonitos da vida da imprensa do Ceará e da minha própria vida.
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L.F. | O Senhor decididamente gosta de oposição. Dr. Dorian, o senhor pensaria então que o governo do Dr. Faustino de Albuquerque teria sido ou poderia ser chamado um governo, um período de força?
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D.S. | Não. Não vamos chegar também a tanto. Apenas o meu depoimento é esse: que foi o governador mais forte que o Ceará teve até hoje, do ponto de vista pessoal. Aquela rara capacidade encontrada nos homens que enfrenta uma situação, digamos na expressão da mocidade, “não abrir nem para o trem”. O governador Faustino era um homem duro, era mesmo, era desses que quando decidia uma coisa podiam vir os amigos mais diletos, partido, seus velhos colegas de tribunal, que ele não arredava o pé e ia até o fim. Para aquela época de redemocratização aquilo era como que um corpo estranho na sociedade de então, porque é preciso ver que desde 45, a mocidade que fora freada desde o Estado Novo, ela vinha com ânsias de liberdade, mas o desembargador Faustino era um homem já velho, era já um septuagenário. Então, foi um homem arraigado àqueles princípios do Estado Novo, se bem que desembargador, mas de qualquer forma, que teve a sua formação toda no Estado Novo e que vai então governar o Estado num período de efervescência, como foi o ano de 1945, de redemocratização. Então, ele era um camarada, um governador que tinha obrigação de aceitar aquela situação de ânsias de liberdade do momento, mas que o seu temperamento não permitia, então, ele foi deslocado, e tanto que ele rompeu… O próprio partido já não lhe dava mais nem cobertura na assembleia… Já no fim do governo dele, e a consequência que houve foi na sucessão dele, que o candidato foi o Sr. Edgar Arruda, um homem de bem, pela UDN, e o Sr. Raul Barbosa pelo PSD. Este venceu numa margem de votos fora do comum na História Política do Ceará.
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L.F. | O Senhor o classificaria então, como um homem intransigente, fora do seu tempo? E a atuação do Dr. Valmique que não seria então um homem septuagenário. E então que paralelos o senhor faria entre o governo do Dr. Menezes Pimentel, que foi uma época também de pouca liberdade, e o governo do Dr. Faustino, considerando as épocas diversas, históricas, que o senhor inclusive terminou de mencionar e classificar a segunda, por exemplo, a parte da redemocratização, a ânsia da sociedade em ter um período onde ela pudesse de fato gozar de maiores direitos, maiores privilégios?
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D.S. | Não… O que há é o seguinte. Com a redemocratização, o desembargador Faustino de Albuquerque foi eleito justamente porque pretensamente ele encarnava essa redemocratização. Todos os candidatos da UDN de então, encarnavam essa redemocratização, mas, ele não soube se comportar no exercício do seu mandato de governador, como um homem representante desse período libertário, vamos dizer, de desenfreio. Agora, quanto ao seu filho Valmique Sampaio de Albuquerque, aí vamos, era um problema mais temperamental, tanto que já passados uns anos o Sr. Valmique de Albuquerque até é um homem doente sob o aspecto psicológico, mental, terminou a vida não foi nos parâmetros da moralidade sanitária, lamentavelmente. Então, é um rapaz saído, criado por um homem dessa estirpe do Sr. Faustino de Albuquerque, acredita-se que ele embora jovem, mas sem nenhuma vinculação política, porque o Valmique não tinha nenhuma vinculação política, ele era mais então, Faustino de Albuquerque, era mais o pai, e como o pai realmente era um homem intransigente e forte nas suas decisões e para suportar as reações advindas dessas decisões dele, o Sr. Valmique de Albuquerque era apenas um apêndice paralelo ao pai. E assim então, praticou aquilo que eu chamo uma série de desmandos, de perseguições, mesmo porque de qualquer forma como homem político, ou como um homem jovem ele tinha muito mais articulação, muito mais diálogo com a classe política da UDN, que vinha rancorosamente desejosa de vingança porque de qualquer maneira o pessoal da UDN, por outro lado, era um partido de baixo, foram quinze anos que a UDN se manteve de baixo, quando vence o Sr. Faustino de Albuquerque, ou seja, vence a UDN. É lógico que eles vinham com aquele espírito de vingança, e como era mais difícil um diálogo com o governador, eles dialogavam com o Valmique Sampaio de Albuquerque, ficou um impregnado daquela ânsia de vingança da UDN, tão grande quanto a ânsia de libertação que dominava toda a mocidade de então. Então, aproveitou-se isso e o Valmique Sampaio de Albuquerque, filho do governador, é que era o intermediário, era quem fazia a intermediação desse espírito de vingança. Aí então é que como havia esse choque dessa mocidade que queria um Brasil diferente realmente em tudo, e o Sr. Faustino de Albuquerque, apesar de viver um regime de redemocratização, mas tão autoritário quanto um ditador, criou-se o choque e a consequência foi a UDN perder a eleição com a ascensão do Sr. Raul Barbosa para o governo. Bom, quanto ao Dr. Francisco Menezes Pimentel, sinceramente eu não posso dar uma opinião porque já não é da minha faixa, eu já sou daquela turma de 45, eu tinha meus dezoito anos de idade, quer dizer, foi quando eu com dezoito para vinte anos, quer dizer, eu estava no tempo do interventor Menezes Pimentel eu era um garoto, mas apenas guardo a imagem mais simpática do que do Faustino, porque de qualquer maneira, era um homem que vivia numa ditadura, mas que não era autoritário, pelo contrário, ele era um fino educador, participava de reuniões, agora, era um homem que durante toda a vida foi um homem fechado, um homem que não era de fácil comunicação, mas eu simplesmente não posso fazer nenhum depoimento sobre o governo dele porque já não vivi aqueles momentos e é porque vocês estão me entrevistando um pouquinho mais velho.
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L.F. | Ah! Você é jovem, não é! E as razões da Efemeridade do Ceará, Jornal que o senhor fundou ao tempo do governo Paulo Sarasate? E sobre o governo Paulo Sarasate o senhor nos diria alguma coisa?
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D.S. | Sarasate, já há aquele episódio da eleição contestada pelo próprio adversário, hoje ministro Armando Falcão. Mas era um homem da UDN, tinha um jornal na mão, tinha como fazer opinião pública e não tinha oposição. Até o PSD, bom o meu PSD, sempre foi partido de governo porque o PSD é partido do Diário Oficial. Então, o Sarasate não contava com uma oposição digna do nome. Eu então resolvi fundar um jornal, já que não tinha nenhum jornal em Fortaleza, que fizesse oposição a Paulo Sarasate, nenhum a essa época, todos os jornais eram do governo. Então, eu fundei o Semanário Ceará Jornal, em que eu era o repórter, era o redator, era o revisor, era o paginador, e foi o primeiro jornal colorido do Ceará, diga-se. Esse jornal durou uns três meses apenas, eu não tive condições porque houve um complô contra o jornal, porque o comerciante que desse anúncio no jornal iria se haver com os fiscais da fazenda. De modo que eu aguentei parece que uns três meses ainda. Mas consegui de qualquer maneira mostrar que o partido precisava ter um jornal, e isso redundou que futuramente, parece que salvo engano, era O Estado, foi adquirido. Aí o PSD continuou a marcha iniciada pelo seu velho e querido Ceará Jornal, de saudosa memória. Mais uma vez é o espírito oposicionista do entrevistado e que fez o Ceará Jornal, nada mais que isso.
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L.F. | Dr. Dorian, mais detalhes sobre o complô?
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D.S. | Bom, generalizando, apenas o seguinte. O jornal era feito por anúncios. É sabido que a imprensa, ontem como hoje, 70% é de publicidade de governo, e só 30%, de comércio. Do governo eu não podia tirar porque eu estava fazendo oposição a esse próprio governo, e do comércio, há as dificuldades que também se temiam que isso custasse a eles uma fiscalização mais rigorosa por parte da Fazenda, pois que a essa época era muito comum fazer oposição, porque podia realmente. Então, os anúncios começaram a escassear, até que finalmente, não digo que ia entrar em falência porque não tinha nunca o que entrasse em falência, mas não tinha mais condições de pagar as oficinas em que o jornal era tirado, no jornal A Fortaleza, do Padre Arimatéia Diniz.
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L.F. | E o ressurgimento do Anuário do Ceará? Esta ideia surgiu do Sr. Lustosa da Costa ou dos dois conjuntamente?
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D.S. | Bom, essa do Anuário é uma história, eu não vou dizer longa, mas é interessante. Quando o Valdery Uchôa morreu, quando o Valdery era vivo, vamos dizer, eu dirigia as oficinas do Jornal A Fortaleza, onde o Anuário do Valdery era tirado, e lá eu ajudava muito o Valdery, vamos dizer, amadoristicamente. Eu fazia a revisão na hora que ele estava muito cansado, eu redigia muita coisa para o Anuário, porque, diga-se, o Valdery era eu considero um fenômeno, porque o Anuário era feito sozinho por ele, não tinha equipe nenhuma. Então, ele estava muito cansado, chegava lá e eu escrevia e tal. Mas eu participei de qualquer maneira e fiquei querendo bem ao Anuário. Quando ele morreu, eu procurei o filho de Valdery Uchôa e a viúva de Valdery Uchôa. Aí eu vi que aquilo era obra que não podia morrer que eu devia dar continuidade para nós, não encontrei nenhuma receptividade. Depois então, andei propondo a várias pessoas, a vários industriais que fôssemos tirando o Anuário do Ceará, mas ninguém acreditava no Anuário do Ceará. Daí então eu chamei, eu passei a trabalhar no grupo Credimus, tentei interessar Valter Ari e Helano de Paula, que eu não tinha dinheiro para sustentação financeira, eles não acreditavam no Anuário do Ceará. Então, eu falei com o João Soares Neto, falamos sobre o assunto, não era nem mais propondo tirar o Anuário do Ceará, era eu fazendo as minhas queixas amargas, por conta da minha ideia não ter nenhuma receptividade. O João Soares Neto, hoje diretor da Planostec do Brasil, o João então disse: “Dorian, faça uma proposta escrita desse Anuário, faça um relatório sobre o que você pensa do Anuário”. E eu disse: “Bom, João, eu lhe digo sinceramente, eu não faço pelo motivo simples: porque já é a oitava vez, você é a nona pessoa que é requerido para isso. Agora, eu posso fazer um relatório da maneira seguinte: você me paga pelo relatório, se você quiser tirar, tira; se não quiser… eu não faço mais é de graça. Então, recordo que ele dispôs de dois mil cruzeiros pelo relatório e eu então, passei uns quinze dias vendo preços, estruturando a obra fiz um trabalho, modéstia à parte, bem feito. Entreguei o trabalho, recebi meus dois mil cruzeiros e fui para casa. Dez dias depois voltei para saber qual era o resultado. Então, a expressão dele: “Dorian, o trabalho está magnífico, agora, não é obra para uma empresa como a minha, agora, acredito que é uma obra que se pode fazer”. Aí ele ficou com o meu trabalho, e eu me entusiasmei pelo meu próprio trabalho, achei que era viável. Chamei o Lustosa, meu velho companheiro de jornalismo, expus as ideias a ele, ele não aceitou, encarava a coisa como uma revista e revista no Ceará nunca deu certo. Mas, finalmente, embarcamos sem nenhum tostão no bolso, sem empresa, sem nada. Mas depois formamos a nossa empresa e o Anuário está aí, está aí e estará através dos anos, porque acredito que ninguém mais deixará de publicar o Anuário mesmo que eu encerre o assunto em qualquer época, outros deverão continuar. É a obra que, acredito que do ponto de vista histórico ela terá um valor diretamente proporcional ao número de anos decorridos. Hoje por exemplo, aqui na minha biblioteca eu abro um Anuário de 1916, eu abro Anuário de 1896, Anuário do Ceará, e vejo que riqueza de documentação que existe ali, que maravilha, vocês, por exemplo, que estão fazendo na Universidade um levantamento sobre as secas, então, se a gente pegar as secas desde mil e oitocentos e pouco no Anuário do Ceará, retratado ali através das mensagens dos governantes, saber os preços da época, saber os governantes, os prédios existentes, quer dizer, é um saber histórico, uma contemporaneidade que adentra o futuro e que prestará serviços. Se hoje presta o serviço em relação aos que pretendem informações sobre o Ceará de hoje, eu acredito que daqui a 50 ou 100 anos essa época terá um valor muito maior. O Anuário nasceu, nasceu assim e é meu filho querido, dileto.
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L.F. | O Dorian Sampaio de tantas habilidades, odontólogo, professor, político, intelectual, jornalista, são de fato uma pessoa só?
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D.S. | É uma pergunta assim meio difícil de eu responder. Eu tive uma amante que dizia o seguinte: “Dorian são vários homens num só”. E dizia assim para as amigas dela: “No dia que eu quero uma criança no colo, eu tenho o Dorian, no dia que eu quero um pai, eu tenho o Dorian”. Então, se esse julgamento é verdadeiro, e ninguém melhor do que as mulheres para fazer isso, eu acredito que eu sou vários homens. Sou um odontólogo, sou um político e sou o seu admirador também.
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L.F. | Doutor Dorian, já que o senhor se referiu aí à questão das secas, como jornalista e político com é que o senhor colocaria, como é que o senhor vê dentro de sua vivência tão profunda o problema das secas no Ceará?
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D.S. | Eu não acredito em seca no Ceará. O que há ou o que houve, foi desgoverno. Ainda hoje, por exemplo, estão falando nessa data de 1976 em seca no Ceará. Não houve seca no Ceará, o que há é uma ausência de tecnologia na programação das nossas investidas em favor da nossa economia, bastando dizer o seguinte, isso pode consultar os técnicos, eu não sou técnico, mas como repórter que eu sou, de economia, eu tenho que está ouvindo a todos. As pessoas que acreditaram no inverno no Ceará, ou seja, que plantaram cedo, não plantaram uma espiga de milho e nem uma vagem de feijão, aqueles que não acreditaram no inverno e que retardaram o seu plantio, esses perderam tudo. Segundo: as frentes de serviço existem hoje no Ceará, as seis frentes de serviço, e os senhores podem consultar os próprios elementos do governo, existem, têm homens trabalhando porque o Ceará é uma terra de homens desempregados. Se eles não têm emprego nesse período de verão, em nenhuma época tem, aí aparece o governo com a frente de serviço para fazer ocupação da mão de obra com o Estado, pagando 15 ou 20 cruzeiros por dia, junta gente para trabalhar, para ganhar seu dinheirinho. Em qualquer época é assim então o que há é apenas uma falta de previsão, não tem ainda uma tecnologia para saber se realmente vamos ter condições de inverno ou não. Mas, pode-se indagar no Ceará que se houvesse seca não tínhamos algodão. Nós vamos ter uma safra de algodão exatamente igual a do ano anterior. Feijão realmente e milho para aqueles que plantaram como retardatários esses perderam. Mas, aqueles que plantaram na época e que acreditaram que ia haver inverno, ninguém perdeu gênero alimentício. Pois então, a seca como em todos os tempos, é mais uma falta de planejamento, mas também tínhamos o enfoque do DNOCS, mas toda vez que a seca aparece é um Deus nos acuda.
Creio que por hoje eu já falei demais e se vocês não se importam, vamos marcar mais uma sessão de entrevista para o Programa de vocês, conforme combinamos, vamos falar do pouco que eu sei sobre esta temática, mais coo um jornalista do que como político .Pode ser? L.F – Como não, Dr. Dória. Foi uma preciosidade esta nossa conversa gravada. Ficamos felizes com os dados que colhemos. Tudo muito bem de acordo com a nossa proposta de tratar sobre Seca, Política e Cultura no Ceara. Voltaremos em breve para uma 2ª. Sessão. Muito obrigada.
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Foeraleza, 23 de Julho de 1976
Segunda sessão de entrevista com o Dr.. DORIAN SAMPAIO. Convênio da Universidade Federal do Ceará com o ARQUIVO NACIONAL, Programa de História Oral. LUCIARA SILVEIRA DE ARAGÃO E FROTA.
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D.S. | Conforme eu havia dito na outra fita, esse problema da chamada seca no Ceará, eu cheguei a afirmar mesmo que não há seca no Ceará, não quero dizer com isso que chove sempre no Ceará. A seca que é grave no seu aspecto social, tal como ela se apresenta, é devida mais a uma importância governamental do que mesmo um desígnio da própria natureza. Digamos o DNOCS que é um órgão criado para o combate a essa situação climática, a cada ano que passa em que faltam as chuvas, esse DNOCS nunca está preparado para resolver o problema. Repete os mesmos erros de sempre. Então, eu indago, ao invés de se colocar, digamos o homem para construir uma estrada que nem sempre é terminada, não seria mais interessante o governo, através do estabelecimento de crédito farto ao dono da terra, fixasse esse homem, vamos exemplificar, eu sou fazendeiro, tenho a minha propriedade e tenho os meus moradores, vem a seca, eu não tenho condições normais de aguentar todos esses moradores na minha fazenda. Mas, se o governo me concedesse crédito para, digamos eu construir o meu açude, eu ligar a minha fazenda à sede do município, ou eu ligar a minha fazenda ao centro consumidor, ou então construir a minha fazenda, enfim para eu poder realizar obra nesse período de seca, eu fixaria os meus moradores na minha fazenda e construiria o meu açude que iria pagar após os tempos melhores. Mas, o governo o que é que faz? Não assiste a esse fazendeiro, o fazendeiro não pode suportar a carga dos seus moradores então, dispensa-os, eles então se vão… Vão plantar o que? Aí lá adiante tem uma estrada sendo feita, em que o governo está pagando uma diária que ele não encontra em canto nenhum. Então, esse homem se desloca para lá para receber uma ajuda puramente governamental. Além do que mesmo aqueles fazendeiros que poderiam suportar, porque há casos em que eles aceitam mesmo, aceitam… Suportam, mas logicamente que ao invés de pagar quinze cruzeiros, paga dez. Mas, se o governo ali adiante está pagando quinze, eles saem da fazenda e vão ganhar os quinze cruzeiros dele. Então, no meu entender é mais um problema de governo, a seca nesse aspecto que ele toma. Foi assim no passado e, lamentavelmente, está sendo assim no presente. Agora mesmo, podem perguntar na intimidade, oficialmente eu acredito que eles não diriam isso, mas intimamente podem perguntar. Entraram com seis mil homens trabalhando, eles estão hoje com 2600 homens trabalhando. É porque é o emprego que tem. Mas se não existisse esse emprego, se ele estivesse favorecendo ao proprietário da terra, o caboclo estaria lá trabalhando. É mera questão de melhor ordenado, arranjou um salário mais alto, então vai. Aí há esse problema social todo, problema sanitário, problema econômico e toda essa série quase interminável de problemas advindos de um fenômeno que poderia ser evitado se outra fosse a visão solucionadora por parte da entidade governamental. É o meu ponto de vista, porque é mesmo, isso já foi dito aí várias vezes no parlamento, jornal e tudo.
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L.F. | E o crédito agrícola com que o governo tem procurado assistir ao homem do campo, o senhor acha então que deveria ser ampliado, feito de maneira diversa o pagamento facilitado, exigido menos exigências, coisas assim?
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D.S. | Não tenho dúvida nenhuma de que teria que haver modificações. Esse crédito que se dá para construções de grandes obras, que fixassem os moradores nas respectivas propriedades, tinha que ser diferente do crédito normal que se dá, teria que haver um período de carência, o juro teria sido mais baixo, mesmo que o governo futuramente perdoasse essas dívidas, estava fazendo melhor do que gastando rios de dinheiro na construção de açudes, de estradas, com esse deslocamento em massa da população. Eu acredito que o fazendeiro, se fosse permitido, através de todas as secas que o Ceará já teve que cada fazendeiro construísse o seu açude, à custa de verba e que nem pagasse depois, eu tenho a impressão que seca não tinha mais porque quanto mais água esbarrada no Ceará, maiores condições de ter mais chuva, porque quanto mais água se tem na terra, mais se tem no céu, não é? Por causa da evaporação se, digamos, tivesse milhares e milhares de açudes no Ceará, ele deixava de ser seco, é porque haveria mais condições de chuva, porque havendo evaporação mais o vapor d’água para que ele voltasse a uma condição líquida.
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L.F. | E o projeto de formação de minifúndios, o que o senhor pensa a respeito?
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D.S. | Luciara, eu não sou muito afeito a esses assuntos, não.
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L.F. | Qual a sua opinião como jornalista?
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D.S. | Sei apenas o seguinte: que não há no Ceará e aí não é teoria minha, não, mas aí é um problema, não há no Ceará o latifúndio. Portanto, no Ceará não há latifúndio. O número de propriedades pequenas que há no Ceará é enorme. Latifúndio propriamente no Ceará, eu não conheço. Nós estamos falando isso apenas por teoria. Lá para Pernambuco tem os seus latifúndios, lá pelos canaviais, mas aqui no Ceará não há latifúndio. Porque mesmo estas vastas extensões de terra sendo de um dono só, na realidade, é toda ela entregue ao pequeno proprietário, que transforma aquilo num minifúndio. Não existe o latifúndio na sua verdadeira acepção do termo. Agora, se nós considerarmos latifúndio apenas a extensão da terra, aí é outra coisa, é uma visão muito unilateral. Mas, eu entendo que latifúndio além da extensão de terra, exige outros fatores que o caracterizam, as relações de trabalho existentes nessa propriedade. Eu posso ter… a metade do Ceará ser minha, mas se ali eu planto, eu crio e pago aos meus empregados direitinho, então, eu não sou um latifundiário, eu sou um empresário da terra. Agora, se eu montei essa vasta extensão de terra com moradores com regime escravo de trabalho, quando eu entro com uma monocultura, aí tudo isso está caracterizado o latifúndio o que realmente não existe em nosso Estado. E especialmente num Estado como o nosso de criatório, em que são vastas as extensões de terra e que os próprios donos entregam aos moradores à vontade, os seus quinhões da terra para o plantio.
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L.F. | Eu vou tentar de novo fazer uma relação seca-política, ou melhor, vou começar agora a tentar fazer. O que o senhor me diz sobre a eleição do Dr. Parsifal Barroso com relação à seca de 58?
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D.S. | Estávamos no governo Juscelino Kubitscheck de Oliveira. Parsifal Barroso era Ministro do Trabalho. A sucessão estadual se apresentava difícil para o PSD, por um motivo muito simples: governo Sarasate e UDN, apresentando para suceder, o Sr. Virgílio Távora, candidato que realmente vinha trabalhando desde o início da sua carreira política, com esse objetivo de ser governador do Ceará. Amparado pelo governo do Estado e o PSD ser, ter um candidato que fosse capaz de enfrentar o Sr. Virgílio Távora. É então, lembrado o nome de Parsifal Barroso, a essa época não do PSD, egresso da PSD, de saída do PSD junto com o sogro Chico Monte para fundar aqui no Ceará, ou engrossar aqui, as fileiras do Partido Trabalhista Brasileiro cujo chefe era o Sr. João Goulart. | |||
L.F. | Chico Monte era o sogro?
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D.S. | Sogro, pai da D. Olga. Grande chefe político de tradição na Zona Norte. Então, o PSD verificou que só havia uma condição para enfrentar Virgílio Távora: era lançar Parsifal Barroso, porque pegaria os votos tanto do PSD, da cidade, e seria, teria o respaldo daquela votação interiorana representada pelos então, coronéis do PSD, que eram realmente homens de muitos votos. Então, é lançada a candidatura do Sr. Parsifal Barroso, tendo como companheiro de chapa para vice-governador o representante do PSD de então, na pessoa do Sr. Wilson Gonçalves, atual Senador. Então, foi lançada a campanha Parsifal Barroso, candidato eu não tinha grandes recursos financeiros. O PSD também… O candidato dele também não tinha enfrentado um candidato hereditariamente rico, no caso o Sr. Virgílio Távora. O Sr. Virgílio Távora além de berço é um homem rico. Herdou muito de sucessivas pessoas, e que estava realmente disposto a gastar como realmente gastou os tubos, naquela época, para se eleger governador. Sabia-se que seria difícil o Parsifal Barroso, vencer a eleição, dadas as condições apresentadas pelo candidato Virgílio Távora. Mas eis que, em pleno 1958, se desenvolvia a chamada seca. Era diretor do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, o engenheiro José Cândido de Paula Passos, filho do general Vico de Paula Pessoa, grande pecuarista aqui, dono do maior… O pecuarista que tinha o maior rebanho de gado do Ceará, gado vacum. Então, vai-se combater a seca por aqueles processos de então que pouca modificação teve até hoje. Construção de açudes, construção de estradas, em que junto a essas construções, essas frentes de serviço onde colocavam os barracões. Barracões eram as bodegas de então. O chefe político botava o barracão e o pagamento do operário, do trabalho do operário, era feito mediante vale para comprar o feijão ou o arroz com que sustentava a ele, a mulher e os filhos. Compreenderam com é? Então, isso favoreceu muito, em minha opinião ao candidato Parsifal Barroso, porque o governo federal era do PSD, na pessoa do Presidente Juscelino Kubistchek de Oliveira.
Então, as verbas que eram canalizadas para essas frentes de serviço para o estabelecimento desses barracões vinham através desse governo federal pessedista, que logicamente não ia entregar ao Sr. Virgílio Távora da UDN. Para nomear o dono desses barracões, para nomear os feitores e para nomear os próprios empregados que iam trabalhar nessas frentes de serviços, utilizava-se então, o chamado processo das cadernetas. O empregado, o flagelado quando ia para frente de serviço recebia uma caderneta de vale. E com aquela caderneta ela ia comprar no barracão os alimentos, roupas etc. Houve abusos, houve desonestidades, flagrantes, e é bem possível, e quase certo, é certo que, os políticos então, interioranos, faziam política disso aí, não só aceitando operários, admitindo novos empregados, como concedendo essas cadernetas e esses vales a eleitores, sem que eles tivessem obrigação de executar qualquer trabalho. Isso então, eu acredito, favoreceu eu acredito, não, é óbvio, que tenha favorecido o partido político que tinha condições de dar esses vales, de dar esses trabalhos, de dar esse dinheiro e o resultado foi que Parsifal Barroso conseguiu aquilo que ninguém até então esperava, que era derrotar o Sr. Virgílio Távora nas urnas. Saía eleito como governador do Estado, tendo ao seu lado, o Sr. Wilson Gonçalves, como vice-governador, foi uma vitória estrondosa em que inegavelmente a seca de 1958 favoreceu. Não tenho dúvida nenhuma disso, não. Se bem que, o Sr. Parsifal Barroso tivesse realmente qualidades excepcionais para o exercício do cargo, foi um governo bom, foi um algo a mais na política, digo a vocês, eu assisti a saída do Parsifal do Palácio quando ele terminou o governo. Foi a primeira vez que eu vi um governador do Ceará sair, como se diz, nos braços do povo. Ele saiu com seu carro sendo empurrado pela massa. Foi a primeira vez que eu vi isso no Ceará. Geralmente, rei posto, rei esquecido, não é? Mas, ele não. Ele fez um governo que o povo ainda hoje, aplaude, eu acredito… Também aquela extrema bondade dele, aquela humidade, aquela comunicabilidade dele, tudo isso não deixa nada a desejar, mas que os políticos realmente tiveram em 58 um grande aliado, não tenho dúvida nenhuma. Eu acredito que o Sr. Parsifal Barroso podia até ganhar, até no inverno. Mas, a seca, só favoreceu ao PSD, ao PTB, ao Sr. Parsifal Barroso. Não favoreceu ao Sr. Virgílio Távora. Isso ninguém discute, ponto pacífico. |
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L.F. | Que há de fato uma ligação entre a seca e a política, quanto aos processos de eleição dos candidatos.
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D.S. | Ah! Não há dúvida nenhuma. O exemplo mais frisante foi esse, porque a eleição se deu juntamente num período de seca. É uma tese que dispensaria grandes esforços de demonstração.
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L.F. | No âmbito estadual o governo do hoje Senador Virgílio Távora, foi tido como de planejamento. O senhor tomou conhecimento de alguma mudança no dispensado às secas no Ceará? Porque durante o governo do Sr. Virgílio Távora houve um repiquete de seca, sabe se dentro desse processo de planejamento governamental houve alguma medida específica para o problema? Uma ligação Governo do Estado/SUDENE? Como um jornalista, teria alguma informação?
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D.S. | Não especificamente assim, de combate à seca. Sinceramente, como eu não vejo, não. A única iniciativa governamental do Estado de combate à seca foi a criação da Funceme, não é? Mas isso foi posterior já, salvo engano, no governo César Cals. Mesmo porque eu não sei se com esse depoimento eu possa ofender ao meu próprio Estado não sei. Mas, os senhores que são historiadores, procurem saber, fala aqui apenas o repórter. Procurem saber se há momentos em que a seca para o Ceará tem mesmo é rendimentos, procurem saber isso. Se aquela fase da indústria da seca… se a gente comparando assim o Ceará com o inverno, o Ceará com produção de algodão, o Ceará com produção de milho e de feijão e de banana etc. se vendendo aquilo tudo por um precinho muito bom, se não é menos do que o dinheirinho que é carreado para o Ceará devido à seca. Não sei se eu me fiz claro. Parece que há momentos no Ceará que era melhor seca a chamada seca. Porque pelo menos o inverno não é federal. Nós acordamos o governo federal para nós, então, de modo que é uma coisa que vocês deveriam tentar saber se há esses momentos… É bom, principalmente quando se chama uma seca verde, quer dizer, suspendeu a chuva e tal. Aí corre dinheiro, porque o governo central só manda dinheiro para o Ceará mesmo, em momentos difíceis de seca. Agora mesmo, vocês veem que está chegando o dinheiro. Por quê? Porque estão falando na seca e eles têm que propagar que está seco mesmo, e tudo porque é a forma que nós temos de atrair capital do governo da União. Porque fora disso, é muito difícil vir assim, normalmente, dinheiro para o Ceará. A coisa é mais para funcionar mais para São Paulo, para Minas, para o Paraná, para o Rio Grande do Sul.
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L.F. | E quanto a um sistema de verificação do emprego dessas verbas o que o senhor diz?
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D.S. | A coisa mais fácil do mundo é a gente comprovar emprego de verba, não é? Dizem o seguinte: que o dinheiro mal-empregado é o dinheiro que a gente presta conta com mais cuidado. É a minha opinião. E às vezes, a pessoa quando emprega o dinheiro bem direitinho dentro de toda a honestidade e tudo, aí é preciso até que prestar conta às vezes. Quando eu me recordo de um caso da família minha, de uma herança, em que um dos irmãos ficou tomando conta do espólio, ficou administrando a fazenda, e na hora de prestar conta até os centavos apareciam. Comprei… eu dei de gorjeta setenta centavos ao fulano, eu gastei de gasolina quarenta e dois cruzeiros e noventa centavos, quer dizer, uma prestação de contas maravilhosa, mas nunca tinha na família um camarada com mais vocação para gatuno do que esse, e prestava as contas direitinho. Então, a boa prestação de contas não reflete a realidade de uma situação, em minha opinião.
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L.F. | O senhor teria alguma opinião a respeito de como se detectaria o emprego dessas verbas, melhor dizendo, como se situaria esta realidade sempre fora do alcance do palpável?
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D.S. | Luciara, no Ceará todo mundo é pobre. Conta-se nos dedos das mãos, é contar os homens que realmente não estejam precisando de dinheiro. Então, digamos que o pequeno proprietário, o grande fazendeiro que tem, é utópico. O grande fazendeiro só tem é terra, mas também é um homem tão apertado quanto o caboclo. Esse dinheiro que fica circulando aqui dentro, esse dinheiro que vem da verba federal pra cá, ele de qualquer maneira, circula aqui dentro, de modo que você sabe como é que fulano empregou, em termos oficiais é facílimo, é a mesma história do Governo do estado dá para um prefeito interiorano quatrocentos mil contos para construir uma unidade sanitária, por exemplo, um posto de saúde. Que ele pode comprovar que gastou aqueles quatrocentos mil contos, ele pode comprovar. Ele compra cinquenta milheiros de tijolo e o sujeito passa um recibo de sessenta, está comprovando, ninguém pode dizer, “você não comprou isso, não”. Está aqui o recibo. Até o sujeito que vendeu o tijolo não pode dizer que não deu sessenta, pois está ali no recibo. Então, comprovar, detectar ou impedir, isso sinceramente não é possível. Agora, a margem que fica acrescentada a qualquer emprego de verba, ou seja, qualquer evidência de desonestidade e tudo é uma margem assim, relativamente pequena, e mesmo essa parte é empregada ali mesmo, ou seja, para comprar a propriedade do vizinho. O vizinho recebeu aquele dinheiro, está circulando aqui dentro o dinheiro, é tanto que esse dinheiro não é sinal de preocupação, não. Pode vir o dinheiro, roubem, mas o roubo fica aqui mesmo, entre nós. Vai para seu bolso, para o meu.
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L.F. | O senhor tem indicativos das consequências das denúncias feitas pelo Senador Virgílio Távora quando aos desvios de verbas na época da seca? Alguma informação a respeito?
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D.S. | Nenhuma, nem uma, e seria dificílimo comprovar. É como eu disse tudo é passado o recibo e não adianta a pessoa dizer: “não, mas esse recibo é falso”. Não, não existe recibo falso, está assinado. Eu me recordo que no governo Raul Barbosa, por exemplo, foi feito aqui um inquérito quanto à construção de prédios rurais, por exemplo, e eu fiz parte dessa Comissão, e eu no momento senti o construtor chegar para mim e dizer: “Não, eu fiz o prédio por sessenta mil cruzeiros, mas eu passei o recibo de cento e oitenta. Agora, eu não posso dizer isso na Comissão, doutor, porque eu vou dizer que passei a mão. Não vou fazer isso, não posso que o cara me bota na cadeia, é a velha história. Tá “recibado”, tá provado. Não tem outra alternativa. Você nunca me venha passar um recibo de cem cruzeiros, sem ter esse recibo pra depois dizer que passou recibo, porque você não pode, você vai pra cadeia, porque você assinou, deu o atestado que recebeu os cem cruzeiros e consequentemente vai pagar por isto.
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L.F. | Como jornalista o senhor visitou alguma vez o interior à época das secas, alguma frente se serviço, viu de perto os problemas?
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D.S. | Não, eu vi problema pior. Sinceramente, foi o problema das cheias. Essas, eu realmente acompanhei, aquelas enchentes lá no Aracati, na Zona Jaguaribana toda, essa eu acompanhei e acompanhei mesmo em toda a profundidade e extensão. Essa eu conheci, a da seca sinceramente como eu nunca vi, não. Assim de perto, nunca participei, não. De cheia sim, que é um problema às vezes até pior do que o da seca, muito pior. | |||
L.F. | Situe então o problema das cheias, porque me parece que se há desvio de verbas, o governo federal também nos assiste nas grandes enchentes. Talvez uma similaridade nesses aspectos….
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D.S. | Não, primeiro é o seguinte: a cheia é o inusitado, é surpreendente. Já a seca é apenas uma convivência secular, a primeira coisa. Segundo, a cheia é um período… Não é tão longo quanto o da seca. A cheia é uma coisa que é quinze dias, trinta dias, no máximo dois meses, em que as pessoas se deslocam da sua casa, completamente inundada, perde todos os seus móveis, todos os seus pertences, muitas vezes ficam completamente inutilizadas, e elas vão então, para aqueles barracos, aquelas casas de lona que eu não sei como é que eles chamam. Essas casas de lona que o exército oferece a todo mundo e tal. E ficam ali na maior promiscuidade e ociosos, porque o governo não vai dar frente de trabalho para um negócio de quinze dias, de trinta dias ou de dois meses. Então, ficam milhares e milhares de pessoas à margem dos rios, pode-se dizer, fica todo o teatro da desgraça do lugar em que ele mora e na ociosidade total, sem trabalho, com epidemias prestes a se desencadearem. Então, eu acho que é um problema muito pior do que o problema da seca, porque mesmo na seca ele vai pra frente de trabalho, mas na hora que ele quiser voltar pra casinha dele, ele encontra a casa dele. E no período de cheia, não. Ele perde tudo e o que é pior, com cheia as verbas não vêm, só prometem, mas não vêm Ainda hoje está se esperando auxílio prometido pelo governo federal da cheia do Jaguaribe, verificada há três anos. Quer dizer, a ajuda é feita mais, é por nós que damos o agasalho, que damos o sapato velho, que fazemos propaganda aqui, campanhas na cidade para mandar recursos para o pessoal. Comida que se manda, é bolacha, é feijão, é arroz, são assistentes sociais que vão e tudo, porque é uma coisa rápida, mas de impacto eu tenho a impressão de que é muito pior do que a seca, a seca ela vem lentamente. O homem olha o sol e ao mesmo tempo vai se preparando, “se daqui a tal dia não chover, eu vou embora”. Ele está se preparando. E, a cheia, ele dorme na sua casa e acorda sem ela. Eu acho que… e além do mais nós não estamos acostumados àquilo. Eu acho que para o homem que está no teatro de operações como vítima, ele sofre muito mais é na cheia.
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L.F. | Entendo o seu ponto de vista. Presenciou o episódio do Orós, a ameaça de arrombamento do Orós, não?
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D.S. | Foi mesmo. Posso mesmo dizer, o episódio mais emocionante da minha vida. Eu, nesse tempo, eu dirigia a Gazeta de Notícias, então, acompanhamos assim como plantonistas mesmo. E, Luciara, foi a primeira vez que eu vi assim… Homem chorando em torno de mim. Porque nessa época jornal era meio difícil de fazer, não existia “off-set”, eram clichês .E então nós preparamos a manchete do jornal.. Arrombou….porque nós sabemos que era minutos… E todos os redatores, vinte e quatro horas de plantão, nós aguardando a hora para anunciar e tal, debaixo daquela tensão nervosa tremenda, e finalmente quando o rádio anuncia “está arrombando, a água começa a romper a parede e tal”, e que a gente olha de lado assim pensando ou que estava chorando sozinho, tinha mais ou menos assim, uns dez ou mais redatores chorando em torno de mim. De modo que é um traço altamente emocionante, inclusive, tem agora um rapaz, está ali na outra sala, o rapaz participou comigo e na mesma hora toda a imprensa foi mobilizada e as atenções e todo o Ceará se concentraram nela, de modo que eu participei e participei mesmo com muita emoção e permanentemente todo o processo eu acompanhei. | |||
L.F. | Deve ter sido mesmo uma experiência forte.Como redator do Anuário do Ceará, o senhor tem boas informações sobre a seca de 58 ?
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D.S. | Desencadeada a seca ela foi oficialmente declarada no Ceará. O próprio então diretor do DNOCS que era o Sr. José Cândido de Paula Pessoa, oficiou ao presidente da República, expondo toda a situação quando aqui cidades como o Icó, Iguatu, eram invadidas pelos flagelados. Então, o DNOCS reservou inicialmente para o Ceará, para obras, para as frentes de serviço, trinta milhões naquela época, hoje eu não sei como se pode calcular em termos de dinheiro atual, mas naquela época eram trinta milhões. A coisa começou mais ou menos já em março para abril. Mal passamos 19 de março, que é a data limite, o dia de São José, que é a última esperança,o dia D, não é? A turma toda à espera por chuvas e aí o processo realmente se desencadeou. A Presidência da República então nomeou a chamada Comissão de Assistência às Vítimas da Seca. Aqui esteve o diretor do DNOCS acompanhado do Sr. Edmundo Regis Bittencourt, que era do DNER, também, salvo engano, diretor do Denerim que era xxxxx rurais, enfim, todos os órgãos federais que exerciam o trabalho aqui no Ceará. Foram abertas nesta época, em todo o Nordeste, 145 frentes de trabalho, em que a maior parte ficou no Ceará. Essa Comissão de Assistência às Vítimas da Seca era integrada pelo Ministro da Fazenda, de Trabalho, Indústria e Comércio e o da Saúde. Eram as áreas justamente que eu assisti. Essa comissão era Central e cada estado tinha a Comissão Estadual. O governo fez o que pôde. Eu tenho dados que mostram que em 1958, o DNOCS pretendia aplicar aqui no Nordeste 564 milhões a 100 mil cruzeiros, mas isso foi muito, além disso, porque além da seca tinha a eleição e outros gastos numa etapa posterior à eleição. O DNER chegou a empregar 6000 flagelados nas frentes de construções de estradas. O DNOCS, outro tanto na construção de açudes. Enfim, cada órgão, era Ministério da Agricultura, Ministério do Trabalho, cada Ministério utilizou um pouquinho. Posso dizer que a frequência média de flagelados nessa frente, nessa época, de acordo com um documento que eu tenho aqui em mão inclusive, essa frequência média diária de flagelados nos meses de abril até dezembro foi num total geral de 8.578.173, a frequência. Mas, é um somatório realizado a frequência foi em torno de duzentos e poucos mil homens. E você pode observar aqui nesse quadro uma coisa muito interessante. Quando se desencadeou a seca, logicamente que no começo é que poderia ter um maior número de flagelados, mas vocês observem que aqui, em meio o Ceará amparava 172 mil flagelados em números redondos, mas lá pertinho da eleição de Outubro é quando aumentou tremendamente para 281.916 flagelados. Pelo menos os números aqui mostram que com as eleições os flagelados foram colocados mais para as frentes de serviço, houve mais atração. É um dado que a aritmética vem comprovar aquilo que nós consideramos que naquele instante, de qualquer maneira, teve uma afluência maior de flagelados para as frentes de serviço e sem querer fazer trocadilho uma influência também . Afluência e influência. Em 1958 mais do que nós poderíamos dizer é que no Ceará eu acredito, que a quase totalidade dele vivia debaixo da zona da seca, apenas porque hoje nós somos 141 municípios, apenas quatro não estão na zona da seca. Apenas ali o Cariri que realmente não tem a seca talvez, mas realmente foi um período muito difícil. É o que a memória me permite dizer para vocês até o momento. É isso. Espero que eu possa contribuir com alguma coisa, com alguma informação.
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L.F. | Que tentativas considera mais sólidas, entre as tomadas pelos governos no âmbito estadual, federal, para minorar o problema das secas no Ceará? | |||
D.S. | Uma das tentativas que nos fez esforço tem a FUNCEME no âmbito estadual, através do bombardeamento das nuvens para o fabrico artificial das chuvas. Tem de qualquer maneira era conjunto de irrigação do DNOCS que é um passo bem adiantado. Essas são medidas realmente com algo de novo que se tem, o restante é a repetição do que vem acontecendo desde D. Pedro II, é as frentes de serviço, flagelados nas estradas, oferta de emprego nesse período e tal, mas, de novo que a gente vê é esse esforço do DNOCS para esse projeto de irrigação e no caso do estadual em si, a Funceme. Uma fundação porque se refere aos estudos e execução de projetos de execução artificial das chuvas, através do bombardeamento das nuvens. É o que eu sei assim como repórter, que me parece assim mais positivo e novo em relação ao combate às secas.
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L.F. | E como o vê a atuação da SUDENE e do BNB?
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D.S. | Não tenha dúvida que o Banco do Nordeste e a SUDENE deram um panorama novo para o Nordeste. Agora, em relação à seca só agora que estão falando no Projeto Sertanejo, por parte da SUDENE mas não está executado ainda. Em termos de seca, ela não deu nenhuma contribuição nova. Também esvaziada, coitada, por técnicos e dinheiro, eu tenho a impressão que não é ali que nós vamos encontrar a solução, não, porque seca tem que ser o Departamento Nacional de Obras Contra as Secas, mesmo. Acho até inclusive, que ninguém devia estudar o negócio, que devia concentrar o maior número de verbas de dinheiro para o DNOCS porque o nome está dizendo, é para isso. E a SUDENE seria mais o aspecto geral de Superintendência dos trabalhos como o próprio nome está dizendo.
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L.F. | Por que o senhor considera a SUDENE esvaziada de técnicas, como disse há pouco, e de dinheiro?
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D.S. | Ah! Isso é notório. A SUDENE hoje, ou melhor, já de alguns anos para cá, primeiro, teve os seus, os incentivos diminuídos, porque os primeiros incentivos se destinaram à SUDENE e à SUDAM, depois veio uma parte… Essa fatia dos incentivos foi como que picada, é o picadinho dos incentivos. Passou a ter um percentual para os investimentos no setor do reflorestamento para melhorar o meio, e o fato é que houve essa diminuição de verbas. Vinham incentivos fiscais, vinham do imposto de renda. E quanto aos técnicos, eles não tiveram condições de pagar bem a esses técnicos e eles foram sendo absorvidos pela iniciativa privada. Hoje é bem difícil um técnico de gabarito realmente continuar na SUDENE, dado o ordenado baixíssimo que ele recebe. Agora, isso é próprio… O superintendente já disse que realmente ele encontra dificuldades na formação de equipes porque elas foram realmente absorvidas por quem paga melhor, dado a iniciativa privada.
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L.F. | Não teria também a SUDENE alijado do seu quadro de planejamento o chamado cientista social, para beneficiar somente os técnicos?
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D.S. | Eu acredito que sim, porque se até os técnicos também sofreram decesso, quanto mais os chamados cientistas sociais para os quais o técnico periga em qualquer parte da SUDENE, inclusive, não se tem, não se olha com tanta simpatia para eles, Se até eles próprios se chocam, quanto mais os cientistas sociais.
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L.F. | Como o senhor vê as medidas que o governador Adauto Bezerra vem tomando para contornar o problema da seca? Se eu não me engano, a Tribuna do Ceará, trata da suspensão de uma caravana de estudantes que viria a Fortaleza prestar homenagem ao prefeito, ao governador?
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D.S. | Eu desconheço esse segundo aspecto da questão. Sei apenas que o governador faz o que pode. O governo do Estado em relação à seca, não pode fazer muito, não. Porque o Estado em si em épocas boas já tem dificuldade de manutenção, quanto mais num período assim, excepcional como é o da seca. Mas, dentro do que ele pode fazer, eu estou vendo que a equipe está realizando o que pode. O que eu tenho a adiantar é que, por exemplo, a SOSC, que é uma Superintendência de Obras do Estado do Ceará, aqui chefiada pelo engenheiro Luiz Gonzaga Marques, ele tomou conta de seis frentes de serviços, se não me engano, estão empregados 2.100 homens. E isso em termos de Estado já é uma boa contribuição. Quer dizer, o nosso Estado não se ausentou do problema, realmente o que falta é recursos para amplamente atender a esse problema. Eficácia de Planos e Projetos também. Não há nada de consistência, acho ou que receba valorização.
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L.F. | Parece então, que o auxílio vem em maior número do governo federal…
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D.S. | Só o governo federal. Normalmente as verbas estaduais não são para problemas surpreendentes como esse, não. É como eu disse: o Estado não tem condições de atender com verbas próprias a solução de sua problemática já existente, quanto mais com problemas de seca. Tem que ser o governo federal mesmo.
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L.F. | Então, o prestígio do governador do Ceará, junto ao Presidente da República, seria correlato à solução da questão?
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D.S. | Como essas frentes de serviço… Aí já não é uma dependência do governo, é, por exemplo, como eu disse que os órgãos existentes para esse setor ainda não apresentaram algo de novo na solução desse problema da seca. Então, continuamos com frentes de serviços, com abertura de estradas, com construção de açudes, e com esses aglomerados de flagelados e dando a eles uma diária pelo trabalho deles. Tudo o que já observamos e conhecemos.
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L.F. | E o peso político do governador, não teria nenhuma influência nisso, não sensibilizaria os setores responsáveis diretamente por isso, ou uma amizade pessoal, o prestígio junto ao Presidente da República?
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D.S. | Eu acredito que sim. Isso, vamos dizer, contribui para apresentar. Mas, o fato em si da seca emociona realmente e de qualquer maneira, uma amizade a mais junto às altas esferas, é óbvio que deve favorecer muito. Tanto que, pelo que se lê nos jornais e tudo, as verbas realmente estão chegando, não estão deixando de pagar os flagelados, não. O dinheiro vem. Eu acredito que sim. Mudar os destinos do Estado é que é outra conversa.
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L.F. | Então, seria o caso do governador Adauto?
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D.S. | Não chego a tanto, não. É uma decorrência natural, porque nunca faltou dinheiro assim, para se pagar o flagelado, não. Não acho que haja necessidade de tanto prestígio no governo federal para consecução dessas verbas de emergência, correto? Agora, eu acredito que uma amizade a mais pode favorecer para a solução de problemas não emergenciais, mas o problema na sua perenidade, quer dizer, oficiar planos do governo que tenham por objetivo a solução de algum problema e tudo. Essa é válida, é natural, quem tem mais amizade com mais rapidez consegue as coisas.
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L.F. | E quando o senhor era deputado e surgia um problema relativo às secas, como era que a Câmara se comportava. Buscavam soluções práticas? As fontes desses debates parlamentares, só nos Anais?
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D.S. | Aí, o papel do parlamentar no caso é debater para acordar, certo? O executivo. Então, a coisa não andou em épocas de secas, em épocas de dificuldades. Caberia ao deputado reclamar, pedir, dramatizar a situação, porque é através dessa dramatização que a imprensa vai averiguando os seus informes e isso ganha extensão, vai ter aos órgãos do sul que são os que realmente têm penetração e têm audiência por parte dos governos e com isso então, favoreceria a remessa das verbas necessárias ao combate do problema. Então o deputado àquela época exercia um papel muito importante, porque ele reclamava mesmo, ele brigava pelas verbas e chegava realmente. Hoje, pela própria conjuntura tem que ser um pouco mais calmo, não é? Tem que refrear um pouco mais as suas emoções. Por mais corajoso que ele seja de qualquer maneira ele tem que ser um homem freado, não é? Tudo vai está disponível nos Anais da Casa, isto é bem importante, ter | |||
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. | os Anais. A Assembleia tem seus Anais. O que se diz e que publica discursos dos senhores deputados, sei que vocês poderão encontrar os subsídios maravilhosos através desses Anais da Assembleia.
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L.F. | Vejo alguns Anais da Assembleia aqui… | |||
D.S. | Sim. Inclusive eu tenho na minha mesa, aqui estão, Anais do meu tempo. Os discursos de todos os deputados são publicados e gravados. Não sei se essas gravações são guardadas. Mas todo discurso de deputado, todo pronunciamento é gravado, taquigrafado e depois publicado. Eu devo ter ainda, de 1958, devo ter muita coisa ainda do meu tempo.
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L.F. | O senhor doaria alguma das gravações de algum pronunciamento seu ao Programa de História Oral?
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D.S. | Gravação de discurso eu não me recordo de tê-los, não, salvo engano, eu tenho alguns pronunciamentos mais vamos dizer, em época de eleição. Campanha eleitoral e tal. Não é seguro se ainda tenho, não. Porque, politicamente, eu tentei desencadear realmente, então, eu nunca mais fui olhar nessas cartas de saudade que a gente tem, mas eu vou verificar, se tiver eu acho que não tem grande valor, não, mas posso dar.
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L.F. | À época do senhor quais os deputados que mais se destacavam?
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D.S. | Sinceramente, o deputado que eu enfrentava assim, com receio de sair com a minha vaidade ferida foi o Pontes Neto, um grande deputado. É um homem que tem cultura, tem conhecimento, tem rapidez de raciocínio e esse eu enfrentava realmente com muito cuidado. Outro deputado também era o deputado Raimundo Ivan, foi um ótimo deputado. Também, nós na hora do digladiar, eu tinha que ter muita atenção para não ser envolvido, porque o Raimundo Ivan, ele tinha um processo de retórica muito interessante. É o domínio do chamado na ciência da retórica, é chamado o processo socrático. É. o orador que vai conseguir afirmações do adversário, então, “o senhor diz isso assim, assim, assim, e é por isso assim, assim”. A gente vai dizendo, sim, sim, sim, e quando menos espera está envolvido e cai na tese antagônica. Agora, quem conhece um pouco de retórica, cedo aprendia o macete do Raimundo Ivan, mas de qualquer maneira era uma demonstração de muita inteligência. Então, era um deputado que eu também achava que dava trabalho assim. Já o Pontes Neto era mais o homem da cultura. Ele era marxista, filosoficamente marxista, dialeticamente ele vale a pena, sabe? Ainda hoje nas minhas leituras, no que eu gosto de ler, estão os seus discursos e os meus debates com o Pontes Neto e com o Raimundo Ivan. Como orador assim, vamos chamar “comissieiro”, um orador bombástico, um orador que traz aplausos da galeria e tal, mas sem muita substância, mas de qualquer maneira que vale a pena ver o aspecto de beleza era o Chagas Vasconcelos. Um bom orador, agora, um orador “comissieiro”, entende? Um orador pra nenhum literato por defeito e tal. Agora, para discussão mesmo, como adversário, o Pontes Neto está acima de todos os outros, sem querer desmerecer os demais, como também havia outros que quando eu entrei na Assembleia, relativamente moço, eu olhava assim, com uma respeitabilidade muito grande porque eu como estudante nas galeras da Assembleia já olhava como eles se comportavam, e tudo. Eram verdadeiras raposas da política. Inicialmente, entrei na Assembleia com medo, mas depois eu verifiquei que não eram assim… Por exemplo, Barros dos Santos, meu querido amigo Barros dos Santos, que era líder do governo, com quem eu mantive um combate com ele durante seis anos seguidos na Assembleia, era um deputado fácil da gente debater porque os processos dele eram processos que eu conhecia desde menino. É aquele processo puramente governamental, bitolado, então era um homem que a gente facilmente derrotava num embate, mas o Pontes Neto, não, esse era difícil. Já tinha um outro, o Plácido Castelo por exemplo, esse era mais um historiador, todos os pronunciamentos do Plácido eram mais sobre História. Não era um homem do debate, ele apenas tinha muita prática. Eu me recordo uma vez, que eu na época dos Anjos Rebeldes, a que me referi, eu fazendo um combate sistemático ao Virgílio, numa mensagem dele em que era para nós que não tivemos aprovado o que pretendíamos, nós fizemos um rodízio na tribuna, então, a sessão começou às xxx horas da tarde e emendou a noite toda, então, cada um… eu falei seis horas seguidas, o Luciano falou quatro horas, mas nós fizemos esse rodízio para chegar ao fechamento da assembleia e a mensagem não ser apresentada, e para eu poder aguentar aquele rojão eu começava então a provocar partes dos deputados, principalmente o Barros dos Santos, porque com um aparte, a gente arranjava novo assunto para poder preencher aquelas seis horas, então, e eu me recordo de que o Plácido Castelo, que era do governo chega para o Barros e diz assim: “Você quer derrubar o Dorian, não aparteie”. Mas o microfone estava aberto de modo que deu para ouvir. Mas o Barros dos Santos eu provocava até que ele realmente falava e tal. Mas foi um grande deputado e por sinal essa opinião é até corroborada pelo próprio governador Adauto Bezerra, porque o Lúcio Brasileiro, o Lúcio Brasileiro cronista social, um dia desses, há uns dois meses atrás conversando com o governador Adauto perguntou: “Governador, quando o senhor foi deputado quais foram os três deputados que mais lhe impressionaram? ” Aí o Adauto respondeu: Pontes Neto, Dorian e o terceiro eu não digo”. Aí o Lúcio disse: “Quem será esse terceiro”? Eu disse: “Não, aí é porque houve inteligência do governador, porque qualquer um que se sentir queixoso porque não foi incluso, ele diz: “Não, o terceiro é você”!
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L.F. | Inteligente saída mesmo! E o Dr. Plácido Castelo, como que ele utilizava ai a História, que sentido ele dava, procurava fornecer exemplos da História?
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D.S. | Não. Ele… o Plácido é do Instituto Histórico e Geográfico do Ceará, então, quando nas grandes datas ele escrevia os seus pronunciamentos e relembrava os nossos fatos maiores, por seus pronunciamentos era mais de natureza histórica. Não era o deputado do dia a dia não. Não era. Ele era mais um deputado assim… a gente chamava, menina, era o deputado da História. Todos os grandes acontecimentos históricos e tal, pronunciamentos e tudo eram com ele. Não foi um deputado assim do vira e bate parlamentar, assim confrontando, atuante, não.
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L.F. | E chega a governador. Pode ser reflexivo e observador, alguém relacionado tanto à História?
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D.S. | Não sei. Eu sei que trocando tudo isso por miúdo, há aqueles que se dedicam ao estudo da História passada, aí não têm tempo para criar atritos com os que fazem a História de hoje. Então, não mais fácil de serem escolhidos e galgarem posições mais elevadas. Aqueles que querem fazer a História de agora é que se atritam muito e que podem se prejudicar. É um homem tranquilo.
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L.F. | E quanto aos deputados que trabalhavam nos bastidores, os que trabalhavam em silêncio, arregimentavam forças, faziam planos e não só se envolviam em embates, em discussões, em discussões parlamentares?
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D.S. | Um deles: Batista Aguiar, era o articulador. O Almir Pinto também. Samuel Lins. Eram deputados que viviam mais justamente da. Arte de conversar, de contornar situações, era o que eu me lembro deles três, parece que evidenciam bem esse lado importante, diga-se, da vida parlamentar. Porque não se pense, não se faça injustiça acreditando-se que o bom parlamentar é aquele que está na tribuna. Muitas vezes há aqueles que atuam bem nas Comissões, ou nas articulações, quer dizer, há um desempenho para cada um e todos têm a sua importância. Não é só da tribuna que vive o Parlamento. | |||
L.F. | Apesar do senhor não ser um técnico, que alternativas o senhor daria para o desenvolvimento do Ceará?
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D.S. | Eu acho que ainda é aquela de Brasil colônia. A pecuária não tem oura saída, a pecuária por enquanto, até que a tecnologia chegue aqui no Ceará e mostre novos caminhos, tecnologias que devem existir. Exemplo, nós, com o governo do Sr. César Cals descobrimos o óbvio, que o Ceará era bom para caju. Depois descobrimos aquilo que tinha sido descoberto, depois deixaram descobrir que era o café. Já agora, estão falando no urucum, A Ibiapaba agora todinha aguarda e vai entrar para o urucum, essa plantinha de fazer colorau e que se planta nos quintais e que já são dois projetos grandes que vem por aí com a plantação de urucum. Acham os entusiastas dessa nova plantação que é superior ao café. Então, enquanto essa tecnologia nos mostra, nós temos que viver realmente é da pecuária, que segundo eu tenho colhido como repórter pecuarista aqui do Nordeste, que é o Sr. Geraldo Rola, esse homem me declarou ontem, textualmente: “o melhor local do Brasil para a pecuária é o litoral nordestino”, e eu me surpreendi com a afirmação e perguntei: “Mas, considerando o Rio Grande do Sul, considerando Minas, Considerando Goiás, Mato Grosso, que são os grandes centros de pecuária do país”. Ele disse: “Considerando tudo isso e lhe explico por quê. Porque, primeiro, o litoral nordestino sanitariamente, é melhor do que qualquer outro, enquanto o gado do gaúcho, o gado mineiro, o gado mato-grossense, o gado goiano, de Goiás, é vacinado para dez espécies diferentes de doença, o gado nordestino a única vacina que toma é a da aftosa, é a única doença que aqui e acolá se faz sentir, quer dizer, sanitariamente, o ambiente é maravilhoso para a criação do gado, por causa do nosso sol, relembrando agora o velho Dioclécio de Castro, não é? “O sol é o nosso grande médico, o sol é a nossa salvação. Além do mais, nesse litoral as águas são drenadas, não existe pântano no litoral nordestino. A água no subsolo existe, cavou a água chega. A única contraindicação seria o solo fraco, mas isso já hoje com as tecnologias não é problema mais, agora, considerando tudo isso que pode existir no Rio Grande do Sul, nós temos que olhar o preço da terra, então, olhando o preço da terra daqui, com o preço de Goiás, com o preço do Rio Grande do Sul, com o preço de Minas Gerais, vamos verificar que a rentabilidade do criador de gado aqui no litoral do Nordeste é muito superior à do Rio Grande do Sul e de Minas Gerais. Então, essa vocação que é do Brasil para o homem da pecuária, ainda hoje é o nosso bom esteio de agronomia. Então, enquanto não vem tecnologia, vamos criar gado.
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L.F. | Pode-se ter tecnologia derivada do leite também.. E o Ceará como alternativa de turismo, o que o senhor pensa?
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D.S. | Não tem as condições, estrutura nenhuma para turismo. Até aqui não se criou infra-estrutura Aqui poderia se nós tivéssemos condições de fazer aqui, jogo, cassinos, grandes hotéis, para trazer essa velharia norte-americana e europeia que joga internacionalmente e tomar banho de sol em nossas praias durante os 360 dias do ano, e jogar e deixar aqui, que fora disso, não tem condições de turismo, eu não creio nesse turismo assim como força econômica, é mínimo.
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L.F. | Doutor Dorian, o senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa nessa entrevista?
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D.S. | Só que eu me senti muito lisonjeado por essa oportunidade de depor para a História, lamentando apenas que não tenha podido contribuir com fatos mais significativos, porque meu desejo, e pela vaidade do meu coração, eu queria que tudo isso fosse em relação a mim, mas é que eu tive que falar mais dos outros e não sei se nesse depoimento eu vou criar até ressentimento e tal, mas acreditando que se o sentido é depor para a História, deve ser o quanto possível aproximado da realidade. A realidade ás vezes nem sempre é simpática para as pessoas, não é? Eu lhes agradeço. |