Entrevista com o Deputado Federal Parsifal Barroso

Entrevista com o Deputado Federal Parsifal Barroso

PROFESSORA LUCIARA SILVEIRA DE ARAGÃO – Responsável pelo convênio. Entrevista com o Deputado Federal Parsifal Barroso, dia 17 de Junho de 1976, para o Projeto de História Oral produto do Convênio da Universidade Federal do Ceará com o Arquivo Nacional do Rio de Janeiro.

 

 

L.A.  Deputado, o senhor poderia fazer um breve resumo de sua vida pessoal, filiação, nome completo, data de nascimento, enfim, todas essas coisas que pudessem servir a dados para uma biografia?

P.B.  Pois não. Nasci a 05 de julho de 1913 nesta cidade de Fortaleza. Filho legítimo do professor Hermínio Barroso e de D. Emília Cunha Barroso. O local do meu nascimento atualmente está derrubado pela Avenida Leste-Oeste, não existe mais a casa em que nasci no antigo calçamento de Messejana, mas toda a minha primeira parte da vida transcorreu naquele bairro, onde fiz meus primeiros estudos de alfabetização, com a professora Beatriz Ibiapina e, depois, vim a terminar o primário no Colégio Cearense do Sagrado Coração. Em seguida fiz o curso secundário no Liceu do Ceará, e me formei em 1933 pela Faculdade de Direito do nosso Estado, tendo começado logo em seguida a minha vida pública portanto já participei da campanha da reconstitucionalização do país, como resultado da revolução de são Paulo, em 1932. Fui, portanto, iniciado na política em 1935 quando se operou a primeira reconstitucionalização no país, tendo sido eleito pela Assembleia Legislativa do Ceará de que participei com meu primeiro mandato de Deputado Estadual o extinto chefe político Menezes Pimentel.

L.A.  Além desses aspectos que o senhor mencionou, poderia incluir alguma coisa ligada ao seu número de filhos, o nome de sua esposa, episódios interessantes de sua infância, por exemplo?

P.B.  Atendo a solicitação da professora Luciara esclarecendo que, casei-me em 1937, com a senhora Raimunda Olga Monte Barroso, que tem sido ao longo de minha vida pública o braço direito para a conquista de todas as vitórias que hei logrado. Recordo que na minha infância conheci pela primeira vez um presidente de Estado, o inesquecível Presidente Justiniano de Serpa, tinha eu de cinco para seis anos de idade.. Aproximei-me do Presidente Justiniano de Serpa e ele entendeu que eu estava desejoso de conhecê-lo, após saber que era, disse-me: “Estude sempre. Porque foi assim que cheguei a governar o nosso Estado”. Meus filhos são: Vera Maria, casada com duas filhas que são as minhas netas mais velhas; Francisco Regis, que já foi Deputado Federal como eu atualmente sou, e casado, possui um filho que está ao meu lado nesta entrevista e é o meu  neto  Igor;  depois  vem  meu  filho  Roberto  Parsifal  que  reside  nos Estados Unidos, “New York” e tem dois filhos; depois minha filha Siglinda Maria, que reside em Brasília como um neto, e finalmente, Olga Emília, ainda solteira e universitária que reside neste apartamento. Eis minha família com os filhos e os netos.

L.A.  E quanto a algum episódio que o senhor guarde de lembrança; alguma traquinagem dos tempos de garoto. Gostaria de falar ou lembrar algum desses episódios?

P.B.  Sempre fui um menino bem acomodado, além do conselho do Presidente Justiniano de Serpa para que eu me dedicasse exclusivamente ao estudo meu pai sempre exerceu sobre mim uma influência muito grande, como professor que era, de modo a me tornar um aluno que, afora as horas de estudo tinha as horas de lazer apenas em companhia dos nossos alunos do Liceu, meus inesquecíveis amigos, colegas; depois, posso afirmar sem receio de contestação, tomei tão a sério a obrigação de trabalhar e de estudar, que toda a minha vida ficou restrita a esses deveres: trabalhando, estudando desde a idade de 16 anos. Por isso meu começo de vida como professor corresponde à idade de 16 anos, e a minha formatura ocorreu quando eu tinha 21 anos incompletos, e em meu primeiro mandato de Deputado Estadual estava com 22 anos. Assim sempre exerci a minha vida preso a esses 2 deveres, ao cumprimento dessas duas obrigações: de estudar e de trabalhar. Antes dos 16 anos trabalhei como entregador e carregados de embrulhos em Fortaleza.

L.A.  Sr. Parsifal, o senhor se reportou à Revolução de São Paulo, 1932. Poderia nos falar mais detidamente sobre este assunto?

P.B. Participei não só da eclosão do movimento revolucionário de 30, como também da primeira revolução que houve para a reconstitucionalização do país, em São Paulo, cujos frutos foram a reconstitucionalização operada em 1934, como os governadores dos Estados eleitos pelas assembleias legislativas em 1935. Meu primeiro mandato está correlacionado com a campanha de reconstitucionalização, oriunda da revolução de São Paulo e com o governo constitucional do ex-governador Menezes Pimentel.

L.A.  A respeito do ex-governador Menezes Pimentel, hoje já extinto, o senhor poderia nos dar uma opinião pessoal sobre Menezes Pimentel como homem, Menezes Pimentel como político? O senhor acha que o Ceará esqueceu muito depressa Menezes Pimentel e a sua obra?

P.B.  O Ceará não tem  propensão para o cultivo da memória histórica, e é um povo avesso à tradição. Portanto, nada mais comum do que nossos homens públicos passarem depressa, e deles não ficar na memória coletiva aquele culto que noutros Estados existe. Posso dar testemunho, por exemplo, de que o Recife ainda hoje, e em Pernambuco de modo geral, o nome do ex-governador Agamenon Magalhães é objeto de comentário laudatório por parte de qualquer elemento do povo, enquanto no Ceará não sinto a  mesma  ressonância  em  termos  de memória coletiva com referências ao nome por mim sempre lembrado e saudado, do ex-governador, deputado, senador Menezes Pimentel. Mas o que acontece atualmente com o nome e a lembrança de Menezes Pimentel de um modo geral pode-se aplicar a qualquer outro político do Ceará, em virtude de não termos nós, como povo, amor e propensão ao culto do passado, à  veneração das nossas tradições, porque, andamos sempre para a frente e nunca nos voltamos para rememorar e cultuar lições do passado. É uma regra geral da vivência do povo de que venho e ora represento na Câmara dos Deputados.

L.A.  Seria possível o senhor dar uma explicação com relação a essa atitude do cearense, ligado ao… não direi o desprezo, mas eu direi a um certo descaso pelo cultivo da memória histórica, das coisas ligadas à História?

P.B.  Parece incrível que um Estado como o Ceará, que deu o maior historiador até hoje reconhecido como tal no Brasil, que é Capistrano de Abreu; um Estado que é pioneiro na pesquisa histórica através do Instituto do Ceará, pelo inesquecível pesquisador e historiador que foi Barão de Studart, não tenha no conjunto como povo o amor à História, o culto do passado e a veneração às tradições. Posso intercalar um exemplo para caracterizar melhor o meu pensamento. Quando governei o Estado, de 1959 e 1963, a pedido do Instituto do Ceará, providenciei a homenagem através de estátuas a vários imortais do nosso Estado glórias legítimas do nosso povo, em diversos setores, como Farias Brito, como Gustavo Barroso, como Delmiro Gouveia, como Capistrano de Abreu. Mas, na realidade, não recebi qualquer estímulo ou palavra de agradecimento por haver deixado em Fortaleza essas cinco estátuas que ora estão nas praças principais da nossa capital. E, para confirmar ainda melhor, a última dessas estátuas somente agora, no governo Adauto Bezerra, é que veio a ser inaugurada, a de Alberto Nepomuceno, o maior nome da música cearense, e talvez um dos maiores da música brasileira. Três governos se passaram, e a estátua de Alberto Nepomuceno somente agora a pouco tempo, é que foi inaugurada. Isso prova que não há de fato esse interesse, esse amor por essas lembranças, desses cultos que fazem o passado interligar-se como o presente de modo a se poder entender melhor não só o presente, mas o próprio futuro em termos de prevenir o destino do Ceará e do seu povo.

L.A.  O senhor nos disse alguma coisa ligada ao seu ingresso na carreira política. Eu gostaria de saber se esta mencionada carreira política é de fato um valor na vida do senhor, ou se em algum momento ela lhe trouxe algum dissabor com referência à intromissão na sua vida particular, se o senhor poderia mencionar isso?

P.B.  Na minha vida pública, tenho mais tempo de serviço como professor de que como militante político. Posso, todavia,  informar que, na vida pública, através dos mandatos que exerci, no poder legislativo e no poder executivo, não posso me queixar de que o exercício dessas atividades públicas tenha perturbado a minha vida privada de pai, porque,  na realidade, toda a minha família tem participado como um só corpo, e uma só alma, de todas as lutas que participei na militância política.

L.A.  Dr. Parsifal, o senhor poderia numerar os postos que ocupou, e falar das suas experiências durante tais períodos em que esteve em cargo de relevância política, como por exemplo, a sua atuação como Ministro do Trabalho? Gostaria de saber se o senhor pode se alongar sobre suas experiências como Ministro do Trabalho?

P.B.  Posso prestar um testemunho por amor à verdade histórica, dizendo que, efetivamente, os quase três anos em que fui Ministro do Trabalho e da Previdência da Indústria e Comércio do ex-presidente Juscelino Kubitschek foram para mim um aprendizado vivo daquilo que eu chamo a vivência da problemática nacional. Eu tinha através do meu mandato, primeiro de deputado federal, e o segundo de senador da República. Porquanto, quando fui Ministro de Estado, era Senador, mas na realidade só incorporei à minha vida esse patrimônio de vivências de toda a problemática nacional quando fui Ministro do Trabalho da Previdência Indústria a Comércio. De 1956 a 1958, foi quando fixei uma visão global sobre a realidade brasileira, escalonando não só os seus problemas, mas ainda as perspectivas de solução para cada um deles em escala nacional. Também posso afirmar que, nos quatro anos em que fui governador, de 1959 a 1963, tive outras espécies de aprendizado que se incorporaram definitivamente ao meu ser de homem público. Isto porque, a visão do regional, a problemática do Nordeste, as vicissitudes da vida enfrentadas pelo Ceará, dentro do contexto nordestino, tudo isso eu só vim a sentir bem ao vivo durante os quatro anos que governei o Ceará, e que foram os quatro anos iniciais da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste. Há uma coincidência dos quatro anos do meu governo, com os primeiros quatro anos da vida da SUDENE e, foi  nesse período que verifiquei a necessidade ainda não atendida de termos um planejamento microrregional que ainda nos falta, mas hoje na Câmara dos Deputados, o acervo desses dois patrimônios de vivência e experiências e de lutas como Ministro de Estado e como governador do Ceará, constitui o que eu de melhor posso fornecer ao meu país, ao Nordeste e ao meu Estado no exercício do mandato de Deputado Federal.

L.A.  Dr. Parsifal, exatamente porque eu sei que a experiência do senhor foi muito frade quanto à criação da SUDENE, inclusive o senhor participou das reuniões preliminares, eu gostaria de saber se é possível o senhor nos dar  dados sobre a criação da SUDENE, como se processavam tais reuniões,  os membros mais ativos, enfim, a política direcional de um modo geral que envolveu a criação desse órgão?

P.B.  Posso informar com absoluta segurança que, logo após os primeiros anos de funcionamento do Banco do Nordeste do Brasil foi verificado a necessidade de uma agência de desenvolvimento para o Nordeste e, o ex-presidente Juscelino Kubitschek não criou diretamente a SUDENE tal qual ela existe hoje, nós tivemos uma fase de experiência com o Conselho de Desenvolvimento do Nordeste, CODENE. O CODENE foi justamente o estuário aonde vieram desaguar todas as experiências, todas as reivindicações, todas as críticas dos governadores e dos técnicos do Nordeste, antes de existir a SUDENE. Várias vezes o CODENE esteve em diversas capitais do Nordeste para se poder verificar a melhor forma de estruturação operacional dessa agência de desenvolvimento que tantos benefícios vieram prestar ao Nordeste. Ressalto assa particularidade para que se verifique que não nasceu a SUDENE apenas de uma ideia do seu primeiro superintendente, Celso Furtado, nem dos técnicos como Rômulo de Almeida e outros, Jesus Vaes Pereira, já falecido, porque, técnicos e políticos deram-se as mãos e por muito tempo através do CODENE, puderam somar suas experiências e nortear o governo quanto a melhor forma de estruturação da atual Superintendência de Desenvolvimento  do  Nordeste.   Durante   cinco   anos portanto, essa experiência para mim demonstrou  que essa agência de desenvolvimento deveria ter nascido conjuntamente com o Banco do Nordeste do Brasil. E,  defasada um pouco em relação ao crescimento do Banco do Nordeste do Brasil, a SUDENE tem enfrentado lutas que estão ainda na memória do todos, mas ou uma capacidade de resistência que na minha opinião resulta desse aprendizado desse somatório de muitas experiências que procedem à sua criação legal.

L.A.  Detalhe, por favor, quais dessas lutas enfrentadas pela SUDENE o senhor acha que foram realmente as mais duras?

P.B.  A SUDENE tem lutado desde o seu nascimento, porquanto, nós que participamos das primeiras reuniões do seu conselho diretor, como governador  do  Ceará,  afirmamos que,  as primeiras lutas resultaram da dificuldade de escalonar cada Estado, suas prioridades de atendimento em matéria de infraestruturas, para a arrancada do desenvolvimento e a visão de conjunto que a SUDENE já tinha do Nordeste brasileiro, sem poder dar conta daquelas solicitações, todas aquelas demandas que no primeiro momento surgiram como se cada Estado desejasse ser atendido prioritariamente, no atendimento às suas reivindicações. Foi preciso muita luta para se criar uma disciplina que através dos planos diretores da SUDENE pudesse ir atendendo gradualmente a essa maré montante inicial, de necessidades e de reivindicações de todo o Nordeste. Depois a SUDENE enfrentou a luta dos seus planos diretores; atualmente a luta está mais difícil ainda, porquanto, com a modificação do planejamento nacional e não havendo mais os planos diretores da SUDENE, toda a matéria das reivindicações e das necessidades do Nordeste entram dentro do plano nacional de desenvolvimento. E, através do plano nacional de desenvolvimento e dos orçamentos plurianuais de investimentos é que nós vamos atendendo às necessidades, aos relamos, e às reivindicações de cada Estado do Nordeste. Portanto, são os planos diretores que a  fase atual o atendimento a todas essas necessidades do Nordeste, principalmente aquelas que estão ligadas à infraestrutura que não se criou para as áreas que estão na zona do cristalino, poderem ser produtivas, tudo isso hoje já se torna mais difícil de ser alcançado em termos de atendimento, porque dentro de um plano nacional de desenvolvimento, e de um orçamento plurianual de investimentos, nós não podemos detalhar tanto quanto ao tempo  em  que a  SUDENE  tinha  seus  planos  de  diretores, mais isso  gerou uma outra ordem de problema, que é a da proliferação dos programas especiais, hoje, nós temos vários programas especiais  em  execução  no  Nordeste,  sem  que  a  SUDENE esteja aparelhada instrumentalmente, operacionalmente, para poder fiscalizar a execução e apurar os resultados dos vários programas especiais que estão sendo implantados no Nordeste.

L.A.  Deputado, esta condição pela qual a SUDENE passa, não seria um produto da política que ela adotou em beneficiar somente os profissionais ditos técnicos, e de um certo modo aleijar os cientistas sociais, ou noutra linguagem, os pensadores, aqueles que de fato poderiam planejar em função da sua experiência, do seu treinamento de pesquisa?

P.B.   Respondo com muito prazer sua pergunta, porque ela encerra um mundo de indagações que eu desejo esclarecer, pelo menos, uma a uma, as principais: desde 1946, está o Brasil sob o sigo da economia, do economicismo e da econometria. O primeiro plano que foi ao tempo de governo do ex-presidente Eurico Gaspar Dutra, o plano “Salte”, já tinha marca dessa economia em termos de prevalência sobre o social, portanto, o fenômeno antecede muito ao do surgimento da SUDENE. E, em relação ao Nordeste, há uma atenuação dos efeitos desse economicismo, que vem cada vez mais dominando o Brasil, porque, o Nordeste é uma carga de tensões sociais, é um repositório de reivindicações marcadas pelo sentindo social. A própria literatura do Nordeste, aquela que marca a sua presença na história da literatura brasileira é resultante da relevância do social entre nós. Então, numa região em que o social está aparecendo e estourando em todos os escalões, em todos os segmentos da estrutura social. O economicismo já não tem aquela influência de tanta prevalência como no resto do Brasil. É-nos mais fácil contra atacar em relação a esse prevalência economicista quando estamos defendendo causas do Nordeste porque nossa região é marcada pelo signo do social e sua problemática só vem a ser atendida em virtude das tensões sociais que estão subjacentes à infraestrutura do Nordeste.

L.A.  Diz-se ainda que a SUDENE, eu acredito que no quarto plano diretor, ignorou previsões de seca no Nordeste. O que o senhor diz a respeito?

P.B.  Efetivamente, ainda não se pode criar dentro, já não digo no Nordeste, mas no Brasil, os serviços em bases científicas de prevenção de secas. A SUDENE não pode ser atacada ou criticada porque ainda não está capacitada com toda a estrutura de ciência e de técnica que ela precisa possuir, para dar conta dessa tarefa de prevenir as secas e provocar as chuvas artificiais, A meteorologia brasileira ainda está um tanto atrasada a esse respeito e, somente agora, o Instituto   Tecnológico   da   Aeronáutica,   através   dos   seus   cursos  técnicos especializados, a partir do seu curso de física de nuvens está criando uma estrutura técnica capaz de poder, não só na região nordestina, mas em qualquer outra, fornecer o instrumental científico e a capacitação técnica para a previsão de secas e a provocação de chuvas artificiais.

L.A.  Deputado, e o que o senhor pensa da teoria cíclica do Mr. Hull?

P.B.  Na falta de uma explicação convincente, de cunho científico sobre a velha interrogação das secas no Nordeste, das hipóteses que existem, considero a de Mr. Hull, dos períodos cíclicos, a que corresponde mais ou menos à realidade que se tem vivido. Mas, agora, no ano próximo, vamos ter uma oportunidade de testar mais rigorosamente esse caráter cíclico, porque o ano será de 1977. E o de 1877, deixou a experiência amarga de uma grande seca.

L.A.  Por favor, poderia dar uma opinião pessoal sobre Celso Furtado, a SUDENE, depois de Celso Furtado?

P.B.  Guardo da ação, do devotamento e da competência do primeiro superintendente da SUDENE, uma boa recordação. Tivemos muitas divergências em relação ao seu modo de ajudar o nosso Estado. Lutei muito contra ideia suas enquanto governei o Estado, e ele superintendia a SUDENE. Mas, razões eu tenho, portanto, para me considerar insuspeito nesse elogio que lhe faço, porquanto, nessa fase inicial, chegar à estruturação e à disciplina dos planos diretores que a SUDENE teve, em minha opinião representa uma prova do acerto com que conduziu os primeiros passos da instituição.

L.A.  O senhor acredita haver harmonia no planejamento e execução das obras contra as secas entre os diversos organismos que se interessam para solucionar o problema entre, inclusive, os recursos do governo federal e do governo estadual em conjunto. O senhor acredita que exista de fato essa harmonia no plano de aplicação, uma fiscalização rigorosa?

P.B.  Com referência a essa pergunta, desde quando governei o Ceará, pude verificar a dificuldade de podermos harmonizar completamente os planos que o governo do Ceará tinha em relação à sua seca e as medidas de prevenção dos efeitos da seca no Ceará, e aqueles programas que estão historicamente, com responsabilidade na base técnica do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas. Nós não podemos deixar de reconhecer quantos benefícios o DNOCS tem proporcionado ao Nordeste e ao Ceará, mas na realidade, até agora não foi possível chegar-se a uma continuidade administrativa e a uma coordenação de esforços que garantisse, por exemplo, que já estivesse pronto todo o  plano de açudagem pública, do primeiro inspetor de secas que foi Arrojado de Lisboa. Os sistemas de grande açudagem pública do Ceará, na sua maioria estão inconclusos, faltam açudes que o próprio DNOCS considerou indispensáveis à regularização das águas dos respectivos rios. Só temos no Ceará em sistema de açudagem completo: é o do Curu. Os demais estão incompletos. Faltam açudes no sistema do Jaguaribe; faltam açudes no sistema de Acaraú; faltam açudes no sistema de Poti, então, esses açudes públicos, eles não foram pedidos, justificados, postulados pelos políticos, foram os próprios técnicos do DNOCS que os consideraram básicos, fundamentais, quer para a regularização dos rios que são barrados, quer para a perfeita execução dos programas de irrigação. Vez por outra, que na área do rio Acaraú, ou do rio Jaguaribe, nos invernos rigorosos tomamos ciência de enchentes que resultam da falta desses açudes, que  ainda não foram construídos. Bata esse fato para que se tenha uma visão perfeita da falta de continuidade administrativa, da falta de unidade de ação, de comando, para assegurar a realização ininterrupta do grande programa que o DNOCS possui, antes da SUDENE, para enfrentar os efeitos da seca do Nordeste.

L.A.  O senhor considera uma solução paliativa as chamadas frentes de serviços?

P.B.  A solução para tentar-se a assistência que é exigida em  tempo de seca, varia desde quando da prestação da primeira forma assistencial adotada pelo governo que era a da construção de açudes; depois passamos para a fase em que o bom senso mandava descentralizar ao máximo os necessitados do amparo do governo e não criar aglomerações como no tempo do serviço de açudagem ocorria, com problemas sanitários, problemas sociais que a disseminação, através da construção de rodovias posteriormente eliminou,  ou atenuou. Já agora, nós temos a modalidade das frentes de serviço que se destina a prestar uma assistência tanto quanto possível próxima ao local onde os trabalhadores exerciam suas atividades rurais. Há a vantagem de não distanciar muito o necessitado do auxílio federal, da sua área de trabalho, e da própria casa e de sua família. Mas as obras  que  resultam  dessas  frentes  de  trabalho,  elas não têm aquela magnitude em termos de atendimento a necessidade do Estado, como ao tempo em que eram construídos os açudes,  rasgadas estradas, feitos campos de pouso. Hoje está diferente a forma de prestar essa assistência, mas, na realidade, nós só teremos o atendimento perfeito ou aproximado dessa perfeição que desejamos mais em atenção às necessidades sofridas pelos nossos irmãos, quando a assistência puder ser prestada através da própria propriedade, fazenda, sítio, em que esteja residindo e trabalhando o operário rural necessitado da assistência do governo federal. Acredito que já se evolui muito,  porque  se  compararmos  a  situação  atual com a anterior, já ela oferece uma margem de progresso, mas, ainda estamos numa fase em que as experiências não terminam porque o Ministério do Trabalho também acode as populações, em caso de seca, com as suas bolsas de trabalho. E o sistema de bolsas de trabalho já é diferente daquele das frentes de serviço que são abertas pelo próprio Departamento de Obras Contra as Secas. Ambas as modalidades de assistência são necessárias no momento, mas, ainda desejo e espero em Deus que, construídos todos os sistemas de açudagem, com os respectivos sistemas de irrigação, estamos longe dessa perspectiva, nós teremos nos vales do Ceará a possibilidade do desenvolvimento de uma agricultura resistente às secas.Assim,  então, já se modificará no sentido de atenuação, o atual problema de prestação da assistência propriamente dita aos nossos irmãos, quando são vítimas das estiagens que visitam vez por outra a área Nordestina.

L.A.  Dentro do esquema de soluções do problema das secas no Nordeste, especialmente o Ceará, que é o que nos interessa de perto, qual a margem de importância que o senhor dá ao sistema de bolsas de trabalho adotado?

P.B.  O sistema de bolsas de trabalho tem a vantagem de ser, das formas de prestação de assistência, aquela mais plástica e que com mais facilidade pode atender às necessidades de uma determinada área, quando não se tem ainda previsto, naquele local, uma obra pública que pudesse ser feita pelos operários rurais, pelos trabalhadores rurais, necessitados dessa assistência. De modo que, as bolsas de trabalho, que o Ministério do Trabalho desde 70, vem oferecendo aos Estados nordestinos, representa para mim, a forma mais prática e plástica do atendimento às necessidades imediatas que surjam pelas estiagens, na área nordestina.

L.A.  Essas bolsas de trabalho foram adotadas em que governo e surgiram quando?

P.B.  No Ceará essas bolsas foram utilizadas na última seca, no governo César Cals, através da assistência ampla que essas bolsas trouxeram graças à compreensão do ex-ministro Júlio Barata.

LA.  O senhor mencionou várias vezes a construção de açudes dentro de normas técnicas. Isso seria também um elemento de solução parcial para o problema das secas?

P.B.  A solução das secas é de natureza compósita, isto é, inclui o programa de açudagem pública, que corresponde aos grandes sistemas de açudagem. Inclui a açudagem de cooperação e, inclui a perfuração de poços, inclui a implantação dos sistemas de irrigação, inclui finalmente, as obras do projeto sertanejo que somente agora foi aprovado oficialmente pelo governo da república. Portanto, são várias formas de atuação que, em conjunto vão proporcionando ao Nordeste um fortalecimento da sua infraestrutura de modo a torná-la resiste aos efeitos das secas.

LA.  A unicidade de comando na solução do problema das secas a que o senhor se referiu, poderia ser solucionada de que maneira? O senhor daria alguma sugestão?

P.B.  A unicidade de comando para o problema das secas, quer na fase preventiva, quer na fase assistencial, deve ser centralizada na SUDENE. Se ela não está com uma estrutura operacional, se ela não está com uma organização a altura dessa responsabilidade de controle, fiscalização e apuração de resultados, sou de opinião que a solução depende apenas de se capacitar a SUDENE para que ela possa exercer não só a coordenação dos programas especiais, mas de todos os serviços que na área do Nordeste tenham a finalidade de prevenir os efeitos da seca no Nordeste.

L.A.  Como Deputado Federal como o senhor vê os debates da Câmara quando é levantado o problema das secas. Usa-se vamos dizer assim, muita emoção ou parte-se para soluções práticas?

P.B.  Já me referi à carga de tensão social que existe em toda a problemática do Nordeste quando ela é formulada pelos políticos, quando ela é reivindicada pelos seus líderes, ou quando ela tratada literalmente nos romances que a partir do “Quinze” de Rachel de Queiroz, e da “Bagaceira” de José Américo de Almeida, ainda constitui uma forma de questionamento da problemática das secas, e ainda agora tive a oportunidade de apresentar, em Brasília, à sua intelectualidade, o romance do cearense Luciano Barreira “Os Cassacos”, editado já neste ano de 1976, onde o problema das secas é abordado sob uma modalidade de expressão literária, mas com a mesma carga de tensão social que existe nos debates do problema das secas, neste ano de 1976, quando ela nos visita apenas como uma seca parcial. Nós não estamos num ano de seca total, mas de seca parcial. Há Estados do Nordeste isentos, há outros que sofrem como o Ceará, e outros que ainda estão sofrendo mais como o Piauí e a Bahia. Mas, quando esses assuntos afloram no plenário, quando os debates se abrem, a parcialidade é inevitável. E  por isso, muito se perde, porque na realidade, se ao invés da postulação reivindicatória em tom passional, ao invés dos debates inflamadas de passionalidade, nós nos reuníssemos para verificar qual a melhor forma de se garantir para o Nordeste a execução de um programa e de uma política continuamente voltados para o fortalecimento da nossa economia.Ainda reconhecendo que  temos uma economia ainda  frágil, e para a construção de todas as obras e de todos os recursos que pudessem ser postos à disposição do Nordeste. Com o enfrentar às secas e se nós ficássemos na vigilância da continuidade garantida para a execução desses programas, nós poderíamos lograr melhor êxito no serviço dos nossos irmãos nordestinos, do que nos debates que travamos todos elas carregados desse tom social e da carga passional.

L.A.  Com a larga experiência de homem público que o senhor tem, poderia dar indicativos, ou melhor, dizendo, soluções para a economia e para o desenvolvimento do Ceará, em médio prazo ou a longo prazo?

P.B.  A respeito do nosso estudo, posso dizer com toda a segurança que, eu considero o mais difícil e o mais desafiante para o atendimento dessas necessidades que não comuns a todo o polígono das secas, mas que aqui no Ceará, tem um acento todo especial e diferente, porque o Ceará é o que sofre mais, é o que tem mais dificuldades para resolver a problemática, a começar pela sua configuração geográfica, que dificulta muito o atendimento da construção de todas as obras de infraestrutura de que ele necessita. Um Estado de configuração geográfica longitudinal, como o Rio Grande do Norte, a Paraíba, Pernambuco, Alagoas, tem mais facilidade para a realização de obras de infraestrutura. Enquanto isso, os Estados que têm a configuração mais quadrada, como é o caso do nosso Estado, com o arco de costa muito grande, de um dimensionamento excessivamente grande, para darmos conta de toda a problemática do seu litoral, tudo se torna mais difícil. Mas em minha opinião nós temos que admitir a solução em longo prazo, embora nós tenhamos muita dificuldade no Ceará para realizar qualquer programa em longo prazo. Se nós brasileiros somos imediatistas, aqui no Ceará o imediatismo ainda toma uma conotação mais forte porque o cearense descrê de todas essas soluções técnicas, é desconfiado e quer soluções imediatas, e só acredita e vai vendo. De modo que, todos os programas aqui no Ceará necessita de uma adequação ao nosso “ethos”, ao nosso comportamento, ao nosso temperamento. Mas, entendo que em longo prazo economia cearense poderá ser fortalecida, não através de soluções que aparecem de repente como boas e depois não mais sirvam em termos de uma continuidade de exploração econômica. Nós temos, em primeiro lugar, que fortalecer a economia do setor primário: a agropecuária. Até hoje a agropecuária no Ceará não tem a garantia certa, continua de uma política de assistência técnica, de incentivos que fossem corrigidos todos os defeitos e eliminados todas as falhas.  Avalie que um  programa da importância do programa de açudagem de cooperação que existe no DNOCS, somente agora, depois de muitos anos de parado, é que volta a ser admitido como útil, e vai ser novamente implantado, depois de muitos e muitos anos de paralisação. Então, o setor primário da nossa economia é aquele que exige maiores atenções, maiores cuidados e, uma programação contínua de todas as obras que estão previstas, quer sejam as de suprimento de água, quer sejam de preparo de solos para termos uma melhor produtividade nessa grande área que é a maior do Estado, que corresponde a nossa agropecuária. Depois, temos que racionalizar o nosso processo de industrialização, o setor secundário da nossa economia vem se organizando sem uma diretriz que garanta a racionalização e aí está um ponto em que discuti e divergi muito de Celso Furtado. Sempre sustentei na SUDENE contra Celso Furtado que, o Ceará necessitava de um programa especial e diferente para a sua industrialização, porque nós tínhamos várias indústrias tradicionais em nosso Estado, correspondendo às vocações naturais da nossa economia e praticamente em declínio e a de curtumes, com a de tecidos e Celso então, discordando de mim, dizia: “O Ceará deve se industrializar como quiser e como puder”, Eu disse: Não, não é possível. Há que se orientar o processo de industrialização no Ceará, porque se ele nasceu através das vocações naturais da nossa economia, com couros e peles, com algodão, com oleaginosas, deverá desenvolver-se sempre dando preferência a industrialização das nossas riquezas do setor primário da economia, e não indústrias que sejam implantadas dependendo do fornecimento de matéria-prima de fora, de outros Estados. Celso discordava de mim, mas penso hoje que o aprendizado da nossa industrialização dá-me alguma razão. Porquanto, se nós tivéssemos desenvolvido a nossa industrialização, só dando preferência e estímulo ao aproveitamento das nossas matérias-primas ao desenvolvimento industrial das nossas vocações naturais, da própria economia cearense, nós já teríamos avançado mais e sendo mais bem sucedidos nessa arrancada em que estamos da industrialização. Finalmente, ainda acredito que atendidas às reivindicações do governo do Estado de há muito postuladas, o Governo Federal estabeleça uma política para o aproveitamento das riquezas minerais que o Ceará tem e podem ser desenvolvidas em favor nosso e em proveito dos demais Estados. Acredito, todavia, que sem a garantia primordial da execução dos programas básicos do DNOCS em relação ao Ceará, no que se refere à açudagem pública. A açudagem de cooperação, poços profundos e sistemas de irrigação sem que isso esteja em plena execução com garantia de continuidade, nós não podemos enfrentar segurança os desafios que ainda nos assaltam ao longo da nossa evolução econômica.

L.A.  O senhor considera positiva a atuação da bancada cearense na Câmara dos Deputados para obtenção dessas medidas que o senhor mencionou?

P.B.  As bancadas nordestinas todas estão unidas para postularem, reclamarem, lutarem junto ao Governo Federal em relação à satisfação das necessidades que sejam comuns a todo o Nordeste. Um Estado como a Bahia, por exemplo, que tem riquezas extraordinárias que estão sendo exploradas, como as do petróleo, da petroquímica. Um Estado como Alagoas que está em franco progresso de industrialização petrolífera eles se debruçam conosco, do Ceará e do Piauí, quando ao que eles possuem em comum conosco. Refiro-me a matéria de necessidades, ou de açudagem, ou de poços, ou de sistema de irrigação e, juntos temos reclamado ao Governo Federal a necessidade de uma reformulação da política, como o fortalecimento da SUDENE. Isto de modo a que ela seja de fato uma agência de desenvolvimento em condições de poder dar mão forte a cada um dos Estados na execução dos programas especiais porque ela é responsável. Todos nós, portanto, do Nordeste, temos uma ação em comum para problemas comuns. Agora, cada Estado tem a sua problemática específica e, enquanto nós não tivermos no Brasil, implantados o desenvolvimento do planejamento microrregional, nós teremos necessidades de exercer uma ação contínua e conjunta como a da bancada cearense para obter o atendimento daquilo que por justiça reclamamos do Governo Federal. Vou dar apenas um exemplo para que se verifique como esse trabalho se exerce. A muitos e muitos anos o Ceará pede ao Governo Federal para a construção do ramal ferroviário Piqué Carneiro – Crateús; sabemos que os Departamento de Estradas de Ferro e a Rede Ferroviária Federal não são favoráveis à construção desse ramal quem para nós do Ceará como obra ferroviária é de importância indiscutível e de prioridade, toda a  bancada federal luta e vem lutando e continuará a lutar para o Governo Federal reconhecer que esse ramal ferroviário Piqué Carneiro – Crateús deverá ser construído e não ser considerado uma obra arquivada no seu projeto já feito há tantos anos, quando o Ceará precisa demais dos benefícios dessa ferrovia ainda não construída. Mas todos nós estamos juntos para a obtenção do atendimento a essa necessidade. A mesma coisa se refere, ou da mesma forma nós nos comportamos em relação aos açudes públicos que nos faltam. Ainda há poucos dias veio à tona a necessidade de se construir o açude Jaburu. Está reconhecida a necessidade de se construir esse reservatório d’água, da mais alta importância para o nosso Estado e, no entanto, nada há de esperança até agora, para que se acredite que se vá começar o açude Jaburu. No entanto, todos nós estamos não só reclamando constantemente a construção dele, como dos demais açudes públicos que faltam aos nossos grandes sistemas de açudagem.

L.A.  Dr. Parsifal, e quanto aos problemas de seca surgidos no seu governo, de algum modo perturbaram a sua figura de homem público, a sua imagem como governador?

P.B.  Fui eleito em 1958 durante uma grande seca, quando procurei garantir para os meus irmãos cearenses, o máximo de assistência que o Governo Federal lhes podia dar naquele momento. Durante os quatro anos em que governei o Ceará fui beneficiado por quatro invernos, um dos quais muito excessivo, aquele que arrombou o Orós.

L.A.  Poderia nos falar então sobre a assistência que o Governo Federal deu nessa época ao Estado do Ceará?

P.B.  A assistência nessa época constitui-se justamente em ser reconstituído e reconstruído e restaurado todo o açude do Orós, o que se fez ainda me recordo que, poucos dias antes da mudança de governo, portanto, antes da posse do ex-presidente Jânio Quadros, o senhor Presidente da República veio ao Ceará para reinaugurar o Orós inteiramente reconstruído e restaurado. Isso representa muito, porquanto, se levamos tantos anos à espera do Orós seria realmente e triste que após o seu arrombamento ele não fosse de pronto restaurado e reconstruído como de fato o foi.

L.A.  Dentro desse quadro de tensões sociais que o senhor admitiu existir no Nordeste, como o senhor colocaria a relação entre o problema de secas e política, melhor dizendo, a relação entre emissões e política local ligado ao problema das secas?

P.B.  Não há dúvidas que se um pleito eleitoral vai se realizar, em um ano como este de 1976, em que estamos enfrentando uma seca parcial, temos mais dificuldades em poder dar conta das nossas tarefas político-partidárias de preparo do pleito municipal de 15 de novembro próximo. Mas já nos acostumamos a trabalhar com as seca. Nós não temos ainda é termos de convivência com ela. Nós não temos ainda a capacidade de um processo de naturalização com o fenômeno das estiagens, mas já estamos acostumados a receber a visita  para nós desagradável e inoportuna das secas parciais, principalmente como agora estamos sofrendo aqui no ceará. Mas, acreditem que nós políticos nessas fases temos oportunidade de conhecer mais diretamente, ao vivo, as necessidades assistenciais que nos são apresentadas e por nós são levadas em termos de reivindicação, de reclamação ao Governo Federal para o atendimento. Acredito,portanto, que não haja propriamente uma interrelação, um interligamento da política com as secas, mas, desde que o político se defronte com o problema de uma estiagem, como atualmente ocorre, é benefício para o Estado e para nosso povo, que os políticos entrando em contato vivo com essas necessidades, façam e postulem junto ao Governo Federal as solicitações e reclamações para o entendimento que vem chegando em socorro das necessidades dos nossos irmãos.

L.A.  O governo do senhor, Dr. Parsifal, é tido como o que a época que em que se iniciou a montagem da infraestrutura dos órgãos governamentais como a Codec, o Banco do Estado, e o governador Virgílio Távora teria só implantado tais melhoramentos no Ceará. O que o senhor diria a respeito?

P.B.  Posso informar que ao assumir o governo do Estado verifiquei que nossa infraestrutura básica, indispensável ao surgimento de um desenvolvimento econômico equilibrado, precisava, antes de tudo, da organização do planejamento de obras de infraestrutura. E veja, comecei pela de eletrificação, criando a Companhia de Eletrificação do Centro Norte do Ceará, e tornando o governo do Estado sócio minoritário da Companhia de Eletrificação do Cariri. Assim como da Companhia de Eletrificação de Fortaleza, as três que hoje constituem a Companhia de Eletrificação do Ceará. Portanto, se não tivesse criado a CENORTE, se não tivesse tido o cuidado de colocar o Estado do Ceará como sócio da CONEFOR, de Fortaleza, e da CELCA, do Cariri, quando as três companhias formaram o “holding” de uma só que é a Coelce, o Estado não teria condições de ficar no comando como está atualmente. Está, portanto, o problema da eletrificação com um só comando que é o do Estado do Ceará, através de uma só empresa que é a Coelce, Companhia de Eletrificação do Ceará, graças a esse planejamento que foi feito e cujos frutos hoje estão dando os melhores resultados. Outro planejamento que fiz foi em relação aos portos, porque sendo o Ceará um estado exportador e com um dimensionamento de costas para muitos até excessivo, era necessário que se fizesse um planejamento relativo, não só o porto do Mucuripe, mas também, abrangendo os portos de Camocim e de Aracati. Esse foi o segundo planejamento que organizei ajudando o próprio Governo Federal a compreender as necessidades portuárias do Ceará. Depois, para o desenvolvimento econômico, criei o Banco do Estado do Ceará e deixei para o meu sucessor implantar a Superintendência do Desenvolvimento Econômico e Cultural do Estado, a SUDEC, e a Companhia de Desenvolvimento Econômico que posteriormente se transformou no Banco de Desenvolvimento Econômico do Ceará, o BANDECE. Assim sendo, tenho comigo  a   convicção   de   que   pude  a  duras  penas   deixar   as  bases   desse planejamento de infraestrutura de tal forma que hoje ele está produzindo todos os resultados por mim revistos e reclamados pelo povo cearense.

L.A.  É verdade que os recursos do Estado de época do governo do senhor eram menores por causa da sistemática de arrecadação do imposto sobre renda e consignações?

P.B.  Os recursos do Estado do Ceará quando eu governei de 1959 a 1963 eram muito inferiores aos atuais porque não existiam os fundos que hoje alimentam e ajudam a arrecadação estadual. Como também eram muitos diferentes os empréstimos, não pude realizar nenhum financiamento, nenhum empréstimo, pelas dificuldades que naquele tempo existiam, limitando-me a pagar os empréstimos que encontrara e não deixando nenhum acervo de dívidas que dificultasse o governo do meu sucessor. Acredito que o ex-governador Virgílio Távora encontrou o Estado em condições de poder desenvolver o seu programa de governo e sem ter preocupações como o acervo de empréstimos que não fiz e de dívidas que não contrai, lutando com os poucos recursos ao meu dispor para realizar a implantação desses sistemas da nossa infraestrutura econômica.

L.A.  Dr. Parsifal o senhor também  é um intelectual, o seu livro “O Cearense” é tido como uma obra que fornece abertura, numa linguagem mais popular daria dicas para vários estudos e pesquisas para a história do Ceará. O senhor considera este, de fato, um trabalho importante, um trabalho definitivo?

P.B.  Considero o livro “O Cearense” que publiquei quando ainda estava como professor de Sociologia da Universidade Federal do Ceará, um roteiro básico para o entendimento do Ceará e do cearense. Mas, conforme está dito naquele livro, ele é mais uma abertura para o roteiro de pesquisas, e o segundo volume é detalhando essas pesquisas. Não posso assegurar quando devo me conceder algum tempo de avaliação dos meus esforços para verificar se posso ou não dar conta desse segundo volume do “Cearense”, já com o detalhamento das pesquisas que visam a comprovar as teses por mim ali sustentadas. Principalmente, porque estou no momento, em virtude do exercício do mandato de Deputado Federal, preocupado com a feitura de  outro livro que analisará o descompasso brasileiro e terá esse nome.

L.A.  Dr. Parsifal, e com referência às suas experiências de pesquisa em magistério, enfim, as suas atividades intelectuais, o senhor gostaria de acrescentar mais alguma coisa?

P.B.  Gosto de relembrar a compreensão que sempre tive dos meus alunos e dos meus colegas na Universidade Federal do Ceará. Quando provei a uns e outros a necessidade de nos conhecermos melhor a nós mesmos. A nossa realidade telúrica e a nossa realidade humana, para entendermos então o que é o problema social em nosso Estado. O livro “O Cearense” foi o toque de clarim, a primeira abertura para que viessem outros na mesma direção em busca dessas fontes que ainda estão por ser pesquisadas. Mas, durante o período em que estive pesquisando e estudando para organizar o primeiro volume do Cearense, guardo comigo as melhores recordações das ajudas e dos incentivos que recebi da Universidade a que pertenço.

L.A.  Então, Parsifal Barroso intelectual, administrador e político são de fato um só?

P.B.  Acredito que sim porque não consigo dissociar em mim o político do professor que formam uma unidade. Porquanto, nunca esqueço que ao pronunciar meu primeiro discurso na Câmara dos Deputados, em 1951, o falecido colega Israel Pinheiro, ao me cumprimentar, disse-me: “Há quantos anos é professor?”. Eu disse: “Porque me fez esta pergunta Israel?” “Porque suas exposições, embora em tom de discurso, são aulas”.

L.A.  Dr. Parsifal, apesar de permissível, o ministro e o senador não se confundem, na prática, em suas atribuições?

P.B.  O ministro e o senador de fato se confundem porque na realidade ainda há pouco tempo tive a oportunidade de relembrar esse assunto da sua pergunta com o meu colega, o senador Jarbas Passarinho, porquanto ele e eu fomos ministro do Trabalho ao mesmo tempo em que exercíamos o mandato de senadores. E concordávamos os dois que o mandato de senador muito de ajustou e muito serviu para que, tanto ele como eu, pudesse desempenhar melhor as nossas árduas tarefas de ministro do Trabalho – eu numa fase muito intensa de agitação social – ele já numa fase de mais tranquilidade nas estruturas da vida sindical brasileira.

L.A.  Alguma coisa a mais que o senhor quisesse acrescentar, deputado?

P.B.  Quero acrescentar apenas que é preciosa essa iniciativa da Universidade Federal do Ceará, através do seu curso de História, para nesse conjunto de bons propósitos e ótimas atividades do Arquivo Nacional e da nossa Universidade, deixar para os coevos e os pósteros esse acervo precioso de História Oral. Acervo constituído pelos depoimentos daqueles que mais de perto estiveram como os problemas da terra e do povo do Ceará, em posto do poder executivo e do poder legislativo.

L.A. Muito obrigada então, senhor.

Luciara Silveira de Aragão e Frota

● Coordenadora do NEHSC Fortaleza ● Membro do Conselho Editorial deste site

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