História: Coordenadas e Questionamentos

História: Coordenadas e Questionamentos

Luciara Silveira de Aragão e Frota.

Profa. Titular. Fundação Universidade de Brasília.

O historiador trabalha metodologicamente pela condição de exames de vestígios e de constatação das evidências, matéria prima da História. A reconstrução do passado, em suas séries de acontecimentos e situações, o refazer desse tecido com uma hipótese própria, fruto de uma base documental, geram um pedido de diálogo entre o historiador e o documento .O desafio dessa apreensão do passado nos remete a nomes,  correntes historiográficas, filosofias  e  teorias que a respaldam até o presente, fornecendo a explicação do homem e clarificando toda criação duradoura.

Palavras chave:   História. Teoria. Historiografia. Ciências Sociais

 Sempre que falamos ao passado e pensamos no homem e nas formas de progredir da humanidade, nos reportamos aos restos encontrados, vestígios, evidências, temos um tipo de seriação contínua, um tempo de obras e ações onde se embute o progresso. Bem sabemos que o mundo técnico, em seu sentido estrito, desde os utensílios conservados até as máquinas e a tecnologia moderna não representa uma síntese do mundo instrumental humano, pois o saber se estratifica a partir de tudo o que ele pensa, comunica e expressa, somando-se como um todo adquirido em sua trajetória. É a escrita o instrumento decisivo que se última e mais tarde, o advento da imprensa. As tradições orais, o desejo de perpetuar e divulgar o que se pensa torna-se um caminho para livros e aberturas de bibliotecas rumo a aventura do conhecimento .Este saber se torna disponível ,um tipo de fatia do mundo instrumental  de teorias e técnicas com o selo dos sinais codificados numa “ aventura técnica irreversível, todo pensamento novo se serve de maneira instrumental dos pensamentos antigos e trabalha na ponta da história”.(  1   )

Em tantos séculos observamos o percurso do homem dando continuidade a sua subsistência numa série de registros e aprendizagem contínua. Do ponto de vista da metodologia, temos os segmentos da História que denominamos, história das invenções, história das técnicas humanas, história do progresso humano, na tentativa de entender  estas composições em sentido amplo e múltiplo compreendendo que nela se mesclam produções de homens comuns e  de gênios   das mais variadas culturas.

( 1 )  RICOEUR, Paul. História e Verdade, SP: Forense 1968, p.8.

 Trata-se da unicidade na História que torna comum os inventos, apagando muita vez os seus autores.

Mesmo quando a memória das técnicas, das ciências, do poder, conserva essas lembranças, mencionando-se crises, problemas e soluções encontradas, elas se situam  como uma preservação do que foi feito, tal como uma revisão possível em via de ser incorporada a novas propostas e hipóteses que venham a despontar.

Observar  o conhecimento da condição do homem nos induz a refletir sobre um tipo de experiência moral e espiritual que diz de perto ao capital humano  e que se capitaliza como um tesouro e se espelha na arte, nos monumentos, nas liturgias, nos livros de cultura, formando um mundo à parte inserido no todo, fornecendo pontos de apoio como objetos e personificação de coisas que nos são exteriores. Faz-se preciso distinguir o plano das decisões, dos acontecimentos, o começo e o recomeço dos homens e mesmo seu fechamento às experiências vividas, as que nos deixam no plano das evidências, os grandes e pequenos feitos que formaram a tradição. Mesmo quando a abstração desses atos e acontecimentos isolam o movimento da tradição, isto não anula a motivação histórica atuando como um fenômeno cumulativo que só pode ser diminuído ou desfazer-se em ruinas do temporal por eventuais incidentes catastróficos da História. Observe-se que o acúmulo de vestígios nem sempre vinculam o homem as suas obras, nem   invalidam o reconhecimento do progresso acumulado; um progresso que diz respeito ao espírito anônimo do homem, ao dinamismo das suas criações, em meio as civilizações que surgem e desaparecem. Este conjunto experimental de saberes, espiritualidade e obras de cultura, multiplicam as relações humanas em suas várias fases, aproximando-as entre si.

Ora, o que haverá de mais frágil do que uma visita do historiador ao passado? A reconstituição da imagem do homem constitui-se a realidade da cultura, mesmo sem a consistência das instituições políticas ou dos aparatos econômicos, pois apreendemos por meio dela uma realidade objetiva. O legado transmitido pelo homem na literatura, direito, artes, são todas elas imagens carreadas pela cultura e assim incorporadas em monumentos, estilos e todo tipo de obras, fornecendo uma visão de mundo que toma corpo e prospera como parte do material necessário a sua reconstituição na pena do historiador. São fontes que ele deve trabalhar para esculpir uma história mais além da abstração, e que ultrapassa as obras humanas, rumo aos caminhos de uma história concreta onde se privilegiam os acontecimentos e as decisões reconhecendo-lhe um  sentido global.  Isto  reforça o  fato de uma obra de arte poder ser um veículo de  comunicação porque “ mesmo quando não é a face humana  que se representa o que se veicula é ainda uma representação do homem; pois a imagem do homem não é apenas o   retrato do homem , é também  conjunto das projeções  do seu olhar sobre as cousas; nesse sentido, uma natureza morta é uma imagem do homem” ( 2 )

Este diálogo com o passado- cujo homem é o centro – é em princípio um diálogo sem resposta, pois como já nos disse o próprio Ricoeur, a condição primeira do diálogo é a que o outro responda, situando assim a História como aquele setor da comunicação sem reciprocidade. Temos assim um conhecimento inicial por vestígios e buscamos a constatação das evidências que nos confirmem as expectativas de estar no caminho certo. Os acontecimentos fazem a realidade da História, sustentam a sua racionalidade e respectivamente lhe dão sentido. São como centros organizadores, como tal centros que irradiam significações. Em torno desse centro volteiam os anseios da História, do que quer e se pode encontrar. Em última análise podemos dizer que ela busca explicar o homem. O passado distante não é senão o seu passado, assim como a distância temporal – vinculada ao fato – é o outro homem que permanece na memória coletiva. A História é  eivada de tentativas de encontro e de explicação que se expressa pelas manifestações das mais diversas culturas.

Na tentativa de examinar e selecionar fontes, elucidar problemas, o  historiador estabelece métodos para esquadrinhar o passado, obrigando-se a refletir, a definir-se ante as indagações que  surgem em seu mister, na busca de entender o homem e seu legado como agente de mudanças. Seu interesse pelo passado, pelo homem apreendido no seu devir temporal, permite-lhe ver o entrelaçamento das várias manifestações e vertentes do político, do econômico e do social fornecendo-lhe o ampliar da visão histórica e a interpretação das evidências. A história social  é o campo apropriado, pois  como quer Albert Soboul, nos Annales, ela tem toda a História, inclusive a mais tradicional dela faz parte,  independente  de  que  surja  muito ligada ao político e ao econômico. A predominância da intepretação, dando primado ao econômico, pode se revelar inconsistente, além de não excluir o fato de que os acontecimentos podem ter explicação própria.

( 2 )  RICOEUR.Op.cit.p.121.

 Por sua vez, a escolha deles e das suas explicações pode enfraquecer a própria factualidade daquilo que ele escreve, se perder de vista que uma leitura completa dos acontecimentos não pode desprezar as reações do social e nem excluir as iniciativas e a vontade dos homens, individualmente ou em grupo.

Isto não invalida o reconhecimento da aceleração do progresso técnico, seja a revolução industrial ou a revolução tecnológica recente. Ao mesmo tempo em que novos domínios são conquistados pelo homem, surge em paralelo, aos variados e múltiplos movimentos  característicos  do devir humano, o primado do econômico, o aceleramento das mass- mídias parecendo  captar e revelar a pobreza dos fins. Percebe-se que a eleição dos meios faz esquecer vários direitos que os fins precisam urgentemente recuperar. A intricada  disputa de poderes sublinha o conflito de esferas competitivas entre o político e o econômico podendo levar a uma redução dos acontecimentos e a uma perda da autonomia da História, pois nem sempre será fácil atingir, apreender o acontecimento. A informação que o historiador pode fornecer dá uma visão da profundidade dessas mudanças em curso  e abre oportunidades para a reflexão e a compreensão, bem mais do que a partir da interpretação de equações ou de uma atuação marcada como um artigo de fé. Significa dizer que a atuação do historiador não se liga a relevância imediata e que o uso da História estimulando o raciocínio a partir das analogias, pode levar a muitas tomadas de consciência, inéditas e súbitas, algumas imprevisíveis, podendo reencaminhar e reorientar o devir humano, levando a resultados surpreendentes..

Cabe aqui uma reflexão sobre o acontecimento, cuja observação não dispensa os níveis mais simples, algumas vezes, ao nível individual na descoberta desse acontecimento social, inovação “em que se pode encontrar por vezes o germe das transformações humanas fundamentais “( 3).

A noção do acontecimento leva assim  ao papel do indivíduo na História. Nesta perspectiva, não parece razoável sobrestimar a importância do acontecimento, dado que o ser humano é social e individual e em separado do que o precede e do que se seguirá, carece de significação absoluta.  Constatar o acontecimento não é de per si suficiente, pois é  importante perceber a sua gênese e a sua causalidade, enquanto “avaliar  um

( 3)  CRUBELLIER. Maurice. Colóquio de Saint Cloud-Sorbonne in A História Social-  Problemas , Fontes e Métodos. Lisboa: Cosmos, 1967. Discussão pós- palestra, p.63.

 acontecimento é estimar as chances que tem de se produzir”.(  4 )

Vilar nos diz que o conceito do acontecimento, as interrelações entre acontecimento e História e os laços entre o questionável conceito de micro e macro – história, deixam claro que “…os três métodos empregados na história social ,análise das estruturas, estudo das conjunturas, descrição, não permitem apreender diretamente o acontecimento” (  5 ).

Ele indaga se será possível ao historiador o supor na própria medida em que se indicam as transformações e identificam a sua gênese, que  nem todos os atos “voluntários e inovadores são acontecimentos, pois precisam antes manifestarem eficácia e serem aceitos como tais pelos que os cercam. Considera que na prática, o ato eficaz, mesmo     inovador, não terá acolhida. A proposta é distinguir o acontecimento, no sistema e na sociedade, que não quebra totalmente a sua coerência interna, e o acontecimento como sinal de passagem de um sistema ao outro, de um tipo de sociedade a outro tipo de sociedade.” ( 6  )

Sabemos dos registros da memória coletiva demostrando as mais variadas dependências humanas, desde as restrições climáticas, poderio dos seus senhores e escassas possibilidades de sobrevivência relativas a sua saúde e a resultados das pressões demográficas. Eles nos contam dos gostos e costumes revelando aspectos da vida privada e comercial.  Ao longo do tempo, suas conquistas sociais obtiveram o direito ao descanso e ao lazer, vencendo as transformações em curso da economia, levando ao reconhecimento da força das ideias na história humana, poderosa por força dos seus impulsos, para efetuar o processo de transformação que podem modificar as estruturas de que nos fala Braudel.  Neste caso, a estrutura social, considerada por ele como um conjunto orgânico de relações e de coerências, simultaneamente econômicas, sociais e psicológicas, que o tempo mal enfraquece e transmite muito lentamente  ( 7 )

(4 ) BLOCH. Marc . Apologia da História e o ofício do historiador ,R J: Zahar. 2001,p167.

 (5) LEFEBVRE. George. Un  Colloque pour l’ ètude des structures sociales,Paris: Annales 1957, p. 99.

(6) VILAR. Pierre, Histoire sociale  et philosophie de l’histoire. Caderno 47,1964.

(7) LABROUSSE. Ernest. INTRODUÇAO de A História Social, problemas, fones e métodos Lisboa Cosmos, 1967.

A escola histórica francesa, ao que parece, a mais antiga e mais profundamente social de todas as escolas históricas do mundo, abre ao historiador, o caminho das investigações históricas em todas as direções.  Labrousse nos fala que uma nova história social começa com uma história econômica renovada e uma sociologia em pleno progresso. Salienta ser, o objeto dessa história , para além do estudo dos grupos sociais e das suas relações, o estudo entre o econômico, o social e o mental e endossa o ponto de vista de George Lefebvre quando afirma que as  inovações   técnicas pressupõem um contato das ideias, sejam quais forem,  mantem sempre uma relação com a estrutura social do tempo e por conseguinte, com a economia que contribuiu para a criar.( 8 )

Para a Escola dos Annales, não é fácil caracterizar um acontecimento como motor, pois a história se faz ao nível do quotidiano no plano da estrutura. Quanto ao historiador precisa ainda evitar o crivo moral e psicológico do acontecimento e o não condescender a uma história moralizante e subjetiva , mais uma das tarefas que a ele se impõe. Isto sem esquecer o que é próprio da História,  o conter , ela própria, uma farta trama de fatos e acontecimentos sem que esta trama tenha necessariamente um dia posterior, o dia seguinte, que  na sua singularidade, pode trazer consequências possíveis e infindas. Nesta singularidade, a História busca raízes também.  Uma busca que equivale e que é um uníssono entre os adeptos dos Annales “o mostrá-la no tempo, na duração, ato elementar pelo que o porquê é substituído pelo como, e pode, no conteúdo desse último encontrar a sua resposta” (9) em consequências possíveis e infindas.

Braudel enuncia no primeiro capítulo do seu livro História e Ciências Sociais  ( 10 ) a existência de uma crise geral das ciências do homem, todas esmagadas pelos seus próprios progressos, mesmo que isso seja devido à acumulação de novos conhecimentos e à necessidade de um trabalho coletivo, cuja organização inteligente ainda está por se estabelecer. Assim, de uma forma direta ou indireta, todas se veem afetadas pelos progressos das mais ágeis dentre elas, ao mesmo tempo em que lutam contra um humanismo retrógrado, já  incapaz de lhe servir de  apoio ou referência.

(8) LABROUSSE. Idem. Ibidem.

( 9 ) BRAUDEL. Fernand. .História e Ciências Sociais, RJ,  Ed Presença 1976, p 7.

( 10 )BRAUDEL op cit. p.9.

Naturalmente o problema em foco é o como elas superarão as dificuldades, se em inúteis lutas a respeito de suas delimitações fronteiriças correndo risco de incorrer em falsos dilemas e falsos problemas. Alguns pesquisadores de modo isolado tentaram organizar e articular aproximações, como Claude Lévi Strauss, tentando agrupar a antropologia estrutural para os processos de linguística, “os horizontes da história inconsciente e o imperialismo juvenil das matemáticas qualitativas” ( 11  )

É fato conhecido que Braudel reconhece essa realidade, de quando as ciências sociais se impõem umas às outras nem sempre percebem a intromissão de território feita, na crença de continuar dentro dos seus próprios limites. Depois, talvez essas circunstâncias alarguem o solo das descobertas quando a economia descobre a sociologia e “a história-talvez a menos estruturada das ciências do homem  -aceita todas as lições que lhe oferece a sua múltipla vizinhança e esforça-se pôr as repercutir (…..)  Mas de momento urge nos aproximarmos uns dos outros. ( 12  )

Nos Estados Unidos, esta aproximação surge sob a forma de investigações coletivas a respeito das áreas culturais do mundo atual; de fato, as” international areas studies” são, antes do mais nada , o estudo por uma equipe de Social Science dos monstros políticos da atualidade: China, Índia, Rússia, América Latina e Estados Unidos. Impõe-se conhecê-los. Por isto é imprescindível, devido a essa colocação em comum de técnicas e conhecimentos, que nenhum participante permaneça, como na véspera, cego e surdo ao que dizem, escrevem ou pensam os outros” (  13   ).

Como outras ciências, a História sofre mudanças e interpretações a renovam .”A ideia de que os acontecimentos, poderiam ser suprimidos na visão de  Braudel e das Escola dos Annales não é importante para a nova história, segundo a qual, pelo contrário, tudo é acontecimento.” De fato , o que Braudel nos fala é sobre ultrapassar o acontecimento, o tempo breve que o contém, o do periodismo essas tomadas de consciência dos contemporâneos rápidas, em dia, cujos traços nos devolvem, tão vivo, o calor dos

( 11 ) BRAUDEL Idem. Ibidem.

( 12 ) BRAUDEL. Idem. Ibidem.

(13)FROTA. Luciara. História e Historiadores num mundo de conhecimentos, SP, Expressão e Arte, 2012 .p.130.

acontecimentos e das existências passadas” (14   )

A História e a historiografia  após a  sólida contribuição de historiadores marxistas. Recebe a inovação da  História Nova ou Nova História, fruto dos herdeiros dos Annales, corrente historiográfica mais ou menos correspondente à sua terceira geração. Embora com  proposta teórica  nascida  junto com a revista, a  Nova  História Francesa, “ nova inclusivamente em relação aos trabalhos de Fernand Braudel e à escola da revista Annales. Segundo Pierre Nora, nova também “porque põe em causa o próprio lugar do observador, do historiador, deixando de  falar  sob um ponto de vista absoluto – Deus, o progresso da humanidade, a luta de classes- tendo, pelo contrário, de justificar a urgência e a necessidade dos seus trabalhos”.  (15 )  Citando Michael Foucault como um bom exemplo da mudança de  objetos da História, ela sai do estudo dos grandes homens e das  grandes  sínteses e passa a História dos povos e das mentalidades. Esta renovação não se liga só ao estudo das épocas contemporâneas, mas na história antiga, na ideia que temos dos Hititas, dos Gregos e dos Romanos.

Muitos são os problemas, ambições e dificuldades dessa proposta de história e essa renovação inovadora  produz discurso sobre a sua função, o próprio funcionamento do discurso crítico e a incorporação de ferramentas que ajudem a esclarecer como vivem os homens no dia a dia. Uma novidade na historiografia atual, falar do homem desconhecido, daqueles ausentes de celebridade, dos quais nunca se fala nem se ouve a voz.

Nessa ótica, podemos falar da História Oral que surge nos Estados Unidos, depois na Grã- Bretanha e, mais tarde na França, sobretudo depois de 1975, sob denominações variadas sem esquecer que propriamente em termos de História, “ o recurso aos testemunhos orais é antigo. Já em sua  História da Revolução Francesa, Michelet   põe na palavra do povo o próprio fundamento da tradição nacional. No pós-guerra, em 1948, Allan Nevis da Universidade de Columbia, acrescentou as fontes orais captadas junto a testemunhos da História, aqueles que já constavam  de arquivos impressos e escritos. No Brasil, onde é comum o descaso pelos arquivos públicos e particulares, um grupo formado por profissionais da UnB, UFF/RJ e Fundação Getúlio Vargas R/J trouxe uma equipe de professores americanos e mexicanos para formar ali, os primeiros profissionais na área,

(14)  BRAUDEL. Op Cit., p130.

(15) ARIÉS. Philippe, Michael de Certeau, Le Goff, Le Roy Ladurie e Paul Veyne A História uma Paixão Nova -Mesa Redonda  in A Nova História, Lisboa: edições 70 S/d.

num Curso de Especialização envolvendo universidades como Paraná, Santa Catarina, Ceará e Rio Grande do Sul. Coube a PUC/SP o primado da História Oral no Brasil como matéria do currículo de pós -graduação, com o nome de Documentação Oral, sob a gestão   geral de coordenador Joel  Martins e na de História, Yvone Dias Avelino. De qualquer forma, o valor da incorporação desses testemunhos nada representaria não fora a proposta de através desta forma técnica atingir-se pela prática a etnológica retrospecção de um revisionismo que tem como propósito fazer construir uma História com nova base, dando a palavra a representantes de minorias culturais.”  ( 16  )    

Esta história não nega autonomia  ao historiador como um ordenador dos acontecimentos e reconhece o fato de que a “mass mídia” ao  trazer a ele um tipo de monopólio da história  pode implicar numa concepção não só de história, mas de ciência . Constitui a identidade na sua ênfase, como no passado, a oposição a determinados setores do historicismo e do positivismo da sua época: oposição ao historicismo não como um todo e sim ao que se chama história historizante. (  17   ). Pregar a cientificação do pensamento e do estudo humano a fim de obter resultados claros, objetivos e corretos, o positivismo acreditava no ideal distante da neutralidade cientifica.

Observamos que independente das mudanças, ao longo do tempo, se escreva sobre a história, onde o singular é um e se faz objeto, o que ela expressa é a consciência e o tratamento do fato singular. Nos limites do seu material fragmentário a História descobre o fazer e os acidentes do fazer. Assim, “atrás do sinal, descobre o ato e os gestos que compõem o ato. A confissão diacrônica desemboca no trabalho profundo e, até então misterioso da alma coletiva. Episódios, constituição de vocabulário ou de discurso de qualquer forma que seja, mutações lentas, impulsos abortados são outros tantos elementos de que se poderia chamar de vias de comunicação, atalhos, entre a fixação histórica dos sinais e a gestação silenciosa. Tornando vivas as opções e suas obras, a história empresta voz ao gênio profundo do grupo humano, revela o seu trabalho interior,  mostra o  coletivo em sua afirmação de existir, e o equipamento do mundo que lhe daria, ao mesmo tempo,  a sua certeza e, como as certezas guardam limites, a sua promessa de ultrapassagem”.(18)

 (16) FROTA, Luciara. Documentação Oral e Memória das Secas ( Estudos) Brasília – Senado Federal, 1984, p17.

 (17) DUPRONT. Alphonse, A religião : Antropologia Religiosa in História : Novas Abordagens,  p. 104.(18 ) DUPRONT. Alphonse, Op. cit.p 103

Nos referimos ao contato singular e individual da História com o seu objeto, implícito na duração do tempo, como se fosse um contato de participação. Gerando o conhecimento do singular dá inteligibilidade ao difuso, ao mesmo tempo que fornece é a mesma realidade histórica na trama dos seus acontecimentos. Termina-se por verificar que a História fornece uma explicação do existir humano e clarifica toda duração criadora. Temos que nas condições de pesquisa e produção histórica, o historiador pode descobrir, no interior da seleção dos métodos adotados, análise e limites que o norteiam e que se enraízam no passado anterior ao que elegeu como tema. A seleção e elucidação da historiografia que elegeu é, portanto, a chave por meio da qual se abrirá o conjunto de evidências na herança do que lhe ocupa. Seus limites já traçados poderão nesse momento alargar-se: analisar os o que obteve, os postulados sobre os quais se assentam, os procedimentos que adota, constitui um passo decisório propondo determinar as diferenças com relação ao seu propósito inicial.

Como filha do seu tempo, não se pode negar a confluência de correntes de interpretação as mais diversas asseguradas pela heterogeneidade dos pressupostos. De uma parte, influências literárias, religiosas e filosóficas, mas nada impermeável a correções de rota. Na Idade Média, os livros sobre filosofia de Étienne Gilson teciam comentários sobre o viés ideológico, com o uso de recursos implícitos a um princípio organizador ligado numa rede de relações de grande homogeneidade unificando os fenômenos daquela época.   A obra de Gilson foi marcante e ela é uma das resultantes da importância concebida à questão da mentalidade e as noções de influência ao se estabelecer uma comunidade de sentido. Mais tarde, Lucien Febvre, debruçado em novos problemas, censura em Gilson a falta de outras constatações sobre o capitalismo mercantil do século XVI. ( 19).

A posição minoritária do catolicismo no íntimo de uma sociedade secularizada, sem se pretender colocar a diminuição da força de um sistema de poder sobre a pesquisa científica, estabelece uma decadência de valores e contribui para o surgimento de uma disjunção do científico com a significação dogmática da prática religiosa e mesmo com os valores tradicionais.

A história econômica e social dos últimos anos, viu-se alimentada por modelos de análise marxista e rapidamente confrontada pelos variados problemas oriundos da estratificação

( 19 ) FEBVRE. Lucien. Combats pour l´histoire,  Paris: A. Collin, pp. 284-287

sócio- profissional como as relações pré-industriais. Colocando a luta de classes como força motriz da História e gerou uma revolução na perspectiva de visão sobre história e historiador. Finalmente, no marxismo, a história é o elemento útil de uma práxis transformadora de mundo que tem como meta o futuro. Trata-se, pois de uma filosofia pragmática da História. Os estudos frequentes sobre antagonismos sociais levam em  direção a indagações sobre consciência de classes em todas as épocas, e em seguida, ao estudo das prioridades entre níveis de cultura e grupos sociais. As várias pesquisas sobre temas similares demonstram a dificuldade do trabalho do historiador com a formulação e ligação de conceitos vinculantes entre infraestrutura e superestrutura. O simples reconhecimento dessa dificuldade não revela senão o postular de uma necessidade de explicação plausível. Não significa o mesmo que definir e estabelecer o tipo de relação entre os dois diferentes níveis.

Despido de um aparato que lhe permita a explicação do todo histórico, como lhe conviria, fosse pela intervenção ou significado de um fator compreensível e determinante, o historiador verifica os seus  graus da impossibilidade mesmo sem renunciar à ambição da totalidade. Nas armadilhas do seu trabalho, ele se debruça sobre temas que não lhe respondem a inquietação, algumas delas ligadas à questões de capital e trabalho, sociedade e ideologia. Sem dúvida, as questões abertas pelos métodos estruturais podem tornar aleatórios  a colocação de alguns fenômenos. É a interdisciplinaridade acenada pela Escola dos Annales quem pretende dar alguma resposta plausível, levando o historiador a lugares até então desconhecidos, mas preconizados por ela, tais como, a análise dos mitos, o estudo das linguagens, o esboço de uma arqueologia sobre a investigação científica. O interesse de Braudel por disciplinas vizinhas está  sempre sublinhado em seus escritos  a partir do reconhecimento de que outras disciplinas ligadas ao estudo do homem são vizinhas próximas e úteis ao historiador. Todos esses fatos, voltados  às tentativas de aproximação com outras ciências são importantes a partir dos registros sobre a fragilidade do conhecimento  moderno quando tentou compor entre sociólogos estruturais oriundos dos anos 50 e antropólogos behavioristas dos anos 70, posições de encorajamento para compor o suprimento de uma coesão às vezes expressa numa linguagem comum.

A interdisciplinaridade não afastou a História de crises. Alguns se questionaram  ao ler que a semiótica acolhida como ciência, de forma mais recente que a História, produziu interessantes descobertas e nomes como Umberto Eco, para nós de crescente familiaridade. Eco começou a sua carreira com trabalhos como Aristóteles e Thomas de Aquino. Trabalhou também com cultura de massa, televisão, romances populares, além de arte e literatura. Ele “traz à baila a questão de estrutura de mundos, que é preciso esclarecer e postula mundos possíveis construídos por um conjunto de indivíduos providos de propriedades, ações  e um curso de acontecimentos que nunca têm total autonomia em relação ao mundo real , mesmo no caso das narrações de ficção cientifica ou das narrativas fantásticas’ (20)  .

    Para o historiador interessado nas coordenadas do seu trabalho é importante o construto cultural, o  mundo dos seus textos, dentre outras  alternativas, mas quando os corpos  docentes das Universidades de Chicago  e Colúmbia dispuseram a História dentro  do domínio das Ciências Sociais, essa alocação foi conveniente aos economistas, cientistas  políticos e sociólogos visto que grande parte deles envolvia-se com o passado em busca de dados para os seus trabalhos. Para os historiadores pareceu uma forma de promover os seus interesses utilizando um arcabouço teórico já pronto, ao mesmo tempo em que promovendo a sua disciplina também promoviam a si mesmos.

Sem dúvida, o conhecimento englobado nas disciplinas denominadas ciências sociais não podem ser dispensadas, bem como os pertinentes pelo conjunto de disciplinas afeitas a área de humanidades. .Não cabe ao historiador somente participar de parte de fatias do conhecimento, nem mesmo sob a justificativa de depositário de um conjunto de técnicas que podem vir a beneficiar pesquisas futuras. A alternativa de independência seria a mais plausível para poder  fornecer resultados às tarefas próprias do historiador. Sempre plausível devem ser as conexões com as formas de prática existentes, como entre a política e o sistema produtivo, saúde e educação, arte e progresso. Os elos significativos podem ser produtos de estudo, ou então podem significar erros de omissão ou de comprometimento anterior levando a resultados alheios ao progresso que se pretende. As supostas conveniências se mostraram inconvenientes, ponto que requer algumas considerações como a natureza especializada da investigação histórica necessitar de certa iniciação, de fato inerente a ação investigativa. Sabemos que a denominada especialização técnica da história não tem  valor isoladamente, além de assinalar-se  que a sua contribuição não possui, por óbvio, a capacidade de absorção do conhecimento

(20) RALLO. Elizabeth. Métodos de Críticas Literárias, S P: Martins Fontes,2005, p. 202.

histórico. O historiador fornece a outras ciências do homem uma perspectiva enriquecedora sob a ótica da razão, permitindo  hipóteses e referências mais bem trabalhadas,  refletindo melhor a atuação humana nas situações especificas da história vivida naquele momento e daquela maneira .

 Estabelecer até que ponto as formas de sociabilidade triunfam nos grupos, pode levar a indagação de até que ponto se pratica uma história serial ou uma história quantitativa no universo das pesquisas apresentadas, esboço e a insinuação das curvas, ritmos diversos e  rupturas são um conjunto de desafios à espera do historiador. Os seus próprios progressos lhe colocaram armadilhas no percurso, embora seja fácil constatar que para os que querem pesquisas quase inéditas, não há falta de material bruto nos arquivos. 

 A par da escolha temática, pode-se constatar um fato real. A escolha do tema é guiada por um interesse próprio e se inspira numa interpretação que precede o objeto de nossa escolha fazendo ressurgir, no decorrer da pesquisa, os traços de um percurso subjetivo. A busca de fontes segue ao encontro de trabalhos mais antigos que somam e enriquecem o conhecimento do historiador. Ele se beneficia do conjunto de linguagem apresentada pelos textos, informações e análises recebidas, transmissão de crenças e a certeza de que alguém como ele, pensou no passado daquela maneira. É dessa leitura e dessa análise do historiador que flui a coerência interna, ideias e palavras, guiadas por uma estrutura intrínseca, pois o resultado ao nosso alcance é uma evidência, o final de uma pista seguida dantes por outrem.  A reflexão que o toma como testemunho não pode pretender esgotar o seu sentido. Por outro lado, o historiador segue  perseguindo a sua linha independente de intenção, diversa, mesmo que complementar a que se limita aos interesses próprios e respondidos de outra interrogação.

É evidente que todos os modos de pesquisa e interpretação não se equivalem., pois sabe-se que em matéria de fontes, independentemente de suas divisões, algumas surgirão como menos fecundas e menos esclarecedoras. Isto pode ajudar a demonstrar um grau maior de pertinência, pois os critérios na elaboração dos assuntos não têm a simplicidade de uma fórmula.   Certo é que cada vez mais que se alcança o resultado  proposto pelo objetivo temos um ponto de chegada mais próximo de uma totalidade, de nos permitir ver a composição dos elementos e as relações que o constituem historiador percebe que o objetivo alcançado serve a outras aproximações , mesmo que no momento elas pareçam fora de alcance A interpretação é livre para quem se aproximou de um resultado, o fruto de uma reconstituição escrupulosa e que leva a uma palavra convincente.

Apesar das muitas fontes disponíveis em História e dos muitos  esforços concebidos para fazer falar restos e documentos, o texto, como fonte, parece exercer uma atração maior sobre o historiador. Alguns consideram ser o texto, em geral, o que melhor apoia as dificuldades dos temas de estudo, por mais facilmente nos dá uma resposta forte e incisiva, insinua  encurtar a distância que dele nos separa, além de parecer convidar à aproximação do que fala a sua obra. Ele é importante referência no trabalho e está sempre disposto a corroborar ou não com o que dele dizemos. Quem o cita se obriga a dedicar-lhe a maior atenção. Localizado, oferece  recurso permanente de retorno ao que se leu, pois é um objeto disponível. Ele parece perguntar se foi convenientemente observado, compreendido, e se sua análise interna, da forma como se usa numa análise de texto, não limitou o uso e se não houve desconsideração aos dados externos.

A interdisciplinaridade  já referida, proposta pelos Annales e pela  recente História Nova, pode levar ao uso de línguas diversas na interpretação de textos e isto se constitui num maior desafio: o de funcionar como um agente de passagem, manifestando a integridade de uma mensagem, de uma citação, que não deve sofrer alterações. Starobinski nos aconselha sobre a liberdade com que pretendemos escolher “os nossos objetos e os nossos métodos, só o podemos fazer recorrendo a linguagem e aos instrumentos que nos transmitiu a História”. ( 21   )   

 As  dificuldades estão sempre no caminho do historiador comprometido com a seriedade do seu objeto e pedem, em alguns casos, conhecimentos mais específicos sobre artes, política, migrações, geografia, ,antropologia, entre tantos que requisitam alargamento de  domínios. No emaranhado das fontes  disponíveis, o fio condutor, o que  tem para guiá-lo é  a boa e velha evidência como nos assevera Handlin no seu tradicional estudo sobre  a  a verdade na História.( 22)

(21) HANDLIN. Oscar. A Verdade na História, S.P, Martins Fontes/ Editora Universidade de Brasília, 1982, Op Cit..p129.

(22)  STAROBINSKI, Jean in  A literatura: o texto e o seu intérprete – História : Novas Abordagens, pp130-143.

Sem dúvida, a contribuição da História e sua importância, frente ao conhecimento  evicissitudes humanas podem passar pela linguística histórica, permitindo, a exemplo de outras contribuições, o apelo silencioso ou exaltante de nossos dias  quando se recorre à História , para compreender  s gestação das profundidades do de atos coletivos , os atos humanos  das mais diversas naturezas. Funde-se na História os vários tempos, a vida do tempo, do que pode ser tecido com a linearidade  das continuidades históricas. Elas marcam ritmos e períodos sem nenhuma homogeneidade  percebida .Mensurar o tempo, periodizar o tempo são sempre difíceis desafios. Anúncios, acontecimentos,  mudanças sociais, crispações internas, tudo posto num tempo absorvido pelo nivelamento histórico, o suceder do homem na História. A vida na duração, não parece sensível a medidas, mas é plena de tensão ultrapassando a si própria na inquietação e na busca de uma dominação do futuro É  preciso reconhecer que a descrição da historiografia pode ser a única forma de tornar inteligível  o combate pelo exercício do poder e da sua busca por vencer o tempo, imaginando as contrações e perspectivas humanas  da existência coletiva da duração.

A História dá contribuições evidenciais, a partir do acontecimento que compõe a sua  trama. .A convergência dos documentos pode permitir o estabelecimento de variação e continuidade e destaca o individual na profundidade da criação coletiva . Na verdade, o trabalho  feito nesta profundidade  da criação coletiva  é um pouco o que a História faz e o seu sentido e linguagem, numa coerência aproximativa.

 As sequencias históricas, os limites do seu fragmentário destacam o modo de fazer a História  e o seu entorno .O conjunto dos elementos do discurso, transformações lentas, caminhos de comunicação em plena abertura, atalhos entre a gestação silenciosa e a fixação dos sinais, numa forma de fixar as opções, revelando o  trabalho interior  da História e o trabalho coletivo  do grupo numa afirmação do existir humano.

Muito difícil para a maioria dos historiadores é o confronto com os remanescentes de suas atividades passadas. Essa relação com o mundo de conhecimento onde elevada montanha de letras e ideias diluídas no papel ou na telinha do computador, foram geradas  por profissionais das mais variadas procedências e nacionalidades, expressam  e registram seus experimentos coloca a cada um deles numa relação bem diversa com o mundo do conhecimento. Aqueles emaranhados de fontes refletidas em relatórios e tratados formais, as anotações de experimentos, esboços de pintura, múltiplas anotações nas margens, rascunhos e mais rascunhos de projetos e pensamentos oriundos da mente humana atestam que em determinado momento aqueles restos tomaram forma e eram definíveis. Esses elementos são todas formas de reconstrução do passado, expandindo, de forma vertical ou horizontal, a soma de evidências que lança luz sobre novos problemas e equaciona luz sobre soluções. Apesar de na maioria dos casos, as técnicas usuais serem adequadas e suficientes para avaliação das evidências históricas, elas também são registros e as localizações de tempo e lugar, bem como o caráter de seus autores fornecerão os ajustes quando se passa ao plano de avaliação das evidências úteis. ( 23)  A incorporação de novas técnicas. o advento e disseminação dos computadores  e as facilidades de acesso à Internet, a uma rede mundial informativa requerem que os historiadores  estejam nela inclusos para facilidade das suas pesquisas e comodidade de seus trabalhos.

Naturalmente,  muito se espera da História e do trabalho do historiador, como uma certa objetividade, uma abertura retificando o grupamento da história oficial das sociedades tradicionais amealhadas sobre o seu passado. A objetividade em construção, como pretendia Marc Bloch, permite fases como a observação, no pleno sentido da palavra, pois observação não pressupõe só o fato, além da  a crítica e a análise histórica. Nesta linha, temos o pioneirismo de estudiosos brasileiros, como a historiadora da Universidade de São Paulo, Fernanda Pacca no uso de computadores no seu projeto Leviatã ligado ao uso de computadores na História, proposto em conjunto com o também historiador Davi Gueiros Vieira, da Universidade de Brasília, um avanço significativo  na área de documentação histórica voltada para a documentação  da Câmara e do Senado.( 24 )

 O fato de o historiador não poder se colocar em face do seu objeto do passado não desqualifica a importância do vestígio nem é um  demérito para a História. A reconstrução de uma série de acontecimentos do passado com base documental, supõe perscrutar, fazê-lo falar, aliada a hipótese de trabalho do historiador, elevando o vestígio a fato histórico.  

 (23) WRIGHT. Fernanda Pacca de Almeida. Computadores: uma nova experiencia na História. Notas da Palestra. Senado Federal ,.Brasília 2000. Apoia-se também na Escola do  Presentismo e no conceito de evidência nomeado por Handlin.

 (24) A historiadora Fernanda Pacca de Almeida Wright ( USP) e o historiador David Gueiros Vieira, (UnB) , ambos de formação norte-americana, ,já  falecidos, deixaram excelentes trabalhos históricos como, respectivamente Desafio Americano à Preponderância Britânica no Brasil e o clássico História do Protestantismo no Brasil, N.A.

 É a sua intervenção  que produz o documento e ao construir-se, configura-se numa atividade metódica, a crítica .As informações dadas pelos historiadores fornecem uma visão aprofundada, abrindo as possibilidades para melhora da compreensão de determinados assuntos, convidando para uma melhor apreciação dos fatos .

Os usos da História podem ser múltiplos. Empolgados  com o mercado sequioso por uma história desmoralizante e voltada para ridicularizar algumas das suas mais nobres personagens, alguns dos que se rotulam historiadores, escrevem  a chamada  contra história   irrestrita e voltada para um público esfaimado e  descrente dos seus próprios valores de coerência intelectual. Não falo aqui dos esforços para imitar o suspense dos romances ou das licenças tomadas por alguns romances históricos, alguns precedidos também de pesquisa histórica, como o recente romance sobre a vida da Imperatriz  Elizabete ,da Áustria-Hungria, de Alison Pataki. Refiro-me  ao equipamento de repetição usado, por declarações pouco cautelosas sobre assuntos históricos complexos como a Guerra do Paraguai, com a finalidade de pretensamente desmistificar figuras do império e militares como o Duque de Caxias. Certamente, os historiadores sabem que não é sua tarefa a reprodução exata dos fatos, pois não é próprio da sua disciplina o ressuscitar, o reviver integral do passado. A ele cabe  apenas interligar, recompor um eixo retrospectivo. O esforço inteligente renuncia a coincidências, analisa e apresenta resultados de análise  com base na explicação serial dos fenômenos de cunho econômico, político ou cultural entre outros. Decerto, lendo ou escrevendo o historiador  imerge “ num ato de crítica, pois ele está sempre avaliando a evidência. Todo aquele que falha como crítico, falha também como criador” ( 25 ). Sabemos que os que os escrevem , sejam homens ou mulheres, tomam a decisão com base no interesse, tendências ou expectativa de lucro. Ao fazê-lo, empregam uma fórmula a produzir um resultado almejado. Isto também pode explicar que nem sempre a História serve a fins imediatos. No passado mergulham, buscando a legitimidade da construção dos seus mitos e fantasias, ou mesmo de ambos, certamente não por meio dos caminhos legítimos de uma História escrita pelo credenciamento da responsabilidade dos  historiadores. Observemos a quem serve a desconstrução histórica  e o exagero de uma história midiática e pobre .Escrever a História não é uma permissão para ciar falas ou, como todos sabemos, também não o é para inventar o passado.

Composição e crítica são processos contínuos. O “registro literário de um encontro com a  evidência. Não há ponto preciso a partir do qual a pesquisa termina e a composição

(25) BLOCH. Marc. Apologia da História, p.130.

começa. Desde a primeira montagem de palavras no papel , e através das repetidas revisões que moldam a oração aos fatos, a luta para abordar a verdade sugere -exige-  material mais abundante, melhor e mais depurado. É a montagem da última linha que traz consigo  não a certeza de estar certa, mas a certeza de ter exaurido a evidência”.  ( 26 )  O  historiador  de nossos dias pode dispor de instrumentos pouco acessíveis no passado. Adentrar num campo de pesquisa já percorrido por outro significa que sob as mais variadas bases podemos usufruir dos guias construídos pelas pesquisas anteriores. É um processo triangular em auxílio aos pesquisadores posteriores nos saltos de imaginação que ele precisa efetuar quando necessita de um retorno ao examinar  evidências de um passado remoto

.Sempre útil ao historiador é a meditação sobre a importância e os usos da História  Pode ser que estudos desapaixonados sobre temas apaixonantes possam resultar melhores do que o que se possa sugerir sobre paradoxo. Alguns desses estudos podem ter o condão de propiciar  a compreensão de momentos políticos turbulentos como os que vivemos neste momento. Isto não torna o diferir em termos de orientação política, preferência de tema, diversidade do enfoque, bem como quanto  a qualidade do trabalho é louvável evitar a distância da verdade apesar de que isto possa representar pouco sucesso.

Podemos verificar que algumas dessas verdades não resistiriam ao teste das evidências se elas não estiverem reduzidas a um meio certeiro para entrar na lista dos mais procurados e vendidos da semana. Algumas vezes os cuidados devem se estender aos cenários sem a necessidade de uma alteração drástica para situar mais desfavoravelmente um personagem real .A significação do homem na História deve sempre evidenciar um sentido de tempo e lugar em que ocorrem os acontecimentos sem o desvinculamento do papel exercido e das circunstâncias do momento histórico vivido onde se insere a sua ação. O afrouxamento  generalizado das formas e maneiras no trato da narrativa não deve diminuir a importância e o valor da racionalidade e da coerência. Procurar a verdade ainda legitima os valores de uma sociedade sensata e  deve continuar norteando o historiador preocupado com o seu ofício.

Ainda se espera da História e dos historiadores  uma apreensão do passado , como algo distante  de uma força de atração mecânica com o pano de fundo manipulável por seus testemunhos. Uma ação construtiva  de primeira ou segunda mão talvez pudesse trazer o

(26) HANDLIN. Oscar. Op. Cit. p.129.

historiador, antes de tudo um homem moderno, à realidade de que não é de melhor sabor  o gosto pelo relativismo. As invenções e a imaginação às vezes podem ser venenosas e nem sempre vemos a tempo o que é lesivo para a História. Isto vai bem mais além do mister do historiador, oscilando entre a boa e a má subjetividade, diante da responsabilidade de reflexão e de discernimento que lhe cabe.

Sempre em processo de fazer-se, a  História tem a função da esperança num mundo de mudanças  mantendo um diálogo sempre aberto, preservando a sua autonomia e o seu valor. Nem sempre se poderá introduzir uma intenção fraterna nos debates que ela gera. De qualquer modo, é nesse sentido justamente que o ambiente vital da comunicação é perpassado por ela, a luz de todos os debates.

Há como um segundo nível de leitura, quando se dá a passagem da história abstrata onde são consideradas só as obras dos homens, a uma história com crises , decisões, ascensões  quedas e decadência , quando ele “se revela  na acumulação das suas pegadas, (,,,,)uma História concreta, onde existem os acontecimentos”. ( 27  ).De fato, ela permeia reflexões sobre o devir humano  e está sempre inseparável  das percepções éticas, sociais e políticas  das relações entre os homens e dos pressupostos de ordem cultural subjacente.

Espelhando-me no prefácio de Jacques Le Goff  à Apologia da História, onde diz esforçar-se por ser o discípulo póstumo de Marc Bloch, verifico  que a sua legitimidade da História, o problema epistemológico da História , além de um problema intelectual e científico, é um problema cívico e moral. Para ele, a civilização ocidental sempre esperou muito da sua memória e introduzindo o par História-memória, colocou  a memória  como uma das matérias primas da História, mas sem se identificar com ela. Essa atenção à memória é para o Ocidente .herança da antiguidade e do cristianismo e nela pode está o conhecimento de si mesmas. Bloch define ser  a História uma busca, portanto escolha, e seu objeto não é o passado. A própria noção de que o passado enquanto tal possa ser objeto de ciência lhe surge absurda. Seu objeto é o homem, ou melhor os homens, e mais precisamente os homens no seu tempo. Ele também nos ensina  ( 28)  que  a  ciência decompõe o real apenas a fim de melhor observá-lo, graças  a um jogo de fogos cruzados cujos raios constantemente se combinam e interpenetram. O perigo começa quando cada projetor pretende ver tudo sozinho ;quando cada canto do saber é tomado por uma pátria.

(27) BLOCH. March.,  Op. cit.p.130.

(27) BLOCH. March.,  Op. cit.p.131.

(28) BLOCH, Op cit. P.131.

NOTAS

( 1 )  RICOEUR, Paul. História e Verdade, SP: Forense 1968, p.8.

( 2 )  RICOEUR.Op.cit.p.121.

 ( 3)  CRUBELLIER. Maurice. Colóquio de Saint Cloud-Sorbonne in A História Social-  Problemas , Fontes e Métodos. Lisboa: Cosmos, 1967. Discussão pós- palestra, p.63.

(4 ) BLOCH. Marc . Apologia da História e o ofício do historiador ,R J: Zahar. 2001,p167.

 (5) LEFEBVRE. George. Un  Colloque pour l’ ètude des structures sociales,Paris: Annales 1957, p. 99.

(6) VILAR. Pierre, Histoire sociale  et philosophie de l’histoire. Caderno 47,1964.

(7) LABROUSSE. Ernest. INTRODUÇAO de A História Social, problemas, fones e métodos Lisboa Cosmos, 1967.

(8) LABROUSSE. Idem. Ibidem.

( 9 ) BRAUDEL. Fernand. .História e Ciências Sociais, RJ,  Ed Presença 1976, p 7.

( 10 )BRAUDEL op cit. p.9.

( 11 ) BRAUDEL Idem. Ibidem.

( 12 ) BRAUDEL. Idem. Ibidem.

(13)FROTA. Luciara. História e Historiadores num mundo de conhecimentos, SP, Expressão e Arte, 2012 .p.130.

(14)  BRAUDEL. Op Cit., p130.

(15) ARIÉS. Philippe, Michael de Certeau, Le Goff, Le Roy Ladurie e Paul Veyne A História uma Paixão Nova -Mesa Redonda  in A Nova História, Lisboa: edições 70 S/d.

(16) FROTA, Luciara. Documentação Oral e Memória das Secas ( Estudos) Brasília – Senado Federal, 1984, p17.

 (17) DUPRONT. Alphonse, A religião : Antropologia Religiosa in História : Novas Abordagens, Paris : Gallimard, 1976. p. 104.

(18)DUPRONT. Alphonse. Op. cit. P.104

(19 ) FEBVRE. Lucien. Combats pour l´histoire,  Paris: A. Collin, pp. 284-287.

 (20) RALLO. Elizabeth. Métodos de Críticas Literárias, S P: Martins Fontes,2005, p. 202.

(21) HANDLIN. Oscar. A Verdade na História, S.P, Martins Fontes/ Editora Universidade de Brasília, 1982, Op Cit..p129.

(22)  STAROBINSKI, Jean in  A literatura: o texto e o seu intérprete – História : Novas Abordagens, pp130-143.

(23) WRIGHT. Fernanda Pacca de Almeida. Computadores: uma nova experiencia na História. Notas da Palestra. Senado Federal ,.Brasília 2000. Apoia-se também na Escola do  Presentismo e no conceito de evidência nomeado por Handlin.

(24) A historiadora Fernanda Pacca de Almeida Wright ( USP) e o historiador David Gueiros Vieira, (UnB) , ambos de formação norte-americana, ,já  falecidos, deixaram excelentes trabalhos históricos como, respectivamente Desafio Americano à Preponderância Britânica no Brasil e o clássico História do Protestantismo no Brasil, N.A.

 (25) BLOCH. Marc. Apologia da História, p.130.

(26) HANDLIN. Oscar. Op. Cit. p.129.

(27) BLOCH. March.,  Op. cit.p.130.

(28) BLOCH, Op cit. P.131.

Luciara Silveira de Aragão e Frota

● Coordenadora do NEHSC Fortaleza ● Membro do Conselho Editorial deste site

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