História e Cultura de Massa

História e Cultura de Massa

Resumo

A multiplicidade das obras literárias e científicas e o excesso de informações da Cultura de Massa levam o Historiador à necessidade de apurar a crítica como auxiliar na evolução de um processo fidedigno de avaliação. Processo destinado a mensurar não só a sua produção e a que lhe chega às mãos, mas a crítica imprescindível à preservação da dignidade de sua tarefa. Como leitor ou como estudioso, faz parte de seu mister a análise do seu tempo e do seu momento, como forma de inserir-se adequadamente ao momento histórico vivido, utilizando o ato crítico que convoca o mesmo uso dos processos mentais do ato de criação. A Cultura de Massa, nossa contemporânea trás certa complexidade e certa perplexidade, mas, não nos esqueçamos, a busca da verdade histórica parte do resgate da evidência como ponto básico e referencial.

Palavras-Chave: História; Teoria da História; Cultura de Massa; Crítica Histórica.

 

Abstract

The multiplicity of the literary compositions and scientific and the excess of information of the Culture of Mass take the Historian to the necessity to select the critical one as to assist in the evolution of a trust worth process of evaluation. Destined process to not appreciate its production and the one that arrives to it at the hands, in critical the essential one to the preservation of the dignity of its task. As reading or as studious, the analysis of its time and its moment is part of its necessity, as form to insert itself adequately to the lived historical moment, using the critical act that the same convokes use of the mental processes of the creation act. The Culture of Mass, our contemporary backwards certain complexity and certain perplexity, but, in let us not forget them, the search of the historical truth part it rescue of the evidence as basic and referential point.

Word-Keys: History; Theory of History; Culture of Mass; Critical Historical

 

A crítica científica, literária e do pensamento, é indispensável aos estudiosos e pensadores. Faz-se impossível disseminar idéias sem os meios de aferição da eficácia, ou não, do seu curso. A Crítica é, pois, uma referência externa e indispensável que retira do isolamento a produção individual e a grupal.

 

No caso específico do historiador, ela pode ajudá-lo a não repetir erros anteriores, renovando, reavaliando e aferindo, a cada dia, os resultados das suas pesquisas anteriores e da produção de outrem, produzindo resultados em livros e artigos da especialidade. A necessidade da crítica atinge, assim, tanto os escritores e produtores da história, como os leitores de suas obras.

 

Modernamente, a crítica vê-se às voltas com o resultado de enorme variedade de obras, gostos e pessoas, que viram as páginas dos mais variados livros e revistas. O leitor potencial da história poderá dispor de teses e outro material especializado, além de toda uma produção advinda do interesse por temas históricos via Internet, e de outros meios da Cultura de Massa. É o caso das obras de ficção, mui especialmente, àquelas vinculadas a temas bíblicos e à História Antiga e Medieval. Deve-se estar atento às infindáveis fontes que ela gera, para o mister do historiador, buscando-se separar imaginação e realidade. O acesso mais fácil à impressão dos resultados tornou a imprensa um veículo pronto a transmitir qualquer mensagem, até o livro, seu produto final, apto a qualquer conteúdo sob quaisquer influências ideológicas.

 

Entre o historiador e seu público – incluso o dos meios eletrônicos de comunicação – a crítica é importante auxiliar na evolução de um processo fidedigno de avaliação para aferir a distância percorrida entre a escolha do tema e a publicação, preservando a dignidade da sua tarefa. Todos conhecemos as dificuldades da impressão de um livro. Problemas que vão do descaso das gráficas com os originais, a falta de bons revisores, as demoras e os caprichos na pontualidade dos compromissos e, ainda, o fato das publicações estarem sujeitas mais aos ventos mercadológicos, do que às sólidas e imparciais apreciações de qualidade. As estimativas de venda, a comercialização, e principalmente a distribuição levam à disputa do valor como notícia e da atenção do leitor. Decerto, o historiador não sofre as mesmas pressões dos contistas e romancistas, sobre o ser ou parecer na sua vida privada com os personagens de seus livros. Todavia, alguns historiadores e estudiosos das Ciências Humanas e Sociais buscam respostas e elegem temas, na expectativa do caráter de publicidade e estimativa impactante de sua obra. Temos, por exemplo, os livros anedóticos de História do Brasil desprestigiando figuras da Monarquia, como Dom Pedro I e Dom João VI, com mais perspectivas de divulgação em programas de TV, sejam de muita ou pouca audiência, do que aqueles que tratam de temas mais sérios e relevantes. Alguns outros livros chegarão às bibliotecas, obterão prêmios, enquanto outros não serão impressos, e ainda outros se limitarão aos balcões de saldos das editoras e livrarias. Nos lançamentos, surgem os primeiros julgamentos e eles podem ser mais espontâneos e importantes do que o conteúdo final da análise de alguns críticos, que fazem as críticas – dependendo da importância do autor – para serem eles próprios noticiados.

 

Atualmente, na maior parte das vezes, os procedimentos que norteiam as escolhas na área de História pelos que as escrevem, e pelos que as lêem, são similares às escolhas e gostos da Cultura de Massa. O próprio profissional da história, assim como outros profissionais fora de seus campos de estudo, é um leitor a mais, um estudioso como tantos outros. No caso, alguns historiadores dos anos 40 e 50 do século passado apresentaram um padrão crítico não muito alto. Solicitados a escolherem os trabalhos mais significativos das três últimas décadas antecedentes, não demonstraram capacidade “de reconhecer títulos que não haviam recebido aclamação geral que se distingue da aclamação erudita” [1]. Acrescente-se o fato da maioria dos periódicos onde os trabalhos se inserem serem publicações dos associados e associações que se inclinam a favores sem garantia de competência, rendidos no altar das “igrejinhas”.

 

Vê-se, portanto, que o pior não é a falta de crítica aos livros ruins, mas aos bons livros, que ficam sem o necessário reconhecimento. Não serão alguns desses aspectos, aqui colocados, um dos sintomas da influência sobre os historiadores contemporâneos da esmagadora cultura da massa?

 

A cultura de massa compromete-se com o ritmo e a história em movimento. Exaltando valores individuais como felicidade, amor, beleza e auto-realização. É estimulada pela sociedade de consumo, independente da ideologia política oficial. O ritmo marcante da atualidade da cultura de massa vai desde a alimentação dos novos deuses olimpianos, como membros de famílias reais, figuras do jet set internacional, estrelas e astros de cinema e televisão, todos mortais, como qualquer um de nós, às contradições e inversões que estão na base dessa mitologia do indivíduo dos séculos XX e XXI. Dela estão ausentes, porém, as revelações e cosmogonia, ritos e cultos. Mais além, são incapazes de suprir a destituição parcial dos valores, como família e pátria, incapacitando-se de apreender o sentido do Estado, nação, religião, reais vivências humanas. Diferentemente da história, a cultura de massa desconhece estruturas sociais e participações coletivas, mas, vem se revelando incapaz de neutralizar os freios do Estado e da religião.

 

No seu labor, o historiador pode trabalhar o real e estimular o imaginário, quando, por exemplo, tenta evocar aromas, gostos e sons na sua reconstituição da vida tribal primitiva, ou, quando se inclina em estudos de interesses da história da vida privada, onde se trabalham tantas emoções humanas, e é de tanto agrado da “História Nova”. A cultura de massa, contudo, traça com o real e o imaginário uma união íntima, porque realista embebida pelas “necessidades de padrão social, luxo e prestígio” [2]. Ela é geradora de uma vasta riqueza de fontes para os historiadores e outros estudiosos, principalmente para aqueles preocupados com a “história das mentalidades”. Isto porque, a cultura de massa estimula a verificação de fenômenos contraditórios, tais como, as conseqüências diversas dos processos de projeção, identificação e imitação. De um lado, vale estudar a oferta de felicidade na terra, a adaptação, mesmo de fora aos circuitos consumidores e dos padrões individualistas, do outro – os inadaptados, revoltados, incorporados em gangs, crimes de aluguel e drogas. O desenvolvimento econômico social e as aspirações ao bem-estar e à felicidade estabelecem, assim, uma dialética pobre e perturbadora, num grande desafio de ruptura de embrulho de vasto conteúdo não só para os historiadores, mas para todos os estudiosos das ciências humanas e sociais. Não se trata, no caso, de distinguir ciências com zonas de aplicação bem demarcadas, pois seu objeto de estudo é o mesmo: são os homens, é o homem nascedouro de todas as coisas singulares e plurais.

 

Advinda do desenvolvimento técnico, industrial e capitalista, estas sociedades mais evoluídas, as capitalistas, a cultura de massa – via uma dialetização das relações entre conteúdos da civilização burguesa e o próprio sistema técnico-industrial – suscita a indução de correntes dentro dos processos globais. Para falarmos disso, vale lembrar que a técnica individualiza, mas, assim como as sociedades arcaicas estavam cercadas de fantasmas, espíritos, sósias onipresentes, também nós civilizados, do século XXI, vivemos num universo em que a técnica ressuscita essa magia antiga[3]. É, portanto, a técnica que permite o reencontro dos gestos da humanidade primitiva [4]. A recuperação do passado perdido pela parte lúdica de via tecnizada, inerente ao lazer moderno, caminha, assim, no mesmo sentido da cultura de massa. Dá-se, aí, uma duplicidade de como viver e, mais ainda, como não viver no mundo tecnizado. Técnica e contratécnica poder-se-ia dizer[5]. Uma objetividade técnica correspondendo a uma afirmação do homem, sujeito da história. A relação do mundo objetivo – homem subjetivo gerou uma contradição dialética simultânea entre homem e objeto no mundo tecnizado donde a mescla objetivação e subjetivação na vida pessoal aumentou o individualismo. Decerto, seria impossível prever, na primeira metade do século XX, o individualismo maciço, e muito pouco concebível que o mundo capitalista, voltado para o mundo material, permitisse ao mesmo tempo, estimular a vida interior e subjetiva.

 

Decompor a cultura de massa e os seus laços com o homem. Ao tema cabem muitas versões e estudos que deverão ser retomados mais tarde, reavaliados, em seu conjunto para que se lhes confira nova validade.

 

No caso, essa generalização e transformação do homem, dá-se a partir dos padrões de consumo. Enquanto o pequeno burguês foi tolhido pela religião e pela moral, o anseio de satisfazer todos os desejos é dirigido pelo consumo. É dessa paixão pelo consumo o que mais distancia o homem de hoje daquele da sociedade tradicional, quando a preocupação pela subsistência levava aos esforços para assegurá-la para só em seguida, tratar-se do processo de acumulação doméstica. O final do séc XX assistiu a substituição da tendência acumulativa pela tendência de absorver, comprar. As vendas, os cartões-de-crédito, os vários tipos de seguro desembocam no homem consumidor. As palavras de ordem são “lazer”, “qualidade de vida”, direcionados pela “qualidade total” das empresas.

 

Observe-se que o historiador presencia a valorização excessiva do presente. Além disso, terá que analisar o fenômeno do homem distanciado cada vez mais do seu passado. Dá-se como um abandono de antigos valores, normas e transcendências repudiados pelo advento de um futuro em ritmo acelerado. Ora, estará o homem a se privar do passado, privando-se também do futuro?

 

A carta das grandes perspectivas de progresso, a alteração de noções políticas, como a soberania clássica em nome da governança global, parecem fazer recuar ante os riscos do futuro. Curiosamente, o Estado rege as relações com o passado e o futuro, enquanto o indivíduo justifica-se no resgate do presente. O historiador do nosso tempo vê-se às voltas com a visão do desmoronamento de corpos intermediários como família e classes sociais, acrescido ao super-individualismo que se aglomera no conceito de massa afastada das noções de poder e Estado num desenraizamento com respeito ao passado. A vida em sociedade, os grupos sociais, a força da História vê-se a frente com uma contribuição “nova” de cultura de massa: a participação do presente no mundo[6].

 

No mundo em transformação o homem aceita, mas não assume sua natureza passageira, atomizando o tempo e o indivíduo. Mas, de forma positiva, prevalece nele o sentimento que de que é preciso buscar a verdade e o sentido nas manifestações e aparências. Na sua perspectiva interior, tenta uma inovação relativa ao espaço-tempo, um tipo de participação no “sendo” e no devir do mundo, ao mesmo tempo em que se percebe o tênue aflorar de um sentimento uno do individualismo de cada um.

 

Aderindo a vários e múltiplos processos evolutivos, a cultura de massa ratifica o homem em permanente mutação. O seu desenvolvimento segue um curso conturbado e frágil enquanto prega a mitologia da felicidade e a filosofia da segurança. Pode-se pensar as influencias dessas correntes referidas no conjunto da vida humana como uma pergunta concreta que se pode propor para explicar mudanças na atual economia e outra, a social e econômica, que concepção de História melhor responde a tais indagações. Onde, então, a chave para decifrá-la?

 

Decerto, muitos historiadores se mostrarão relutantes, ou até se sentirão incapazes no necessário exercício da faculdade crítica. Serão, sem dúvida, tentados a ascender ao pico das inflamadas discussões e interpretações como meros atores. Preferindo a tanto, por ser mais cômodo o dar-se ao emprego de toda a paciência, muitas diligências, e certo, e inevitavelmente, a alguns equívocos e alguns erros. Uma vez que, cada um deles, tem direito ao seu ponto de vista e as questões colocadas poderão ser vistas por múltiplas facetas, cabe à crítica colocar o tema trabalhado na categoria correspondente. Parto da idéia de que “um ato de crítica convoca os mesmos processos mentais de um ato de criação” [7], daí porque a dificuldade de enquadrar as escolhas dos temas e a forma de trabalhá-los até o seu produto final.

Creio que a contemporaneidade com a cultura de massa traz complexidade e certa perplexidade, mas, como nos ensina Handlin[8], “os indivíduos e os acidentes” só muito ligeiramente influenciam a evolução de instituições tão poderosas como a família monogâmica, o pequeno fazendeiro, a igreja congregacionista ou a república democrática; e os desenvolvimentos ocorridos em períodos muito longos – a industrialização, a imigração, o racionalismo e o romantismo – fazem desvios apenas ligeiros em resposta  a acidentes específicos no trajeto[9]. Assim,  a crítica histórica deve aclarar as escolhas, mas a verdade perseguida é tão somente a correspondência de uma representação com o seu objeto” [10]. Diferentemente do filósofo, o historiador organiza a evidência de atividades nas quais o elemento irracional tem ampla participação. Não se pode esquecer que em obras de pesquisa histórica o produto resultará das evidências em si mesmas, e daquilo que o escritor e o leitor tomem como possível, concluam e acreditem.

A evidência é ultra-perecível por definição, qualquer vestígio dela acelera todos os instrumentos de medida e aguça as possibilidades de sublimação das hipóteses.

 

É preciso conferir nessa discussão, grande ou pequena, os restos de concretude, silogismos e situações que nos chegam às mãos. Todas elas devem ter características apropriadas, pois é tudo o que chegou até nós.

 

Em resumo, há que se escolher a evidência como guia e estímulo. Cada partícula dela contém um pouco de quem a fez e a criou. A compreensão dela é a resposta que gera o poder de empatia, que “comunica uma qualidade sinérgica à evidência, de modo que as partes…, uma vez montadas com um todo florescem para a vida”[11]. A certeza do historiador será a certeza de exaustão da evidência, independentemente do termo escolhido. O trabalho do historiador, particularmente, é um ato de crítica. Lendo, pensando, selecionando e escolhendo fontes, escrevendo, ele estará sempre avaliando a evidência num processo contínuo e útil de produção historiográfica.

Referências Bibliográficas

CAUGHEY, John. Results of a Billion Recently Published. American History and Biography. Mississippi Valley Historical Review, 1952.

HANDLIN, Oscar. A Verdade na História. São Paulo: Ed. Martins Fontes, S/D.

MORIN, Edgard. Cultura de Massa no Século XX. Rio de Janeiro: Ed. Brasileira O espírito do Tempo, 1972.

TASTA, Axetos. Penseur de La Techniqué. Ed. de Mineut, 1961.

Luciara Silveira de Aragão e Frota

● Coordenadora do NEHSC Fortaleza ● Membro do Conselho Editorial deste site

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *