Comunicação e “Cultura Industrial”
A tentativa do sincretismo buscando uniformizar e priorizar a informação vem procurando o sensacionalismo da noticia. Privilegia-se o exótico, o inesperado e o chocante na vida cotidiana como atrativo similar ao das telenovelas, com ênfase nos pseudo-herois que imitam a vida ou na vida “glamourosa” de modelos, atrizes e da realeza. Real e imaginário associam-se no campo de diversificação e aumento da audiência na comunicação.
É dentro dessa lógica associativa, entre a real e imaginário, que se move a indústria cultural que, como qualquer produção de massa, destina-se ao consumo. Assim, teatro, cinema, rádio e televisão experimentam receitas de sucesso usando mais ou menos os mesmos ingredientes: sexo, amor, violência e uma pitada de humor. Numa busca de agradar a todos os gostos, dá-se uma ação sistemática e homogênea que impede do veiculo de transmissão a ser usado. Tudo em nome do esforço na obtenção de uma linguagem universal que tende a se uniformizar na comunicação globalizada. Formas e linguagem obedecem a um padrão que se afirma repetindo uma retórica permanente em obediência a uma gama de que se afirma repetindo uma retórica permanente em obediência a uma gama de interesses que movem a engrenagem da indústria cultural.
Já no principio o século esboçou-se a tendência à ruptura de compartimentos estanques que limitam o público, por níveis culturais, educando, idade e classes sociais. [1]Focando esta ruptura, Estados Unidos e França foram os primeiros a principiarem na imprensa um esforço para fazer ruir barreiras e atingir, diversificadamente, seus leitores. No rádio e no cinema incluíram-se variedade e a informação ganhou novo realce com a guerra. Foi na imprensa, porém, que surgiram mais nítidas as influencias sobre o publico masculino e feminino, reafirmando essa dicotomia. Com o florescimento dos quadrinhos deu-se uma forma ampla de comunicação norteada pelos elementos da indústria cultural. Houve como que um preparo industrial de aprendizagem para a “cultura de massas” [2]. Os quadrinhos unificaram o público em torno de fotos e personagens, como Mickey e Pateta. Curiosamente, em muitos casos, a imprensa inclinou-se a privilegiar o feminino, lutos, dores e suspiros de separação. Só mais tarde o sincretismo aliaria o conteúdo violento e agressivo da cinematografia às características privilegiadas pelo feminino.
Embora a imprensa tenha ido a primeira a romper com os compartimentos estanques, foi o cinema que primeiro uniu em suas casas de espetáculo, individuo de todas as classes sociais, fossem das cidades ou dos campos. Privilegiaram-se informações, esportes e enredos de amor, aglutinando-se um público variado. As programações de rádio e as revistas de grande circulação, especializadas ou não, seguiram os mesmos passos, até que, em sua plenitude, o sincretismo abolisse quaisquer outros resquícios de fronteiras. Isto significa dizer que a pontuação dos institutos de comunicação particularizou outros circuitos de audiência e incentivou a criação de outras dicotomias. Assim, ouvintes e telespectadores foram diferenciados por novos rótulos: intelectual, popular e burguês. Deu-se uma correspondência entre diversos “status” sociais e a capacidade salarial, despertados pelos valores comuns de consumo, os quais, por sua vez, continuam fazendo crescer, em rápido progresso, outros determinados valores. Em torno disso, adotou-se uma nova dicotomia: ricos e pobres e a distribuição da audiência em correntes burguesa e popular.
Dos Estados unidos, berço da cultura industrial irradiou-se a tendência ao sincretismo na comunicação, tentando dominar as outras culturas. A cultura industrial norte-americana adaptou musicas e ritmos de outros países e regiões, fez filmes em co-produção e transplantações de áreas culturais numa fúria cosmopolita e globalizante. Trata-se, hoje, de vender o produto do sincretismo da cultura industrial. É a universalização do homem, é a característica global quem agora deve ser o “denominador comum”.
É pela televisão que se dá, de forma mais evidente, essa universalização de valores. Ela é o nosso cinema dentro de casa; trazendo um pouco de rádio, cinema e teatro: tudo ao nosso dispor ao girar de um botão. A corrente burguesa poderá preferir o romance moderno, fruto do sonho e do realismo, reprise de grandes clássicos e a emaranhada teia das intrigas políticas. É, contudo, da fiel corrente popular que surge com maior vigor o fascínio por temas como raptos, sósias, identidades falsas, crimes misteriosos e disfarces. Dá-se como traço unificador das duas correntes, que tendem a se afirmar substituindo os deuses por heróis de “capa e espada”, até formas como a do jornalismo justiceiro. Nesta condição, temas educativos e os vinculados à cidadania não polarizam atenção.
Certamente legaremos ao séc. XXI o acirramento da competição econômica e o avanço da cultura industrial. Nesta passagem de século, o mundo quantificado e materializado não encontrou o retorno às suas fontes de afetividade. “A divisão “popular” e burguesa” tem, pois, como denominador comum a desagregação de suas próprias culturas. Esta desagregação vem acompanhada de novas integrações, todas dependentes da absorção pela “cultura de massa”; tudo produzido em nome da “comunicação globalizada”, massificando o particular e o nacional.
Dá-se como uma nação unilateral da “mass-mídia” sobre o público, principalmente como resultado do teor da mensagem ofertada, de modo especial pela televisão, aliada ao efeito sobre o ouvinte. Os efeitos da “mass-mídia”, de forma direta ou indireta, tendem a enfraquecer o livre-arbítrio, independente das convicções do consumidor. Parto da idéia de que a convicção sobre todos os assuntos não é próprio do ser humano. Ainda que ele possa recusar o que lhe contraria à “intelecção, projecção e identificação”, a insistência da mensagem, sob a embalagem dourada da felicidade, paz, auto-estima e bem-estar não podem ser subestimados.
O curso novo dado ao sincretismo da “cultura industrial” atinge em particular o homem da nova sociedade burocratizada, encerrada entre técnicas, números e máquinas. Doaremos ao futuro uma literatura que “vai dar um sentido à vida por meio da exclusão do contra-sendo da morte” [3].
Também nesta passagem de século, a dialética produção-consumo busca neutralizar a dicotomia masculino-feminino, via “cultura industrial”, revisando-se valores, induzindo-se preferências, introduzindo-se revistas femininas de nus masculinos e de automóveis e a prática do futebol para mulheres. O masculino é pressionado a ceder com a introdução de novos conceitos de beleza e moda “unissex”, tidos, anteriormente, como femininos. Noutra vertente, o sensacionalismo busca novas vedetes, além das consagradas, infringindo a ordem das coisas, violando antigos tabus e compelindo além dos limites a força das paixões. Frutifica em nossos dias a tragédia como espetáculo. Destacam-se situações de grande carga afetiva e emocional. Retirou-se do anonimato o criminoso comum elevando-o a condição de privilegiado do Olimpo. Esse tipo de noticia evoluiu dos dramas diários da vida de personagens famosos como Lady Diana, e mesclou-se a facetas da vida do “maníaco do parque”. Nessa forma invertida de valores, o olimpianismo requer deuses modernos equivalentes, resvalando para imagens distorcidas, desenvolvendo a nosso olhos o horror e o terror, banalizando a criminalidade. A televisão tornou isso viável. Multiplicou as oportunidades de retirar delinqüentes do anonimato, colocando-os entre enigmas e vitimas da sociedade. È quase um contraponto ou uma variação da outra ponta da oferta: sucesso, fidelidade, amor e êxito. Oferta-se um outro tipo de aventura real no mundo burocrático.
A morte violenta vem sendo apresentada como rotina. Não só a televisão, mas os jornais também fazem da violência uma notícia atrativa. Alguns se especializam nela. Não se pode ignorar o efeito que os meios de comunicação exercem sobre os jovens que foram criados “sobre o brilho de uma violência incessante nos meios de comunicação e de uma incitação a todo tipo de depravação em atos e espírito. Os filmes podem apresentar dezenas de assassinatos em duas horas, competindo entre si para ilustrar métodos cada vez mais horrorosos, sendo muitos são logo imitados nas ruas. Os comerciais de TV ensinam que um rapaz precisa ter um tênis de 120 dólares novo por semana” [4]. O apelo ao consumo passou a ser na maioria dos casos uma pressão imprópria no novo modo de comunicar. A tentação de impor, o risco de homogeneização cultural trouxe a possibilidade de signos comuns de linguagens partilhadas e de generalização de vivências e experiências. “Para essa cultura estruturada, segundo os interesses do mercado, não há prescrições impostas nas imagens ou palavras” que fazem apelo a imitações, conselhos e incitações publicitárias.
Nas metamorfoses da cultura industrial os temas são universalizados. Ela os sincretiza em si mesma, junto a as estruturas da cultura impressa e da cultura folclórica tradicional e arcaica. A comunicação renova-os em novas formas numa resultante do sincretismo em constante avanço buscando novos cursos onde se espraiar.
Ao que parece, chegamos ao intimo da “cultura industrial” ela expele angústia por todos os poros, em trepidante agitação, vemos diariamente informes sobre assaltos, drogas e tristeza. Num ritual de agonia e desmistificação da morte. Um tipo de comunicação que tenta justificativa via um “jornalismo justiceiro”, subproduto do apelo por justiça social, em última analise, uma tentativa de substituição de Deus, na vida do homem, no século que termina.
a²b | |
[1] | Porém, a literatura popular e infantil não estava bem delineada. |
[2] | A noção é polêmica. Leva a contraposição de termos como “popular” e “massa”. Para José Mário Ramos a produção cultural moderna exige que se repense os vínculos entre os dois domínios. Garcia Canclini atenta para a necessidade de olharmos os cruzamentos de longa história entre os dois termos. Cf. Televisão, publicidade e cultura de massa. Petrópolis: Vozes, 1995. |
[3] | Cf. Edgar Morim. Cultura de massas no séc. XX – V.I: Neurose. Rio de Janeiro: Forense, 1997. |
[4] | Adam Walinshy. A crise da ordem pública. In: política externa, v. 4, n. 2; set./95, p.39. |