Histórias e mídias

Histórias e mídias

Na sociedade contemporânea as mídias visuais e sonoras retratam velozmente o cotidiano. Assim, a imprensa, fotografia, cinema, rádio e televisão, podem ser compreendidos como dispositivos de mediação cultural e agenciadores de culturas políticas, mas a sua análise pede prudência e cautelas ao historiador no cumprimento do seu ofício. Neste sentido, esse artigo, enfoca e interessa-se pelas dificuldades do historiador na análise e leitura dos mediadores culturais: o chamado circuito social das mídias. Englobando aspectos como sua produção, circulação, consumo e agenciamento, é da maior importância o dimensionamento do seu papel na construção da identidade e memória para a História social contemporânea.

O campo de estudos da história está sempre em renovação graças ao crescente número de novos estudos e novos objetos incorporados à produção histórica e social. Contudo, na análise do historiador, os estudos das mídias contemporâneas, independente da delimitação do seu circuito social de produção, circulação, consumo e processos culturais, não estão isentos dos mesmos procedimentos e do discernimento dos critérios históricos que devem nortear a leitura dos textos e documentos tradicionais. Interessa, assim, ver e olhar, ouvir e escutar, ler e analisar os seus processos e efeitos no mundo contemporâneo, no caminho da investigação e da percepção das evidências históricas em todas as direções.

Mesmo quando se opera com a idéia de dimensão do tempo múltiplo trazida pelos Annales, concebendo o tempo presente, o de temporalidades, onde se inscrevem os tempos históricos – o tempo das conjunturas e o tempo do acontecimento no tipo cíclico na longa duração – a memória histórica define o seu campo, mas não está o historiador dispensado do compromisso com a verdade e da percepção das evidências históricas. Desse ponto de vista, a história do contemporâneo pode também, inscrever-se na relação entre memória e história dentro da perspectiva da história social, a partir da idéia de que o grupo social impõe aos indivíduos os seus quadros de pensamento e atividade. As compartimentações entre especialistas foram uma preocupação da revista dos Annales fazendo-se legítimo recorrer a Psicologia que trata do diálogo do eu e do outro, do individual e do social como determinantes. Como diz Albert Soboul “em nível da história dos acontecimentos é necessário reintegrar numa concepção total de história – o homem como membro de uma identidade social e de uma sociedade humana.” (Albert Soboul in Descrição e Memória Social-Colóquio da Escola Normal de Saint Cloud, 15-16 de maio de 1965).

Entre as décadas de 1960-1970, os adeptos da Nova História nos Estados Unidos reivindicaram status científico e credenciaram a monografia como um meio para aumentar o conhecimento do passado. A necessidade delas, com uma linha de pesquisa mais restrita, só um pouco mais tarde se revelaria indispensável. Como os seus colegas sociólogos e economistas os historiadores por uma série de diversos fatores não davam continuísmo as suas pesquisas. No seu caso específico, as hipóteses que norteavam os seus trabalhos monográficos foram dificultadas por não despertaram a atenção acadêmica, talvez porque, mesmo alçando-se a historia à condição de ciência, o seu sujeito e objeto não poderia ser autônomo e sim, necessariamente instrumental. As questões propostas eram, de modo geral, vinculadas à ciência social analítica e aos problemas sociais contemporâneos com o invocativo de dar a História um caráter de utilidade e relevância quanto às questões imediatas. Entre 1940-1960 o foco dos cientistas sociais eram os assuntos internacionais do mundo subdesenvolvido e os totalitarismos. Contudo, não resultou tão benéfica, como se pretendia essa dependência dos cientistas sociais, além de acentuar a crença existente, desde o início do século XX, de que todas as questões poderiam ficar reduzidas a uma base econômica como um denominador comum. Pelo menos, desde 1930, as tendências que influenciavam financiamentos de pesquisa favoreciam as interpretações do sistema social. Os estudos sobre preconceito, criminalidade, violência familiar encontravam uma explicação mais rápida nos fatores econômicos e isso distorceu resultados, obscurecendo questões vitais como o passado étnico dos norte-americanos. Esse tipo de atuação resvalou equivocadamente, na eleição de grupos antagônicos e dentro dos critérios do grupo, na escolha e indicação dos heróis e dos vilões, de prática tão redundante na historiografia brasileira contemporânea.

O registro de Identidades e lembranças continuou como pertinente auxiliar no preenchimento de lacunas. Por outro lado, eles são elementos constitutivos das culturas políticas, pois fornecem densidade e espessura à projeção visual da experiência política coletiva por meio de um estoque de textos visuais e escritos que imaginam e agenciam os sentidos da história, aproximando-a das mídias. O incentivo advém do permanente diálogo entre a história e os estudos de comunicação sobre cinema, fotografia, imprensa, rádio, televisão e as novas tecnologias virtuais que por trazer um conjunto de evidências vêm se constituindo uma fonte de interesse positivo para os estudos históricos recentes. As produções de documentários são outros documentos à disposição do pesquisador interessado. Contudo, é do olhar retrospectivo do historiador, que se estabelece uma linha temporal que articula o passado apreendido e reapresentado no presente pela via da memória.

A memória pode ser um exercício que articula informações afetivas e pessoais daquilo (Rusen, 2001 p. 30 ss.) que se define como consciência histórica e que se estabelece em uma narrativa claramente ligada aos lineamentos conceituais e teóricos do historiador e o outro, assentado na experiência centrada na memória. Assim, apreende-se que embora, essas narrativas possam se constituir de forma diferenciada, possamos compreendê-las como um tipo de operação elementar e geral da consciência histórica humana. O comprometimento com o presente quando o historiador participa do impacto imediato de sua produção, seja por ouvir a notícia, ler a manchete de um jornal ou ver a imagem do fato na televisão, são interferências que podem ou não, ser benéficas. Isso acontece na razão direta das razões que, em grau maior ou menor, estabelecem esse comprometimento e, ainda do seu preparo para o estabelecimento da difícil questão da verdade histórica, pois o uso da história repousa na própria capacidade de propiciar a sua abordagem.

A história é uma disciplina antiga e se apóia sobre sólidas fundações encravadas no século XVII quando um século de disputas dinásticas e religiosas convenceu os que escreviam e liam a aceitar a diferença vital em tolerância entre fatos e interpretação. (Handlin, 1988 p.369). Os textos das cartas de privilégio, estatutos, pactos e alianças estavam sujeitos a provas de autenticidade, independente dos significados que lhe atribuíssem teólogos ou advogados e tinha a sua validade baseada em data correta, oração precisa, o selo, o que apresentava dificuldades de verificação, mas ensejava respostas certas ou erradas A partir desse insight seminal foram desenvolvidos os mecanismos científicos que deram origem a separação entre fato e opinião. Com essa base, foram erigidas as conquistas do iluminismo, reconhecendo a importância da objetividade abrindo-se as possibilidades de reconstrução do passado humano. A partir de então, os historiadores e também os filósofos passaram a investigar sobre tendenciosidades e perspectivas na difícil tarefa de atingir-se o ideal da objetividade definitiva. Pode-se dizer que foi um sonho nobre. Embora Ranke insistisse na integridade do fato usando conhecimentos universais e Wilheim von Humboldt  explicasse que a tarefa do historiador era a de precisar e apresentar o que realmente acontecia, os  limites  e barreiras eram resistentes.

A partir da década de 50, surgiram possibilidades do ressurgimento do que se chamou um novo regime de historicidade impondo a cada estudioso da disciplina o desafio de reflexão. Os vários modismos que transitam no instável espaço entre história e mídia, por exemplo, não invalidam o conceito da verdade, que deve nortear o historiador e o que seleciona para o seu trabalho, a partir da escolha de seu tema. Não importa para a história a multiplicação dos fatos e fontes na sua construção com o incorporar de tantos e de tão variados objetos. Mesmo quando Michael de Certeau indaga sobre o que fabrica o historiador quando faz História, também nos responde que toda obra historiográfica, digna desse nome, deve ser percebida a partir de uma origem, de um lugar de produção. Desse conjunto harmonioso de conformações sociais, que vão desde a institucionalização do corpo teórico da história aos inquietantes problemas e questões comuns, brotam saídas aos dilemas do historiador. Desde que os mais variados registros históricos são inerentes ao seu trabalho é dessa forma que a produção historiográfica se estabelece nas “relações entre as construções da história e seu face a face, a saber, um passado ao mesmo tempo abolido e preservado em seus rastros” (Ricoeur, 1997 p.175). Esses rastros ou evidências do passado falam e se transformam em fontes, independente do seu conteúdo, a partir do momento em que o historiador indaga, interroga e questiona, tanto sobre o conteúdo de cada um deles, como quanto aos seus elementos formadores de sentido. Isso independe do universo de investigação que se nos apresente, seja ele plural e complexo, ou não.

A história dos nossos dias guarda uma relação com a mídia pelo viés do estímulo da cultura de massa.  Essa numerosa produção da mídia contemporânea pode ser entendida, tal como o jornal, como um meio que reúne vários tipos de evidências constituindo-se como mais uma categoria de fontes para a história recente. (Frota. Conferência sobre História Oral. 1998 p.64). Além disso, sabemos que ela se insere no nascimento da era do consumo. Suas raízes estão implantadas na face consumidora das sociedades técnicas-industriais, capitalistas e burguesas e como tal, correspondendo “a uma vida em que o peso das necessidades primitivas se atenua e em que o homem consumidor emerge”. (Morin. p 174).

Embora, ao longo do século XX tenha havido uma surpreendente ampliação dos recursos audiovisuais, iconográficos e virtuais, a mídia escrita preservou um papel central de atuação, incluindo as formas de distribuição que não se limitaram ao meio impresso. Os jornais fornecem narrativas e modos de representação específicas acerca do mundo sendo um meio ou um veículo que coleta vários tipos de evidência como conselhos e reportagens comerciais com registros das transações efetivadas ou putativas; a testemunha das reportagens,a retórica dos editoriais, as mensagens trazendo a opinião do leitor,fotografias,conteúdo de colunas,além de fotografias. Ele forma, junto com as câmaras e os microfones, um instrumento predestinado de uma cultura pronta a aderir a uma realidade imediata (Frota. Idem. Ibidem). Seu conteúdo composto de elementos generalizadores não é destinado ao registro e a conservação da memória coletiva, mesmo que se possa considerar essa função como atrofiada por força de uma pressão que, sob estimulo da cultura de massa, exige uma atualização mais veloz. Além disso, a suposta colaboração desse tipo de mídia com a história, a própria consulta ao jornal como fonte de pesquisa já se constitui um duro trabalho para o historiador. A ele vai caber discernir entre fato e opinião do jornal, as circunstâncias da impressão e as diferenças entre textos originais e cortes sofridos ou ainda a importância dada ao editorial, a chamada da primeira página e o próprio conteúdo da manchete da primeira página. Essas assertivas estão distantes da insistência de evocação da história como elemento justificador de notícias; do como e onde se integram ao contínuo incitamento do consumo e as mudanças sob uma onda de flashes, onde tudo se passa e morre muito depressa. Assim, embora os jornais sejam uma excelente forma de consulta pelo fornecimento de dados organizados, convém não perder de vista que o essencial é encontrar neles o suficiente e não ir mais além à busca, pois suas informações e outros itens de interesse entretêm os leitores que buscam neles o que lhes interessa. Consequentemente, eles não podem, portanto permitir que essa sua atenção decline. O sucessivo preenchimento de suas colunas, notícias e a propaganda midiática, como um todo, podem ser indícios de uma tentativa, às avessas, de perpetuidade. Nesse incessante esvaziamento, operado pelas ondas e modismos ditados pela publicidade a tônica é persuadir. Nada mais óbvio, portanto que a insaciável bocarra da mídia, cuja palavra de ordem é acelerar e engolir o presente, na sua busca incessante por um hoje sempre e cada vez mais novo, invoque a história como um elemento que a justifique, vendo-se, muito impropriamente, como atuação e extensão da própria história.

Desde a segunda metade do século XX, a efetivação das grandes redes de comunicação no país, foi simultânea ao desenvolvimento e a uma maior efervescência na produção historiográfica local e internacional. A organização dos cursos de pós-graduação foi intensificada nos anos 70, incentivando uma maior constância e diversidade na produção e elaboração dos trabalhos, numa constatação significativa que, enfim, possibilitou a visualização de tendências, permanências e rupturas. O interesse vigoroso pelos estudos da memória com a criação do CPDOC e mais tarde, com a introdução de cursos de História Oral em várias instituições brasileiras, especialmente no Programa de Pós-Graduação em Historia da PUC/ São Paulo onde eram ensinadas as diferenciações entre os textos originários da mídia e os procedentes de teóricos como Paul Thompson, foi de grande valor. Essa reação respondeu, em parte, ao papel decisivo dos meios de comunicação na transcrição, na representação e até mesmo na produção do acontecimento. De grande fecundidade foi o retorno aos problemas já levantados pelos Annales, que já haviam dissolvido as restrições formais confrontando materiais e experiências com as reações de dessemelhanças do homem em contato uns com os outros e ainda dentro da idéia de que o homem não pode escapar ao que o rodeia (Soboul,1967,p.26)

Os riscos desse chamado tempo presente, onde atuam mídia e história pode motivar a preocupação dos historiadores, com a diferença de que se faz necessário     para estes, o distanciamento suficiente dos seus temas para uma melhor avaliação e julgamento. Nessa seara que lhes é própria, vale salientar que os seus textos são como “todos os textos descritos, a partir de todo um sistema de pressupostos e representações a hipóteses” (Rallo 2005, Introdução). Tal como num texto literário, parece importante depreender os princípios nos quais ele se apóia e as bases de dados de sua análise, para depois explicitar sua lógica e sua argumentação, a fim de julgar a validade da conclusão à qual chega esse comentário. (Idem. Ibidem). Quando apreciamos esses textos de modo crítico buscamos o seu entendimento e as significações do humano, para o que necessitamos indagar sobre seus fundamentos e suas limitações. Alguns deles nos remetem a uma pergunta sobre a aceitação de tudo que se escreve em nome de uma liberdade absoluta Será o correto a busca de interpretação mais globalizada das interpretações? Será o correto exaurir o texto esgotando-o, seja ele ou não, um texto jornalístico ou nos chocaremos com a certeza do insustentável dessa posição? Para Elizabeth Rallo “não há ciência possível do texto” (Idem. Ibidem). Isto porque, como quer (J. Molino, 1990, p165) se pudesse existir uma teoria geral do texto, ela se confundiria então com uma ciência geral do existente, abrangendo ao mesmo tempo o mundo, a ciência-análise dos textos científicos, a sociedade, a história, só para citar algumas coisas. Tudo se encaminha para a constatação que os textos de importância literária e científica não podem ser explicados globalmente por necessitarem de abordagens diferenciadas, cada uma delas com o seu método e o seu próprio campo de explicação. Então, isso conduz a indagação sobre ser ou não ser preciso o aceite de todas as abordagens, dizendo coisas diferentes e podendo escolher e preferir interpretações complementares, excludentes, contrárias. É provável que seja mais fácil eleger interpretações apressadas mesmo quando certas leituras podem conduzir aos objetivos buscados. No uso dos textos midiáticos ou não, na verificação das proposições que o interessam, não pode o historiador estabelecer certezas plenas. Mesmo quando sabemos que a escrita efetua sentido quando a leitura é atenta e informada, a própria percepção da realidade nos diz que mídia, tem suas raízes numa cultura de massas onde se constata uma relação, desenraizada errante e móvel no referente ao tempo e ao espaço. Estabeleceu-se como um tipo de contradição onde o familiar beira ao desconhecido e simultaneamente, tempo e espaço, fluem ora de forma fútil, ora de forma épica, ora marcado pelas paixões e interesses momentâneos, o que difere das concepções teóricas da história,

Ao historiador não escapa a critica externa de qualquer obra sendo indispensável uma infinidade de conhecimentos biográficos, bibliográficos, textuais ou, em geral, críticos para fazê-lo. Decerto, esses conhecimentos nem sempre coincidem com os aspectos internos da obra, podendo mesmo ultrapassa-los ou não atingi-los. Existem, por conseguinte, diferentes narrativas que explicam e evidenciam formas de pensamento histórico e que se manifestam em variados fenômenos de aprendizagem, desde o ensino formal até os próprios meios de comunicação.

O final do século XX mostrou o aumento dos meios de comunicação e como a sua intensificada influência gerou novas formas de apropriação e percepção do real. Essa produção midiática tão contemporânea revela interesse pelo conhecimento histórico podendo figurar entre os múltiplos meios e artefatos onde o historiador encontra como evidência. Ela reflete um tempo de mudanças que indicam ao historiador os riscos das vicissitudes de uma memorização que pretende, em alguns momentos, esquecer propositadamente o malogro stendhaliano de colagem de momentos de longa duração. Ainda, o quanto se deve procurar dotar para experimentar os sentimentos do tempo. Isso porque, ele precisa, também, fundamentalmente olhar, ouvir e decodificar as mensagens rápidas e breves, comprometidas e contraditórias nessa ou naquela noticia. Como todas as fontes e apreensões da evidência resultam necessárias a verificação de outras formas de pensar historicamente o cotidiano.

Não importa saber se as mudanças foram aceleradas com uma velocidade resultante de um outro tipo de olhar sobre a nossa historicidade e das tentativas de modificações dos seus significados. Os acontecimentos de todos os dias, postos em ritmo frenético, para um público cada vez mais ávido por notícias não eram antes do domínio de uma coletividade mais ampla. Portanto, mesmo quando se considera que o signo dos recursos midiáticos está ocupando relevante papel na ordenação da própria consciência histórica contemporânea, essa relevância está na razão direta do reconhecimento de que os acontecimentos passaram a produzir, de forma simultânea, o sentimento de um impacto que se dissolve quase instantaneamente no ar. A identificação do lugar de origem desse novo problema aparece aí como um aliado do historiador que não desconhece o sentido e os valores incorporados na cultura de massa nos Estados Unidos. Por mais difícil que isso pareça aos olhos do novel historiador, isto é próprio do seu ofício e o conduz “ao como olhar para ver, de como ouvir para escutar” (Handlin, p.207).

Sabemos que mesmo quando as imagens projetadas não ultrapassam as mentes dos telespectadores o como usá-las é um desafio. As manchetes dos jornais, as descrições dos telejornais permitem a visão de a parte de um todo, sob o pano de fundo de uma cascata de idéias e palavras destinadas ao telespectador, embaralhando as idéias e um observador menos acurado. O tom mais exaltado da locução, mostra com clareza a progressão na eleição dos exemplos, numa competição direcionada a um sucesso norteado pelos pontos dos institutos de audiência. Precisará o historiador ficar preso nas malhas do seu encanto? Com a pressa, a duração da notícia e com ela, uma revelação de espaço que anestesia a consciência remetida a vinte temas diversos e no espaço de minutos seu eu espírito crítico vagueia interrogando-se sobre a consciência do produtor da notícia. Ora, esse é o motivo por que pode ser bem diversa a sua atuação no campo das fontes e do uso das notícias. Não se trata nem de colocar um único texto numa visada única.  Para ele, é preciso fazer ressoar um texto ao outro, uma notícia a outra para por à mostra a verificação de uma verdade supra textual (Corti, 1975 p.72-75).

Ao historiador interessado no exame das evidências do noticiário do dia cabe a precaução de dar-se conta de que outras instâncias do jornalismo devem decodificar o texto e traduzi-lo em imagens visuais. Como vantagem, lhe caberá mais tempo para agregar as evidências do texto à evidência de outras fontes, traduzindo suas percepções em palavras mesmo quando se sabe que isso é uma tarefa considerável para historiadores mesmo os mais qualificados. O historiador não ignora que só de forma inadequada o material necessário à divulgação diária corresponde à importância que poderia traduzir. Trata-se também de perceber que essa relação entre a mídia e a História pode ser questionada a partir do seu imediatismo. As circunstâncias do noticiário e a urgência da composição, reprodução e vendagem no horário previsto não permitem a precisão. Quando se estabelece um tipo de face-a – face da história com a mídia, mesmo que não se determinem territórios estanques, são diferenciadas as suas respectivas produções. O imediatismo que a ela é necessário vai permitir raras vezes, que haja uma pausa adequada à reflexão. O comum é a superficialidade das explicações dos acontecimentos. O jornal é feito para informar e essa é a sua precípua finalidade.

Ao historiador meticuloso não cabe recear a impressão de estar repartindo o seu oficio com àqueles da produção midiática. Nesse caso, talvez seja necessário perguntar até que ponto essa produção midiática, dita histórica, poderia se impor aos padrões de uma sólida produção histórica. O historiador predisposto a aplicar seus filtros, quando analisa a procissão acelerada de eventos e informações na percepção espaço-temporal que se manifesta ligada ao momento imediato, retrate esse presente uma tragédia, uma fotografia, uma mensagem oficial ou um mero borrão de tinta, deve observar que a percepção de cada um deles difere. Certamente, não significa dizer que todas as informações estarão igualmente corretas, mas haverá a supremacia de uma sobre a outra. Mesmo que o primado do atual sobre o permanente, do superficial sobre o essencial se estabeleça e possa vir a destruir toda uma concepção de cultura, os olhos, os ouvidos e a percepção do historiador não podem deixar de perceber a horizontalidade e a superfície dos acontecimentos porque ele foi treinado para mergulhos profundos e não só para nados na superfície.

O conteúdo expresso nesse passado que, hoje, nos fornece a impressão de uma tripla dimensão temporal, presente nas tradicionais narrativas e nas filosofias da história, constitui-se um material relevante. Apenas, não o podemos incorporar ao consumismo, a incitação e a mudanças desenfreadas, sugando-o pelo sensacionalismo. Mesmo quando outras evidências visuais, como desenhos, gravuras, ilustrações, fotografias parecem sucumbir na avalanche informativa, os critérios de exame de anacronismo e convencionalismo permanecem. Quando os dias parecem produzir uma constante sucessão de esvaziamentos em efêmeros momentos históricos vividos, faz-se preciso analisar o fluxo impetuoso dessas artificialidades. A precaução de levar em conta o fato de que em cada momento histórico vivido, pode ser inserida a análise do historiador, parte da idéia de que para o estudo desse presente, há que primeiro se levar em conta as suas evidências face aquelas irrigadas e frutificadas pela cultura de massa. As obrigações do dia seguinte são esse palpável presente por ele vivido e cotidianamente ventilado nos olhos e ouvidos da humanidade, funcionando “como um respiradouro para o espírito. O tempo acelerado e acelerador que leva seus passageiros decuplica a aderência ao presente em movimento”. (Morin, op. cit p.178).

Dessa forma, mesmo quando se leva em conta que os meios de comunicação implicam na criação de novas formas de agir e interagir no mundo social, no surgimento de um novo tipo de relações sociais e em novas maneiras de relacionamento do indivíduo com os outros e consigo mesmo. (Thompson, John. p.13), essa realidade volta-se para o indivíduo, o homem, o grupo social onde ele se insere.  Infelizmente, o ser humano, está hoje encerrado no mais estreito e individual particularismo na cultura de massa a corresponde um “certo estado de técnica, da indústria, do capitalismo da democracia, do consumo colocando-o ”em relação com o tempo-espaço do século”. (Morim op. cit. p. 180). Essas constatações expõem parte das dificuldades na relação entre a mídia e a história dificultando o ofício de historiador.

Na modernidade, o indivíduo liberou-se da sociedade dita tradicional para ficar desalojado sem bastão e sem lanterna para conformar-se melhor às relações com o ambiente social imediato e com o que dele se espera. Essa é uma forma trivial de dominação na falta de uma coerente identidade e de valores culturais que desfrutem de autoridade. Assim, o indivíduo é adaptado, conformado a uma forma, a uma visão mais concorde aos seus ambientes sociais imediatos aceitando a efêmera opinião pública tão estimulada pelos programas de lazer da TV brasileira. Na era do capitalismo liberal, as antigas normas tradicionais de relações de parentesco, sanções de vergonha – provocadas por toda uma opinião desfavorável comunitária – asseguravam a adequação comportamental externa do indivíduo a uma ordem social estabelecida. A fragmentação dessa ordem deu origem a uma pluralidade de situações novas colocou a questão da escolha, antes numa organização rígida em uma “canalização de escolha para um caráter extremamente individualizado” (Riesman, 1961 p.15).

Refiro-me ainda aos rótulos e aos usos de uma terminologia apressada relativa ao trabalho dos pesquisadores que importam certas terminologias como se elas próprias se configurassem como história. Tem-se uma avalanche de nomenclaturas, umas usuais, outras nem tanto. Falo da história-memória, história-objeto, história conhecimento, operação intelectual, história linear, história com atitude, história comprometida, enfim, um alinhavado de denominações que resvalam na fronteira entre o verdadeiro e o falso, entre o que é ser historiador e o history maker.  Além disso, um dos bons usos da história é a arte de ensinar vocabulário, ou seja, destilar esse componente básico da comunicação entre os homens. Algumas das palavras preferenciais dos meios de comunicação circulam, fogem ao alcance, e se escondem em e estruturas lógicas e ilógicas num vôo circundante de um suposto é obvio em nevoeiro espesso de ambigüidades. As palavras desde todo e sempre são instruídas pelos historiadores, na compreensão de discursos, textos de oradores, escritores e presidentes, tudo bem diverso da leitura em uso por ouvintes e telespectadores. As palavras e frases podem ser singularmente enganosas e escorregadias para um historiador pouco atento a alguns feixes silábicos e a escolha de temas e textos produzidos por essa ou aquela emissora de TV na guerra pela audiência. É que “as palavras, libertadas pela compreensão, vão com suas mensagens pelos séculos afora” (Idem. Ibidem). Em torno da palavra há toda uma série de conceitos.  Sabemos que quem escreve, grava e produz, o faz também para outros olhares. Sem dúvida, cada expressão, linha, trecho e forma refletem uma relação com as coisas que nos cercam como pessoas e conceitos conhecidos e reconhecíveis.

Os autores e recebedores das mensagens propostas dizem respeito ao conteúdo da mensagem, o modo de expressão cabe explicar a idéia desenvolvida. “Ora, um bom uso da historia é a sua colaboração para localizar eventos, fenômenos e expressões localizadas em seu universo.” (Handlin, p.369). Dessa forma, as fronteiras entre mídia e história estão sujeitas as mesmas inquietações e discussões tal como no inicio do século XIX,quando Buckle, em termos válidos para o nosso século, lamentava os historiadores que nada sabiam de economia política; outro que nada sabia de Direito; outro de assuntos eclesiásticos e das mudanças na opinião pública; outro que desprezava a filosofia da estatística, outro da ciência física”, de maneira que esses campos importantes cultivados “ora por uma, ora por outros estão mais isolados que unidos”, e inexistem disposições para que se concentrem sobre a história. De fato, Buckle nada mais fez que repetir a posição anterior de Gibbon para que fossem valorizados todos os fatos. (Buckle, 1889 p.4). Um “Montesquieu retiraria dos fatos mais medianos conclusões desconhecidas ao homem comum, chegando à história filosófica.”(Krieger p.74 e Handlin, p.369).  No tão próximo século XX, a quase totalidade dos historiadores caminhou no reconhecimento de contextos e injunções mais amplas numa variedade de modos que os faz buscarem um todo denominado civilização, cultura ou espírito de uma época religando seus elos e ligações recíprocas. Resulta de todo imprópria, porém, qualquer pretensão de se negar ser a história uma disciplina única. Considerá-la ou tratá-la como um amontoado de disciplinas correlatas, resulta no podermos considerar o mesmo também da importância dos diversos ramos voltados além das delimitações de suas respectivas áreas de conhecimento.

Uma reflexão se impõe quanto à relação entre história e mídias. Quando a mídia utiliza enfoques que respondem às justificativas de refrões como fazendo a história e de uma história em processo de fazer-se, uma parte da culpa recai sobre o próprio historiador por deslumbrado com a própria mídia e por haver retirado as escoras de suas próprias teorias. Foi à procura pelo passado utilizável, da fórmula para responder aos interesses imediatos e o das afiliações político-partidárias, além do sentido de ética e de moral quem pode definir objetivos comuns para que os historiadores se unissem a grupos de cientistas sociais para que eles lhes pudessem dizer como fazer alguma coisa contra a pobreza, a infância abandonada ou a guerra. Na pior das hipóteses, a exigência que o historiador faz ao passado é a de que ele nos forneça nenhuma condição de escapar do seu quadro referencial um mito fidedigno que venha identificar as forças do bem e do mal e inspirar os que combatem com lemas ou fogo do outro lado das barricadas” (Handlin, op.cit. p.366)). Há ainda o perigo de compactuar para satisfazer exigências que frustrarão o historiador que trata com seriedade o seu ofício. Alguns podem abandonar os padrões daquilo que se convencionou importante no seu trabalho em prol de onde estão os maiores ganhos nas aulas e nos prelos. O lamentável nesses casos é chegar-se ao ponto do abandono de uma investigação escrupulosa e de uma avaliação com um julgamento científico mais rigoroso. Quando as mídias invocam a história para legitimar argumentações e justificativas expostas em panfletos, revistas, jornais, romances, relatos históricos, novelas de época genealogias e documentários pode-se questionar sobre sua cientificidade? Por uma questão de método é preciso observar alguns elementos básicos sobre discurso, a ligação entre discurso e narrativa, pois há sempre algo de um e de outro em qualquer dos dois gêneros.

Apenas a contestação de que se narrativa se transformar em discurso perderá a sua qualidade de narrar. Tomando emprestadas algumas noções dos métodos da crítica literária podemos detectar a presença de um discurso numa sóbria narrativa ao dar-se como simultânea a ativação funcional de um historiador, pesquisador e relator. Agregue-se que elas são refutadas pelos ideais da História Nova que no campo das ciências humanas recusam o papel “de armas ao serviço de minorias interesseiras para subjugar os outros e viola-las no seu mais íntimo ser, moldando-a a sua guisa. Cada homem é, deve ser um fim em si próprio. Mas o remédio virá das próprias ciências humanas, entendidas como ciências e não como receituários de lucro ou cortinas ideológicas.” (Godinho, 1965 p: 15). Além disso, o corolário é que, a cultura do consumo cujos interesses interferem na produção jornalística, cronologicamente, seguiu-se à industrialização. A cultura começa a ser vista como uma questão de excedente econômico concluindo-se que até ser alcançado certo nível de riqueza material, o consumo deverá ser restrito às necessidades básicas. A referencia é clara e o argumento frequente. A tendência produtivista vem sendo contestada pelo revisionismo histórico que considera a revolução do consumidor como anterior, ou pelo menos fomentadora dos inícios da Revolução Industrial. Essa corrente aceita que estaria situado no século XVI um novo mundo de mercadorias com uma ampla penetração de bens de consumo da vida cotidiana de mais classes sociais, o desenvolvimento e disseminação da cultura de consumo no que diz respeito à moda e apreciação como elementos chave do consumo e por fim o desenvolvimento de infra-estruturas, organizações e procedimentos que tinham como prática esses novos tipos de mercado onde se inclui a publicidade e o marketing. (Slater, 2002 p. 25)

Diariamente são alimentados com o que se chama história, os roteiros, gravações e imagens mesmo em televisões universitárias sem o concurso do historiador. Melhor dizendo, estabeleceu-se, sob diversos aspectos, um tipo de competição de formas estanques de leitura do passado, mesmo quando na maior parte das vezes, apenas satisfaz de forma parcial uma demanda por identidade. Os fatos apresentados como históricos, são colocados a partir de uma exterioridade de um texto articulado e direcionado com uma forma de expressão própria da linguagem do rádio jornalismo Um dos perigos na fala é o uso dos qualificadores cessando de indicar modificações e galgando uma identidade própria. Os atalhos verbais nas noticias podem converter adjetivos em substantivos, alterando a s coisa nas suas inerentes propriedades. O desejo de ornamentar a narrativa, as ênfases copiadas nas alternâncias de voz dos discursos, mesmo que de pouca de substância de presidentes como Barack Obama, são todos eles recursos que levam a um sentido geral abreviado da intenção de um autor que considera como desnecessário uma maior precisão ou não sabe mesmo como alcança-la. Mesmo assim, ainda que desvinculado dos percursos epistemológicos e metodológicos do fazer historiográfico, eles não pode ser eliminados como uma categoria de fontes para a história. Por contraste, quando os historiadores perderam as esperanças quanto a atingir a objetividade esperada diante dos fatos principiaram,já nos anos setenta, a negligenciá-los.

Assim,quando os historiadores e outros cientistas, gradativamente, foram deixando desaparecer a distinção entre fato e interpretação, abandonando a hermenêutica, critica que tenta compreender o sentido das coisas e o como interpretar, teceu-se uma colcha de retalhos de fatos e ficção. Ora, a hermenêutica pode falar da linguagem, da retomada do sentido e da recriação interior (Rallo, 2005 p: 163).  O historiador sabe que é preciso por um pouco de amor crítico nos textos ouvidos e analisados. Ele reconhece os traços repetitivos, os distorcidos e aqueles feitos com a pretensão de enganar e ainda que se possa perceber justamente a presença e até a ausência de legitimidade do fato narrado.            Creio que esses procedimentos podem preencher e equivaler à identificação perspicaz reclamada pelos que consideram imprescindível o uso da rigorosa hermenêutica. É do vivido que trata e se impõe à escrita da história. Um presente que quer se tornar histórico em seu próprio tempo, um imediato quase alçado de súbito à categoria de história no momento de sua constituição divulgam uma argumentação histórica, como elemento subtendido e pelo sistematizado que perpassa suas notícias.  É provável que essa busca pelo novo, possa contraditoriamente, produzir um afastamento do passado, ao mesmo tempo traduzindo uma sede de registro contemporâneo da história.

A mídia nossa de cada dia ajuda a elaborar uma idéia de acontecimento como ele é pensado naquele momento e o pressupõe como histórico. Mesmo os historiadores, com a sua formação científica, não lograram alcançar o âmago do acontecimento puro, o real desejado, pela essência mesma da característica do próprio real não mais existir. Dessa forma, o acontecimento midiático está envolto por uma série de conformações próprias do jornalismo e que lhe são inerentes. Assim, a imprensa, o rádio, a televisão e a Internet, têm nelas mesmas, geram nelas mesmas as suas próprias e peculiares condições de existência. Independente da história, a publicidade segue a formar a sua produção e os acontecimentos capitais podem continuar a ocorrer sem que sejam sequer noticiados, (Nora e Le Goff. 1995 p.37 ss), pois o acontecimento, o fato de ter acontecido não os torna históricos de per si. Para tanto, é necessário que eles sejam reconhecidos como tal e isso implica em critérios elaborados sobre a integridade dos registros, sem o qual não poderia haver a contagem do tempo, leitura de palavras, percepção de contexto e utilidade do tema. A preocupação com o registro, a idéia do registro é um norte seguro. Ninguém pode reviver o passado, mas se pode claramente ver a verdade no registro.  Um acontecimento, uma descoberta não sofisticada, mas duradoura pode, assim, estar à espera do pesquisador.  Outro ponto para reflexão é o de que tais acontecimentos estruturam-se na mídia com o fim determinado de formação de uma opinião pública aos poucos persuadida e dirigida. Ela não tem preocupação com o tempo cronológico que informa ao investigador sobre a longa distância percorrida e o curso sem mudanças da ocorrência. Este o terreno conhecido do historiador. Tempos de curta ou de longa duração, um milênio ou mais fazem a diferença quando tratamos de questões alimentares, urbanas, climáticas e tecnológicas.  Inexiste a abstração, não há interpretação geral, opção, desejo, preferência que possa desafiar a cronologia, outra aliada do historiador. Ele trabalha com a natureza dos dias passados, conhece a natureza do relógio e sabe que não pode alterar a sua velocidade. Não há volta para recapturar, voltar ou redimir momentos idos. A ninguém é possível reaver e reviver o passado, a procura da verdade nos registros destilará a necessária evidência. Com a comunicação o primado do acontecimento espetáculo pode ser elaborado a partir da palavra, do som e da imagem advindo dos estímulos provenientes dos seus meios de atuação. Do seu desempenho, surgem verdadeiras fábricas de produção de acontecimentos e brotam as novidades a serem lançadas no mercado. Cabe ao historiador separar os conceitos de verdade e ficção que se misturam num mundo insaciável de ansiedades plenas de angústia. A partir da idéia de uma história viva, a discussão sobre as mudanças na sua área específica é só parte dos indícios do que necessitará levar ao campo teórico das discussões.

A possibilidade de livrar-se da submissão aos fatos históricos, imposição metodológica do século XIX, não deu ao historiador nenhum salvo conduto que lhe assegurasse uma confortável, duradoura e imperturbável posição. A colocação de uma revisão da narrativa histórica, as questões relativas ao bom cumprimento do seu ofício teriam que continuar a ser uma imposição teórica e a atuar como um estímulo intelectual. O historiador reconhece os acontecimentos veiculados pelos meios de comunicação incorporados a peculiares práticas discursivas e narrativas oferecendo um modelo e um olhar. A forma sob a qual estes elementos são representados, interpretados, analisados e julgados não tem a mesma perspectiva do historiador. A fala elaborada para o público televisivo difere do foco do historiador, tendo em si mesma um objeto diverso. A tentativa de construção de significados, em um contexto ainda novel para o historiador o deixa suspeitoso de que se pareça ter perdido o próprio sentido da História.

No jornalismo dá-se uma guerra pelo controle da informação, audiência e credibilidade, donde a necessidade de legitimação apelando-se à História quase como uma legitimação. Como esfera de influência do poder público, advindas das próprias origens advindo da concessão televisiva pelo governo, existe obrigações escritas e não escritas de interesse específico de difusão de informações políticas, valores compartilhados em determinadas classes ou grupos sociais respondendo aos interesses econômicos e sociais. Além disso, os meios de comunicação, dentro de sua especificidade, elaboraram uma forma jornalística de narrar transmitindo sensações e noções de temporalidade com o auxilio de fotos e imagens que reforçam as impressões do subconsciente. A partir das suas definições, conceitos e significados são desenhados e noticiados, com maior ou menor ênfase os acontecimentos diários. Igualmente, setores de comunicação consideram como uma de suas tarefas a difusão do conhecimento histórico. Quando Samuel Wainer (Folha de São Paulo 14-01-1979) sublinhou a importância da imprensa na história brasileira considerando-a uma fonte para a história do país, acreditando ser o jornal um instrumento de informação e orientação, não proferiu uma inverdade. Mesmo quando se possa considerar que tais relatos expressam um incitante para a imaginação influenciada pela mídia esses critérios são subjetivos e após as comunidades do ciberespaço com a ampliação da rede virtual os desafios permanecem dentro de novas noções de temporalidade.

O acontecimento divulgado pelas grandes de sistemas de comunicação, coloca o foco realmente no ideário positivista? O novo, o inusitado sempre provocará polêmicas em evidência positivista. Não é uma característica conhecida o fato de o acontecimento midiático produzir de forma sensacionalista, sempre a procura de outros fatos que, igualmente chamem a atenção do público? Coexistir com o trabalho jornalístico pede o exame sério do uso de categorias usadas na narrativa histórica. Pode esse empréstimo comprometer a produção historiográfica? Vários não historiadores utilizam recursos jornalísticos, e por força do poder da mídia, pois mídia é poder, influenciam produções jurídicas, políticas e artísticas. Citar Tucidides não faz de um jornalista um historiador assim como tentar procurar por em prática as suas assertivas não colocam estranho no ninho. Podemos observar que a construção da legitimidade do discurso jornalístico, sem a formação acadêmica, apenas vem demonstrar a importância da disciplina histórica. A inteligibilidade, emprestado pela citação do historiador, não lhes concede o mesmo estatuto. O jornal pode ressaltar seu valor como documento histórico oferecendo o necessário termo de comparação ao leitor e ao historiador. Contudo, isso não o legitima como mediador entre leigos e especialistas. Mesmo quando aborda matérias de caráter epistemológico próprios da história o jornal continua sendo a ser não mãos do que uma boa fonte para a história. (Bourdieu 1997 p. 29). No século XX, o campo jornalístico constitui-se em discussão entre notícia e opinião, numa oposição de duas lógicas e em dois princípios de legitimação. O reconhecimento da comunicação pelos seus pares é fundamental, mas os seus valores ou princípios internos pedem também o reconhecimento da maioria.

A complexidade de se pensar as ciências humanas e sociais, em nossos dias não será maior de que a de qualquer outra disciplina dentro de uma visão globalizada de mundo. Todos os elementos relacionados a uma melhor explicação, os usos e o valor da historia sofrem as restrições naturais da memória, de um grande número de fontes e de novos objetos de pesquisa. Isso vem proporcionando aos sentidos do pesquisador uma sensação de desconforto que envolve desde as preocupações com a especificidade da escolha do tema, ao tempo disponível para a confecção da pesquisa pretendida e a sua periodização. Dentro de um universo de escolhas os problemas vastos e céleres se ligam à contemporaneidade e o universo onde estamos inseridos.  As narrativas e produções da mídia, após a cessação do impacto produzido se constituirão naquilo que hoje são: em fontes para o historiador. A mídia, de forma geral, efetiva esses elementos por meio dos canais de comunicação e notícias podendo tornar-se um suporte para a memória; é tarefa de o historiador cotejar fontes de várias naturezas e por isso, ele sempre dirá com autoridade o que as evidências revelam da história.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Luciara Silveira de Aragão e Frota

● Coordenadora do NEHSC Fortaleza ● Membro do Conselho Editorial deste site

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