Um Cheiro de Lança Perfume no Ar

Sem nenhuma pretensão histórica e memorialista, faz-se sempre necessário afirmar que fatos documentais, são quase sempre precedidos por orais e é por isso mesmo que não se esquecem.
Entretanto, não havendo quem os relembre, perdem-se nas gavetas ou nas teias das nossas próprias mentes. As lembranças dos carnavais passados movidos a confetes, aquele “pedacinho colorido de saudade” no verso imortal de David Nasser, serpentinas e lança perfumes parece que ainda se espalha pelo ar. Colombinas, palhaços, ciganas e arlequins desfilavam para um público, entre curioso e risonho, aglomerando-se nas calçadas do centro de Fortaleza.
Então, quando o corso era um desfile de carros decorados pela alegria das cores e pela beleza das moças da cidade o centro das atenções voltava-se para a Avenida Dom Manuel, com as famílias desfilavam celebrando o nosso carnaval. Guilherme Rocha, em 1905, então presidente de nosso estado, impediu por um período as manifestações populares devido às desordens causadas pelos foliões mais exaltados, então denominados de papangus e dominós, mas durou por pouco o veto e a festa retornou com o brilho esperado por todos. Alguns disfarces, pela manutenção do rosto encoberto causavam certo desconforto e mesmo alguns receios entre os aficionados.
Surge então em 1935, formada por militares e comerciantes a Escola de Samba Prova de Fogo, e logo a seguir a Escola de Samba Lauro Maia, depois chamada de Luís Assunção, quando ficou à frente o próprio poeta e compositor maranhense, tão amado pelo povo do Ceará. Os Maracatus, cadenciados e lindos, frutos alegres e celebrantes da triste colonização, integram-se à festa por ação de Raimundo Alves Feitosa, com o lindo Az de Ouro, seguindo-se daí muitos outros como o Estrela Brilhante, o Rei de Paus e Leão Coroado.
Os alegres cordões apinhavam-se de brincantes, e o das Coca-Colas, fazia uma alusão crítica às garotas namoradeiras dos americanos, assim chamadas pela presença dos norte-americanos lotados na base de Fortaleza à época da Segunda Grande Guerra (na Europa sangue, no Nordeste chip). Com seus vistosos vestidos e outros adereços dos trajes femininos, abanando-se com grandes leques faziam grande sucesso. Mas, até aí, tudo remetia a nossa cultura, tradição, fatos do nosso cotidiano. Foi com o advento da televisão para todo o país, que as cópias bizarras, algumas delas grotescas, substituem as manifestações de caráter jocoso dos cearenses, impondo-lhes pelo mecanismo da imitação alienada um estilo diferente. Entram em cena as mal estilizadas e patéticas Escolas de Samba, plagiadas do Rio de Janeiro: “Ispáia” Brasa, Girassol, e demais vias de cópias carbono, da última via esmaecida ou quase totalmente apagada, em relação as suas referências ao que se praticava no sul do país.
Ora, aquilo que é seu por hábito não admite por muito tempo estilos adversos, e a nossa criatividade haveria de dar uma resposta. Saindo do perímetro já aceito, após a Avenida Dom Manuel, que viriam a se constituir nas Avenidas Duque de Caxias e na Domingos Olímpio, a inventividade vai às ruas na década de1980, com o Bloco Periquito da Madame, criado por Jânio Soares na Praia de Iracema, trazendo as famílias ao espaço que sempre lhes pertencera. Outros blocos jocosos floresceram nos bairros como o Que merda é Essa, Bloco do Cheiro, ispáia Mais Num Ienche, Banda de Iracema, dentre muitos outros. Isto sem contar os que eclodiram por toda a cidade, fazendo até hoje o pré-carnaval cearense com milhares de participantes, gerando empregos, mesmo que transitórios, melhorando a economia local e principalmente alegrando o coração dos foliões. Assim, a criatividade e o senso impar de humor do cearense já fazem pensar na elaboração de uma pasta de economia criativa por se considerar o nosso evento carnavalesco como uma alavanca ao comércio informal. Nos cinco sábados que antecedem ao período do carnaval oficial, a nossa alegria se manifesta e transborda pelos fatos que nos são comuns no dia-a-dia e pelo humor inconfundível da nossa gente.