Como Ver o “Belo” e Comunicá-Lo

Como Ver o “Belo” e Comunicá-Lo

A humanidade aprendeu a desenhar, pintar e praticar outras artes como o canto, a dança e a música, ainda no período pré-histórico. Segundo Burns a suprema realização do homem de Cro-Magnon, foi a sua arte – realização tão original e tão resplandecente que deveria ser incluída entre as Sete Maravilhas do Mundo “[1].

Esse fato é ilustrativo da grande diferença da cultura do Paleolítico Superior e de tudo que o antecedeu. A arte desse período compreende quase todas as ramificações que a cultura material da época fez possível. O entalhe, a gravação, a escultura e a pintura estão nele representadas. Note-se que cerâmica e arquitetura não estão ai arrolados porque a olaria não fora ainda inventada e os edifícios construídos eram do tipo rudimentar.

O grande destaque do homem de Cro-Magnon foi, porém, a pintura. Nela se exibe grande variedade dos seus talentos. Havia nesta arte a meticulosa atenção aos detalhes, sábio discernimento no uso das cores, “capacidade de empregar a escala ao representar um grupo, e acima de tudo o seu gênio para o naturalismo”[2]. Observe-se que a arte do Paleolítico Superior era isenta dos preconceitos ingênuos da arte dos povos primitivos modernos, assemelhada à arte infantil. Os pintores do homem de Cro-Magnon copiavam a natureza com grande dose de fidelidade. Era notável a sua habilidade na representação dos movimentos. As substâncias usadas, minerais dissolvidos, gorduras animais ou vegetais, eram aplicadas com as mãos ou com pinceis rudimentares, ou ainda, sopradas por meio de canudos e também de bastonetes. Esta pintura era figurativa e realista. Retratava as imagens visuais do mundo exterior, as formas e as cores como se mostra aos golpes de vista. O pintor era figurativo, pois desenhava e pintava o homem, de acordo com sua capacidade visual ou percepção imediata: cabeça e olhos delineados, tronco e membros reproduzindo perfeitamente todo o corpo humano. Em grande porção dos murais dessa época figuram animais saltando, correndo, pastando, ruminando ou enfrentando acuados o caçador. Notável era a idéia de “desenhar contornos adicionais para indicar o espaço dentro do qual se moviam as pernas ou a cabeça do animal” [3].

Para os historiadores, são da maior importância estes restos existentes nas cavernas que serviam de habitação, refúgio e santuário do homem. Questiona-se, porém a produção destas obras de arte como feitas com a finalidade de criar e nos legar “coisas belas”. Note-se que as melhores pinturas e desenhos não estão localizadas nas partes mais accessíveis das cavernas. Prova disso é a galeria de pintura de Niaux onde elas estão situadas a mais de meio milha da entrada da caverna.  Presume-se que só à luz imperfeita se poderia examinar e contemplar tais obras visto a iluminação então utilizada ser produzida à base de gordura animal. Ignora-se também o motivo pelo qual o pintor, usou muitas vezes, a mesma superfície, pois foram encontrados muitos restos de pinturas ou desenhos superpostos a outros mais antigos, quer fossem do mesmo tipo ou de tipo diferente.  Deduz-se daí, que produzir a arte era para eles bem mais importante do que conservá-la.

A pintura, figurativa e realista, surpreende pela singeleza da técnica e extraordinário poder de expressão do artista. Em algumas delas, traços e cores, forma e movimento e o caráter do animal retratado são captados com realismo incomparável. Nota-se nessa pintura primitiva certa feição pessoal, uma impressão visual, que transcreve a sensação ótica da imagem humana. O figurativismo realista baseando-se em sensações, no conhecimento e interpretação do mundo à base dos sentidos, oferece maior comunicabilidade pela experiência visual transmitida. Na medida mesma em que sua base eram sentimentos, idéias, ou simples impulsos instintivos, decodificados por meio de símbolos e signos, criou-se uma verdadeira metáfora da realidade visual. Criou-se o belo. Como na apreciação de qualquer outra obra de arte, essa codificação requer, na maioria das vezes, uma ligação prévia e comum acordo entre o artista e o contemplador da obra de arte. Infere-se daí, que a pintura abstrata é devido a isso, mais hermética e de comunicabilidade árdua.

Ouso dizer, que a esquematização geométrica ou estilização, assim como a deformação, ou seja, a percepção trabalhada e modificada pela interferência de elementos intelectuais ou sentimentais, são fases intermediárias do figurativismo realista e do abstracionismo.

Na transição pré-histórica, o homem, ao modificar o seu estilo de vida para tornar-se agricultor e criador, mudou a sua forma de pintar. Ao invés de crente na magia, como seu antecessor paleolítico, ele foi dominado pela crença nos poderes anímicos. Coisas e seres possuíam, assim, uma realidade invisível à alma. Na pintura, não é mais aquele figurativista realista que reproduzia visualmente as imagens reais, marcando a anatomia, o movimento, o caráter do animal. Neste período, ele foi um geometrizador de formas, com tendências à abstração. Trata-se do homem estilizado fugindo das imagens visuais, traduzindo sensações, sentimentos e idéias. A predominância dos sentimentos geométricos e do decorativo com tendências ao abstrato e simbólico, permeia o Neolítico e o inicio da Idade dos Metais. Nisso consistirá o fundamento da pintura dos primeiros povos históricos.

Como ontem, o homem possui necessidade de expressão artística, biológica, permanente e universal. Dir-se-ia uma necessidade orgânica. Note-se que as necessidades de expressão artística do homem, seja pelo canto, pela dança, pela música, pelas linhas e cores independe dos aspectos geográficos, tipos raciais, civilizações, poder aquisitivo e caracteres físicos e morais. Por meio da sua universalidade, permanência e elementarismo – acima das circunstâncias – essa necessidade de expressão artística é a forma ativa do artista que cria e comunica a emoção estética. Sob a forma passiva do contemplador da obra – que recebe a carga da emoção e criatividade comunicada pelo autor à obra – dá-se a introjecção dessa necessidade artística em cada individuo. Não se pode negar que a necessidade artística no ser humano é semelhante aos instintos de comunicação e reprodução.

Na verdade, o que nós sentimos, sob o domínio da emoção estética ou sentimento do belo é uma sensação de bem estar mental e físico, de euforia e entusiasmo. Noutras palavras, um acréscimo de nossa experiência, despertando o desejo de dividi-la, comunicá-la e fazê-la ver, sentir e tocar aos demais. Tudo reside no significado da palavra instinto, que é uma forma de inteligência dotada de sabedoria, imanente e necessária à matéria viva nos reinos animal e vegetal. Sem duvida, na sua essência, iguala todas as pessoas. Convém não confundir a essência biológica e absoluta da arte, vinda do universo ignorado dos instintos, com suas formas técnicas e expressivas, particulares, relativas e transitórias [4].

A necessidade de expressão artística é permanente, universal e absoluta. Ela é a mesma no tempo e no espaço, apenas os estilos de arte estão, ao longo do tempo, em perene mutação.

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[1] Edward Mcnall Burns – História da Civilização Ocidental – RJ: Globo, 2a. Ed. 1959.

[2] Idem, ibidem.

[3] Notas do Prof. Dr. José Adilson Gonçalves, Professor de História da Arte – PUC/SP – 2003.

[4] Cf. – COMO ENTENDER A PINTURA MODERNA – Carlos Cavalcante – RJ: Civilização Brasileira – 2a. Ed. 1966.

Eugenia Désirée Frota

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