Brasil e Argentina: um Enfoque Histórico da Integração

Brasil e Argentina: um Enfoque Histórico da Integração

A política exterior sofre as influências de fatores que conduzem a mudanças profundas, caracterizadas por crises que englobam problemas políticos, econômicos e sociais.

Os interesses políticos e econômicos mundiais são, em grande parte, os responsáveis pela forma e pela condução da política exterior Sul-americana. Estes interesses impedem ou facilitam que os interesses de países como Argentina e Brasil, sejam expressos adequadamente na ordem internacional e no funcionamento das relações interamericanas.

Sem nos aprofundarmos na discussão do significado da palavra integração, usada muito freqüentemente na linguagem política no cenário latino americano, devemos discutir também a situação dos dois países a partir do contexto natural da região.

A integração, desde uma perspectiva binacional e tendo em conta o contexto mundial e seus reflexos em nossos países, pode chegar a ser um elemento que se introduza, no plano externo, em uma maior capacidade negociadora para a questão da dívida externa e outras tais como a do Atlântico Sul tema no qual coincidem os dois países quanto a sua manutenção como zona de paz e, por sua vez, fora da disputa leste-oeste.

Certamente, a América Latina é uma zona subdesenvolvida do Ocidente, fato que mostra a importância de um programa de desenvolvimento econômico para o continente, elabora necessariamente a partir da complementação e integração o uso dos recursos disponíveis e existentes nos países da região.

A experiência recolhida até o presente, através de distintos processos que se iniciaram seguindo a idéia da integração latino americana da década de 60 e o funcionamento de organismos de integração econômica ou viável deveriam estar estruturado a partir da complementação e posterior integração das economias daquelas nações que, por seu nível de desenvolvimento, tenham uma relativa similaridade de base. Este é o caso de Argentina e Brasil.

Ainda que uma análise histórica da relação entre ambos os países, nos indique o predomínio das rivalidades sobre os acordos, “que têm perpetuado a separação da vontade em vez do concertamento político… e apesar desse desencontro em nível de seus governos, nada há podido impedir essa diplomacia de “povo a povo” que se consolidou em um comércio de grande importância… e uma vinculação a nível de suas populações que não conhece barreiras políticas artificiais” (Juan Archibaldo Lanús in “De Chapultepec al Beagle”. Emece, B.Aires, 1983, pág. 284).

Assim, a nosso juízo, Argentina e Brasil adequando-se à realidade que oferece a conjuntura mundial atual, devem arbitrar seus recursos políticos e econômicos com o fim de lograr o equilíbrio indispensável em sua relação bilateral e em suas posições frente aos problemas de ordem política no âmbito continental e mundial.

Este entendimento argentino-brasileiro tende a ter uma particular relevância no sistema interamericano. De fato, uma consonância em suas políticas seria condição para uma maior homogeneidade na América Latina. Estas idéias já foram expressas em 1958 por Hélio Jaguaribe (“O Nacionalismo na atualidade brasileira”, ISEB R.Janeiro, 1958, p.279 , quando nos diz que “um entendimento argentino-brasileiro levaria quase automaticamente a articulação da América Latina”.

Consideramos que o antecedente desse processo de integração da Argentina e Brasil está na “Operação Pan-americana”, iniciativa formulada pelo Presidente Juscelino Kubitscheck. Como se recordará… “A Argentina lhe prestou apoio entusiasta desde o começo e esse apoio se foi convertendo em uma ação coordenada e decisiva nas últimas conferências internacionais” (Carlos Florit in”Política Exterior Nacional, Arayú, B.Aires, pág. 44)”. Realmente, a operação pan-americana teve o apoio do Presidente argentino Arturo Frondizi com relação aos significado de “democracia, legalidade de desenvolvimento”.

Esse programa para o financiamento do desenvolvimento latino-americano, necessitava da ajuda financeira externa, como o programa “Alimento para a paz” a fim de permitir aos países da região desenvolverem suas potencialidades com seus próprios recursos. Assim mesmo, a “Operação panamericana” concebia o esforço conjunto, quer dizer, “envolveram a todos os países latino-americanos, excluindo discriminações de estratégias limitada e puramente militar a fim de evitar, dentro do possível, encontrar dentro do panorama político social latino-americano, zonas de subconsumo ou de miséria suscetíveis de converter-se em focos de intranqüilidade para os demais”. (Carlos Florip, op.cit, p.42).

Essa espécie de Plano Marshall para a América Latina foi defendida por Argentina e Brasil de forma conjunta na Conferência de Bogotá, do Comitê dos 21 da OEA celebrada em outubro de 1960.

Sobre as bases do multilateralismo se fez possível a concretização do Tratado de Montevidéu, criando a Associação Latino-americana de Livre Comércio.

Desde 1º de maio de 1958, a política exterior Argentina esteve a serviço de uma política nacional de corte “desenvolvimentista” – ligada ao aparato jurídico tradicional – com uma forte preocupação com a legalidade. Esse binômio “legalidade e desenvolvimento” do governo de Arturo Frondizi, intentava superar uma estrutura econômica que considerava ultrapassada e alterava as linhas tradicionais da política exterior Argentina. A proposta envolvia o câmbio de uma economia agro-pastoril por outra caracterizada pelo desenvolvimento independente dos setores básicos, tais como a indústria pesada, energia e tecnologia de ponta.

Isto implicava um câmbio nas condições de relações políticas e econômicas tradicionais da Argentina, vinculada com a Europa e particularmente com a Grã Bretanha, e um tanto afastada da realidade política do continente americano. Isto não significa desconhecer que a Argentina durante os governos de Juan D. Perón havia intentado consolidar seus laços políticos e econômicos com os países de Cone Sul (Chile, Bolívia, Paraguai, Peru e Brasil).

O conceito de desenvolvimento preconizado por Frondizi, engloba o da industrialização que, na realidade, foi um dos objetivos do seu governo. Sem embargo, houve quem “lhe reprovasse como um crime porque (a industrialização) envolvia o êxodo rural e a proletarização dos trabalhadores agrícolas (Alain Rouquié, in Poder militar e sociedade política na Argentina (1943-1973)” Emece B. Aires, 1982, p. 160).

Frente aos problemas suscitados com o Fundo Monetário Internacional durante os anos 1959 a 1962, Frondizi teve atitudes inusuais para a época em matéria de política internacional, entrevistando-se com o Presidente Jânio Quadros, com quem acertou o chamado Pacto de Uruguaiana, e com Ernesto Guevara, na oportunidade da Conferência da OEA em Punta Del Este.

O encontro de Uruguaiana foi uma conseqüência natural da política de Frondizi, que havia visitado o Brasil antes de assumir a presidência, tomando contato com o empresário e homem de letras, Augusto Frederico Schimidt e com o chanceler Negrão de Lima, homens de confiança do Presidente Kubitscheck. No Pacto de Uruguaiana ficou oficialmente subscrito o método da consulta prévia entre ambos os governos sobre as questões e política regional e internacional, que havia tido vigência prática durante o mandato Kubischeck.

A renúncia de Jânio Quadros exacerbou os problemas de política interna no Brasil, fortalecendo nos militares os receios despertados por uma suposta aproximação entre Frondizi e Guevara, sendo este um dos motivos do golpe militar na Argentina (23 de março de 1962).

A partir da renúncia de Quadros e da queda de Frondizi, as questões relativas às relações entre ambos países foram tratadas através dos canais diplomáticos tradicionais. Dessa forma, nada ficou da proposta de Quadros a Frondizi sobre o aproveitamento dos rios da Bacia do Prata.

Em 1965, o governo argentino realizou consulta aos governos da Bolívia, Paraguai e Brasil sobre os aproveitamentos dos rios e ante as respostas positivas, o então chanceler argentino, Miguel A. Zavalla Ortiz, formalizou em 2 de junho de 1966 os convites para uma reunião e solicitou a colaboração do embaixador argentino em Tókio, Guilhermo Cano, para a preparação de um projeto conjunto dos recursos hídricos, antiga proposta de Quadros a Frondizi, porém outro golpe de estado na Argentina, dessa vez contra o governo de Arturo Ilia interrompeu este processo.

Quatro anos mais tarde, sendo chanceler argentino Nicanor Costa Mêndez, firmou-se em Brasília em 23 de abril de 1969, o Tratado da Bacia do Prata mediante o qual o projeto de integração passou de um meio de cooperação entre os países da Bacia, a um objeto de tensão e comparação de forças, adquirindo “a partir de sua institucionalização e ainda antes, uma muito diferente significação para o governo da Revolução Argentina. Tal projeto passou a ser considerado na prática, como um instrumento para medir a política de rivalidade entre Argentina e Brasil, em tudo o que se refere à potencialidade energética dos rios e a construção de obras de estrutura física” (Lanús, op. Cit., p.298).

Inclusive, durante o período de governo do Presidente Juan C. Ongania, a questão dos rios da Bacia do Prata foi nitidamente um jogo de competição geopolítica e as pressões argentinas no campo do direito internacional sobre a questão da consulta prévia, não conseguiram, contudo, frear o avanço das obras brasileiras.

Durante o governo Alejandro Lanusse, os chanceleres, da Argentina, Eduardo Mc Loughlin e do Brasil, Gibson Barbosa, subscreveram o Acordo de Nova York, que logo se transformou em um projeto de resolução das Nações Unidas. A isto se seguiram em 1972, os acontecimentos sobre as denúncias Argentinas por supostas violações por parte do Brasil de compromissos internacionais, relacionados como o “princípio da publicidade”. Com a visita do Presidente Lanusse a Brasília, a situação imperante nas relações entre ambas nações não experimentou nenhum câmbio favorável. Tudo estava então submetido a uma solução da questão Corpus e Itaipu e no centro da mesma, estava o fato de que, com relação aos rios da Bacia do Prata, a Argentina era um país de águas abaixo, daí sua desvantagem frente ao Brasil.

Durante os governos de Héctor Campora, Juan D. Perón e Ma. Estela de Perón observou-se uma mudança política na Argentina com relação ao Brasil, deixando-se de lado os esforços para ganhar batalhas jurídicas. Porém, sem dúvida alguma, a questão da Bacia do Prata coincidiu com um dos períodos mais tensos nas relações bilaterais entre Argentina e Brasil, causando não poucos prejuízos e demoras no processo de integração.

Nos últimos anos da década passada, verificou-se uma aproximação em nível dos Presidentes Rafael Videla e João Figueiredo, que não esteve alheia às doutrinas militares vigentes entre os dois países. Pelo lado argentino, desde o começo de seu governo, o General Videla mostrou seu interesse em melhorar a relação econômica com o Brasil, porém a questão Corpu-Itaipú seguia latente e representava um “nó górdio” pelo qual passava toda a relação entre os dois países.

Em 1978, o Ministro da Economia Argentina José Martinez de Hoz visitou o Brasil tentando uma aproximação com o setor empresarial brasileiro e gerar ema corrente de inversões privadas para a reconstrução da economia Argentina, porém os resultados dessa estratégia foram escassos.

Foi somente a partir da assinatura do acordo tripartite de Corpus-Iatipú em outubro de 1979 que se gerou um clima propício para a aproximação entre ambas Nações, dentro de um contexto favorável já que o Brasil colocava ênfase nas suas relações com a América Latina.

Em sua visita a Argentina, realizada em maio de 1980 o Presidente João Figueiredo subscreveu uma série de acordos que refletiam o câmbio profundo a nível político que se havia produzido nas relações bilaterais. Assim, foi que nessa oportunidade os dois governos decidiram avançar no caminho do entendimento político, mediante o memorando de consulta sobre questões de política regional e internacional; da cooperação tecnológica, com o Acordo de Cooperação sobre energia nuclear, integração física, com a reconstrução de uma ponte sobre o rio Iguaçu; comércio, com a consolidação das linhas de crédito recípocras abertas nos respectivos Bancos Centrais; energia, com o estudo da factibilidade para a venda do gás natural argentino no Brasil.

Assim, o Presidente Figueiredo viajou acompanhado de cerca de 200 empresários brasileiros, interessados em investigar as possibilidades que oferecia o mercado argentino. Nessa oportunidade foi subscrito a “Ata empresarial Argentina-Brasil do IV Centenário de Buenos Aires”, onde se deixava à iniciativa privada um papel preponderante na condução dos negócios e se estabeleciam seis setores chaves dentro do processo de aproximação bilateral: agricultura, siderurgia, química, petroquímica, engenharia, bancos e consultoria.

O Presidente Videla destacou nessa oportunidade a necessidade de estabelecer regras para o desenvolvimento do intercâmbio comercial sem vantagens de um sobre outro país, tendo em conta a situação relativa de cada país (Tiempo argentino, 31-1-1984).

Na Argentina, o setor empresarial ligado a um projeto de desenvolvimento de extrema direita, fez sentir suas críticas identificando o Brasil como a Inglaterra do Século XIX. Para este setor, a Argentina assumia, através dessa associação, o papel de provedor agropecuário e de comprador de produtos industriais, criando-se com isto uma situação de dependências e uma diminuição de seu peso geopolítico.

Já em janeiro de 1981, o governo argentino, cedendo às pressões de alguns setores empresariais do país, impôs uma sobretaxa de 20% aos produtos importados do Brasil.

O governo seguinte, o do General Roberto E. Viola, tomou um compromisso com o crescimento industrial do país e foi identificado com o de João Figueiredo em função de seus projetos de abertura política. Assim, em Passo de Los Libres e Uruguaiana fortaleceu-se o processo de aproximação entre ambos países.

Sem embargo, tratou-se de um curto “intermezzo” porque devido a outra mudança de governo na Argentina em novembro de 198, voltou-se a uma política econômica de corte tradicional, o modelo monetarista de 1976, o que em grande parte neutralizou os resultados da aproximação que se havia alcançado.

Os efeitos negativos do conflito do Atlântico Sul sobre a economia Argentina, tiveram, contudo um lado positivo com respeito as relações argentino-brasileiras. Com efeito, o bloqueio, disposto pela Comunidade Econômica Européia, gerou um incremento no comércio da Argentina com a América Latina e de modo particular com o Brasil. Não obstante isto, fatores tais como a redução da capacidade de compra em função dos gastos bélicos argentinos e o fechamento do tráfico marítimo pelo estreito de Magalhães, que encareceu os preços das mercadorias, prejudicaram as relações comerciais brasileiras com Argentina, Chile, Equador e Peru.

Para recuperação dos níveis de intercâmbio comercial, realizaram-se reuniões de empresários em Brasília, São Paulo e Buenos Aires e em janeiro de 1983 deu-se o encontro entre os Presidentes Bignone e Figueiredo, que teve fundamental importância para a questão das ilhas Malvinas. Nesse momento, as relações comerciais entre ambos países não tinham muita relevância e por outra parte, o saldo da balança comercial era nitidamente desfavorável para a Argentina.

O quadro econômico verdadeiramente desestimule na ordem internacional refletia-se através de um comércio deficitário para a maioria dos países latino-americanos e novas dificuldades surgiram nas relações entre Argentina e Brasil.

A restauração da democracia na Argentina em 1983 encontrou o setor do comércio exterior com o Brasil com uma reativação das medidas protecionistas, com uma engrenagem burocrática que trabalha a emissão das licenças de importação e a abertura das cartas de crédito.

Com o advento da democracia, a Chancelaria Argentina recuperou um papel mais ativo na elaboração e execução da política exterior. No período militar, essa chancelaria havia tido uma função quase limitada como a de recolher informações.

A partir de 1983, a política exterior Argentina esteve ordenada por objetivos tais como a defesa da paz e o desarme, a oposição a doutrinas que pretendem subordinar a América Latina aos fins estratégicos das superpotências e, com respeito à integração, o fortalecimento das instituições mediante ações orientadas à solução dos problemas regionais e o fortalecimento das formas representativas do governo.

O Presidente Alfonsin defendeu o conceito de integração, dizendo que… “Triunfará em definitivo, se se apóia na democracia e na participação dos povos” (“Clarin”, 20-3-1983).

No caso brasileiro, o retorno à democracia e a ênfase nas relações bilaterais com a Argentina se fizeram dentro do marco de uma política exterior que não sofreu grandes mudanças. Quer dizer que sempre tem existido uma linha de continuidade nessa política exterior.

O fato de que a integração argentino-brasileira seja um projeto surgido em grande medida por iniciativa governamental, o faz em alguma medida menos sólida. Existem problemas subjacentes que necessariamente deverão ser negociados e resolvidos, não somente pelos governos, senão também pelos diversos setores que formam a sociedade de ambos países.

Para que essa integração seja uma realidade, o processo deve aprofundar-se com o apoio explícito de todos esses setores, incluindo as Universidades.

Essa possibilidade se coloca dentro de uma dimensão política em ambos países e compreende aspectos tais como a validez de uma cooperação militar-estratégia entre Brasil e Argentina, a continuidade dos objetivos propostos pelos governos e o próprio futuro dos mecanismos democráticos.

Luciara Silveira de Aragão e Frota

● Coordenadora do NEHSC Fortaleza ● Membro do Conselho Editorial deste site

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