Tempo de Guerra

Tempo de Guerra

A neutralidade do Brasil na II Guerra durou pouco.

No fim de 1940, o governo já negociava seu alinhamento com os Aliados e já se preparava para o esforço de Guerra. Era preciso organizar as riquezas do país. A ordem era economizar gasolina, borracha, eletricidade e outras matérias primas que dariam ao Brasil, nos primeiros anos do conflito, o lugar de fornecedor de produtos estratégicos para os inimigos do Eixo.

Em Fortaleza, as medidas para o racionamento de gasolina foram anunciadas em meados de 1941. Em setembro, a Inspetoria Estadual de Trânsito organizou sua primeira reunião para definir uma nova circulação dos carros, mudando sentido de ruas e estacionamentos de ônibus. E foi assim, meio timidamente e depois com a presença escandalosa de militares norte-americanos nas ruas, que os habitantes da cidade foram percebendo que a Guerra chegava para valer.

Se, para poder circular sem gasolina, muita gente comprou bicicleta, nas empresas de transporte o impacto do racionamento foi enorme. Elas até cogitaram usar ônibus puxados por burros! Com o combustível faltando ou muito caro, uma das saídas para manter os ônibus funcionando era aumentar o preço das passagens. Como a fiscalização era frouxa, em algumas linhas da cidade a tarifa subiu. Valia também economizar em peças e na conservação dos ônibus. Foi por isso, que o Seu Oscar Pedreira, dono da empresa que fazia as linhas para Jacarecanga, pediu ao Prefeito Raimundo Araripe que reparasse o calçamento rua que levava até o bairro, como uma forma de conseguir operar mantendo a passagem a duzentos réis.

No entanto, com o agravamento da crise, principalmente depois da entrada do Brasil na Guerra em agosto de 1942, muitas empresas reduziram o número de ônibus rodando. Naquele ano, o Governo do Ceará anunciou seu plano para o racionamento de gasolina, através da Comissão Estadual de Abastecimento Público. Em junho, a Secretaria de Segurança Pública formalizou a supressão de algumas linhas, diminuiu trajetos e retirou vários ônibus de circulação na Capital.

A panacéia para a solução do problema era o gasogênio. Inaugurados pelo Presidente Getúlio Vargas em 1940, em Petrópolis, os motores adaptados para queimar carvão venceram seu primeiro desafio numa viagem entre o Rio de Janeiro e São Paulo em 1941. A jornada durara dois dias e consumira 360 quilos de carvão, num custo de 133,66 réis por quilômetro.

Um ano depois o gasogênio chegou a Fortaleza, na frota da empresa de ônibus São José, que aderira ao plano de racionamento na primeira hora. Foram dois motores: um deles viera do Rio de Janeiro e custara 14 contos de réis. O outro, tinha sido fabricado em Fortaleza, na oficina Studart e Cia. O gasogênio prometia redução de custos e ampliação da oferta de coletivos nas ruas. Cada quilômetro rodado gastaria 80 réis em carvão. Por isso, a empresa pretendia estender a nova tecnologia a todos os seus carros. Alguns passageiros sonhavam até com passagens mais baratas.

O novo sucedâneo se espalhou rapidamente nos ônibus da cidade, embora muitos deles ainda continuassem a usar a cada vez mais rara gasolina. Mas logo os problemas começaram a aparecer. Os carros rodavam mais devagar, esquentavam e não conseguiam vencer ladeiras. A manutenção dos filtros e das caldeiras era difícil e perigosa. Ainda não dava para cobrir todos os horários e linhas da cidade.

Em julho de 1942, o Conselho Nacional de Petróleo proibiu o tráfego de automóveis particulares no Brasil, numa atitude prudente para garantir o fornecimento de combustível nos próximos meses. Com isso, o número de passageiros em ônibus e táxis aumentou enormemente. Grã-finos, senhoras bem apessoadas e homens engravatados passaram a viajar entre a gente comum dos ônibus. Os motoristas de praça esperavam aumento no movimento e já se preocupavam se o fornecimento de 100 litros de gasolina por semana daria para atender a todos.

Apesar do sacrifício, a idéia de abandonar os automóveis, nos tempos de guerra foi bem recebida. Como lembrou o Seu Miguel de Paula Sousa, da Empresa São José o Brasil estava em perigo e os ônibus estavam ali, rodando, salvando a situação de quem já não podia andar de carro. O Seu Bitônio, dono de uma limusine, não se incomodava em deixá-la na garagem, mesmo tendo que andar um bom pedaço para chegar ao ponto do ônibus. Era um esforço de patriotismo. E remendava, numa opinião quase visionária: O que eu acho incompreensível é o seguinte: um litro de gasolina, que é um produto estrangeiro e de difícil aquisição, custa 1$880 enquanto que, um litro de álcool, fabricado ali em Pernambuco, é vendido por 3$000. Por que será isso?

Fontes:

O Povo, 03/09/1941

Gazeta de Notícias, 09/09/1941

O Povo, 30/09/1941

Gazeta de Notícias, 04/07/1942

O Povo, 16/07/1942

Gazeta de Notícias, 19/06/1942

Gazeta de Notícias, 21/06/1942

O Povo, 20/07/1942

O Povo, 01/03/1943

O Povo, 24/02/2002

Patrícia Menezes

Professora e historiadora.

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