Os Políticos e o Transporte

Os Políticos e o Transporte

Dizer que o progresso anda junto com o transporte não é idéia nova.

Desde muito tempo atrás ela inspira os políticos e encanta os cidadãos. Mesmo no Segundo Reinado, quando os eleitores eram os poucos homens de bens e os Presidentes da Província do Ceará eram escolhidos pelo Imperador, não faltavam políticos que discursavam sobre as melhorias no transporte para ganhar prestígio entre a gente da terra. Por volta dos anos de 1860, quando o algodão começava a se reabilitar no Ceará depois de quase um século de declínio, o maior obstáculo para a prosperidade das fazendas era a falta de boas estradas e de transportes cômodos e baratos. E para agradar os agricultores, o Presidente da Província Lafayette Rodrigues Pereira cuidou do caso durante seu discurso à Assembléia Legislativa em 1864, prometendo se esforçar por melhores estradas e criar meios de levar a produção até os portos.

No embalo do algodão, Fortaleza ganhou seus primeiros sopros de urbanização. As linhas de bondes urbanos puxados por burros, inauguradas em 1880, ligavam os principais pontos de comércio da Capital desde o caminho para o interior, dos lados da Estrada de Messejana até a via férrea de Baturité e a Praia do Peixe, onde ficava o porto. O Presidente do Ceará naquela época também tratou de mostrar aos seus correligionários os benefícios dos bondes, demonstrando sua confiança no aumento da produção e nos resultados que augura o progresso de tão útil empresa. Então os bondes se embrenharam no cotidiano urbano, levando as pessoas de todas classes sociais que circulavam pelo Centro.  Conta-se que até o Intendente da cidade tinha bonde à sua disposição na Praça do Ferreira para conduzi-lo de volta para casa sempre que os despachos se estendiam até depois do expediente.

A chegada da eletricidade para movimentar os bondes a partir de 1913 também entusiasmou os progressistas de Fortaleza. Segundo o jornalista João Brígido, importante figura da intelectualidade cearense do começo do século 20, a energia elétrica era a maravilha dos tempos modernos que viria prestar seu concurso às nossas indústrias e trabalhos. Junto dela, entrava em cena a inglesa The Ceará Tramway, Light and Power,  uma das maiores empresas do Ceará, que se transformaria, anos mais tarde, na concessionária da iluminação pública da Capital. Com sua poderosa presença, a Light contribuiu para a segmentação do espaço urbano, ao tempo que permitiu o crescimento de um grande contingente de trabalhadores em serviços na cidade.

Com os ônibus as expectativas de progresso para Fortaleza não foram diferentes. Eles representavam uma alternativa para os deslocamentos quando os bondes elétricos já mostravam seus primeiros sinais de superação. Nos anos de 1940, a freqüência de homens públicos nos ônibus era igual ou até maior do que nos bondes, principalmente pros lados da da Praia de Iracema, onde transitavam jornalistas, advogados, empresários e gente de destaque na cidade. O Seu Expedito Soares, motorista da linha, lembrava que até um senador da República chegou a se envolver numa briga dentro do seu ônibus.

Mas foi depois da II Guerra Mundial, com o entusiasmo da industrialização e urbanização, que o transporte virou moeda eleitoral de grande valor. A própria encampação da Light em 1948 rendeu grandes dividendos políticos ao Prefeito Acrisio Moreira da Rocha. No mesmo ano, o início das obras do Abrigo Central, no Centro de Fortaleza coroavam o impulso de desenvolvimento que o Prefeito queria imprimir à cidade. Com a redemocratização, na Câmara Municipal os vereadores se digladiavam em disputas sobre reajuste de passagens e desenhos de linhas para atender seus redutos eleitorais. Em 1954, foi a vez do prefeito Paulo Cabral debruçar-se sobre o tema do transporte público e emitir o primeiro regulamento para o serviço, tentando moralizar horários, filas e a conservação dos ônibus, além do regime de concessões.

– E afinal? Que quanta gente é essa?

– Não é “fila” não senhor. Esse negócio de “fila”já se acabou. Isso é gente esperando a passagem do prefeito para aclama-lo e agradecer os ônibus novos, o fim dos abusos dos cobradores e a obrigatoriedade dos horários…

–  ????

– Vai por mim que “ta” bem. O mais é demagogia dos inimigos da administração.

Em 1955, O Povo publicou: Os transportes são tão importantes na vida de um povo que é  eles que se apegam os candidatos a cargos eletivos para atrair os votos populares. Uns demagogos, com falsas promessas, outros sinceros e resolvidos a encontrar o X do problema. E de fato, durante os anos dourados, as dificuldades de ir-e-vir representavam um obstáculo enorme ao progresso do Brasil. A produção industrial crescia, a agricultura prosperava graças aos incentivos do Governo. Desde o Governo Dutra, estudos de planejamento se sucediam para modernizar o Brasil.

O Plano de Metas, do Presidente Juscelino Kubistchek, com seu famoso bordão dos 50 Anos em Cinco, admitia que um dos principais gargalos do progresso brasileiro era o transporte e, com isso, contabilizava a popularidade do presidente Bossa Nova. Os políticos de bom senso da ocasião não deixavam de garantir seus compromissos para que as mercadorias chegassem com rapidez e preços baixos nos mercados e portos. Foi um tempo de construção de estradas, de fábricas de automóveis espalhadas país afora, de criação de repartições públicas, distribuição de cargos e de dinheiro. Em 1967 surgiu o Ministério dos Transportes, especialmente criado para cuidar dos caminhões, ônibus, navios e aviões do país.

Em Fortaleza, udenistas, petebistas, pessepistas, integralistas e outros lutavam em torno da meia passagem – que reuniu os simpatizantes dos comunistas e do movimento estudantil  –, discutiam sobre os ônibus da meia noite e os gostosões, Naquele tempo, as apreensões de calhambeques pelos órgãos de fiscalização se multiplicaram. Apareceram os ônibus que rodavam a noite toda, os suburbanos e a rodoviária da cidade. Todas essas melhorias foram amplamente divulgadas como conquistas de políticos, enquanto as oposições esbravejavam contra os aumentos de tarifas, a ganância dos empresários, a falta de coletivos, os atrasos e lotações. E donos de empresas de ônibus se arriscavam como deputados e vereadores para defender seus interesses.

Prometer melhoria nos ônibus é receita de sucesso nas urnas, porque o transporte é fundamental para o progresso. E progresso, na nossa sociedade, significa riqueza, mas também melhoria na qualidade de vida das pessoas. Por isso, cada vez mais as plataformas políticas dos candidatos têm enfatizado as sugestões para democratizar o acesso ao transporte coletivo de qualidade e para incorporá-lo harmoniosamente ao meio ambiente urbano.

Fontes:

Relatório de Lafayette Rodrigues Pereira, Presidente do Ceará em 1864.

Fala de José Júlio de Albuquerque Barros, Presidente do Ceará em 1880.

Geraldo Nobre. Ceará Energia e Progresso

O Povo, 12 de janeiro de 2001.

Gazeta de Notícias, Fortaleza, 04 de abril de 1954.

O Povo, 04 de abril de 1955

Anuário do Ceará, 1972.

Patrícia Menezes

Professora e historiadora.

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