O Dragão do Mar
Transcorreram na última quarta-feira, 15 de abril, os 170 anos de nascimento de Francisco José do Nascimento, Chico da Matilde, como era conhecido desde menino em Canoa Quebrada, onde nasceu em 15 de abril de 1839. O célebre trabalhador do mar que entrou na história da abolição dos escravos no Ceará, mais tarde ganharia outro epíteto que o imortalizou: Dragão do Mar. Foi-lhe foi dado no Rio de Janeiro, por Aluisio de Azevedo, quando o Francisco José do Nascimento esteve na então Capital da República, para entregar no Museu Nacional a jangada, símbolo da sua luta abolicionista. Foi um dia de festa! Chico da Matilde, em carro aberto, desfilou nas ruas do centro histórico do Rio, parando em frentes às redações dos principais jornais cariocas, recebido com entusiasmo pela imprensa que glorificou o seu feito, bem como pela multidão que carinhosamente o aplaudia ao longo do trajeto.
Em Fortaleza morava próximo ao Centro Cultural que hoje traz seu nome. Dragão do Mar e sua mulher combatiam a escravatura: escondiam escravos fujões, alforriavam negros, iam à batalha. Descrevem-no como um homem simples, honesto, sincero, pardo, robusto, que se vestia elegantemente e usava barbicha. Em 1874, 10 anos antes da abolição da escravatura no Ceará, Chico da Matilde foi nomeado prático da Capitania dos Portos. Ao morrer aos 75 anos, em 6 de março de 1914, detinha a patente de 1º Tenente da Armada. Conviveu com o drama do tráfico de escravos e, sendo mulato, se envolveu oficialmente na luta abolicionista integrando a Sociedade Cearense Libertadora. Um dos seus maiores feitos, junto com os jangadeiros dos quais era chefe, foi o fechamento do Porto de Fortaleza em 27 de janeiro de 1881 para o tráfico de escravos para outras Províncias. Greve e vigília: nem embarcavam nem desembarcavam negros escravizados, episódio fundamental para o pioneirismo do Ceará na Abolição dos escravos ocorrida em 25 de Março de 1884 (com o nem sempre evidenciado apoio Presidente da Província, Sátiro Dias, como sempre ressalta o confrade Vicente Alencar). Aliás, a história da abolição é contada por Raimundo Girão in “Abolição no Ceará”; por Leonardo Mota in “Cabeças-Chatas”; Francinete Azevedo in “História da Tia Nete”; e Descartes Gadelha in “Dragão do Mar”; Valdelice Carneiro Girão e Cybelle Pompeu de Souza Brasil in “O Meu Ceará” , dentre outros… No entanto o próprio Raimundo Girão já advertia: “A extinção da escravatura no Ceará, tão eloqüentemente conquistada, não teve ainda o seu historiador, nem o sociólogo da sua interpretação”.
A memória do Dragão do Mar merece respeito. Refiro-me à maneira como alguns se referem ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. Explico: de uns tempos para cá o nome Dragão do Mar, passou a ser chamado e grafado simplesmente de “Dragão”. E o pior é que esta prática é alimentada até no livreto da programação oficial do referido Centro onde já li coisas do tipo: “Pintando no Dragão”, “Brincando no Dragão”, “Na ruas do Dragão”, “Arraial do Dragão”… Pergunto: que dragão é esse? O dragão do Motel homônimo? O dragão da inflação? Ou foi o dragão mitológico que despencou da Lua de São Jorge e caiu em plena Prainha? Seria o dragão Chinês? Ou o dragão de Komodo? Ou teria sido alguma Drag Keen que ali aportou, perdida na noite, voltando de alguma boate GLSBT ou sauna gay do entorno?… A palavra “Dragão”, sem o complemento “do Mar”, não remete ao heróico vulto da nossa história. Já vi “Dragão Fashion”, “Rosas do Dragão” e até “As 7 cores do Dragão”. O extinto Instituto Dragão do Mar de Arte e Indústria Audiovisual do Ceará tinha como emblema um dragão colorido do primitivista Chico da Silva. Já o atual Centro Cultural é simbolizado por uma passarela encarnada, que mais lembra a Linha Vermelha carioca. Cadê o memorial do Dragão do Mar? E o seu busto ou estátua? Já cobrei isto, em comentários anteriores, a outros governos. Agora apelo ao Secretário Auto Filho (Secult) e ao governador Cid Gomes e sugiro também que seja enriquecida a biografia do Dragão do Mar constante do livreto da programação do referido Centro Cultural. Repito: que venha imediatamente a estátua do Dragão do Mar, até para educar a juventude e esclarecer aos turistas sobre uma página tão rica da nossa história! Ou é pedir demais?