O Canto do Cisne
ESTÁ ENTRE OS CRIMES SEM PUNIÇÃO CONTRA AS MULHERES NO CEARÁ
cerca de 17 só na região do Cariri
O Canto do Cisne
Ivaldo Roland
Fortaleza teus olhos brilham com intensidade, à luz da lua sob as estrelas e o céu da cidade! Apreensão é dona da alma, alegria é brilho e impacto, o entusiasmo efusiva a calma, as luzes abrem a cena, inicia o ato! Abrem-se as cortinas, o espetáculo é magnífico! O céu o lago espelha, os cisnes dançam, ao pirouette ao adágio entrançam, o grand jeté sublima a ação! A paz, o allegro e a luz, o grand allegro a intensidade seduz, o fouetté às águas em revolução! São belos passos, são graciosos! Ao palco leve tocam harmoniosos. Na beleza do corpo contorço, não se percebe a força, o árduo trabalho da moça, a graça delicada cortina o esforço. No ensaio de cada dia, a persistência, a disciplina sadia, e a qualidade aperfeiçoam o artista. Testemunham o suor e o tempo, só nos revelam no mágico momento, ao espetáculo, às luzes e à vista! A arte brinda, o momento é de festa, ao júbilo e olhos em expressão como esta. À comoção já delineia o movimento, desliza suave a bailarina, às cores a beleza descortina, o canto do cisne, o último alento! Mas vem a noite de um dia, nem a lua ou a noite sabia. Uma bala sem disfarce ferina! Mísera bala não perdida, do planalto central é conhecida, é disparada contra a bailarina! Tine os gládios, a futilidade, a boçal cumplicidade e covardia inconsequente. A barbárie e vilania à razão se ocupam, homens ocos não se preocupam com o valor da vida e morre o inocente! Fortaleza teus olhos choram, o coração assiste, as lágrimas da rua e esta noite é triste! Meu Deus, uma jovem bailarina! Tão jovem, tão linda! Eu choro a ternura e canto a dor, maldigo o homem que o tiro desfere, a arte e a candura exaure, rouba a vida e deixa o horror! Só a mente insana, capaz de estupidez tamanha, por motivo fútil, notório e fugaz, se arma de violência, abuso e prepotência, ao instante lhe brutaliza mordaz! Tal era a ânsia de matar, obsessão e fúria não o fazem pensar. Tão logo na avenida emparelha, sem que ao fato o júri releve, a intenção lhe foi a mais breve, pelos vidros dispara besta fera! De frieza própria do grotesco, moldura quadro dantesco, mas o remorso lhe mostre vida ferina, homem sinistro e obtuso, já que à índole se fez uso, assassino de uma bailarina! De qualquer forma, o homem que empunha uma arma ao testemunho olhos da rua, aponta a um casal e gratuito dispara, senão este que outro nome terá se a única arma era a sua? O pai do algoz: Todo dinheiro gastarei! A mãe de Renata: Só conheço o limite da lei… A soberba insinua a própria arrogância, os limites da força é a demonstração, à cidade se impõe humilhação, métodos próprios da violência!
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Em meio as agruras da cidade, lutar sem temor pela verdade, contra o teatro que encena, a mentira que se instala, ouvidos surdos, a boca que cala, essa luta deve valer a pena! Onde está teu coração, cidade? Permite a vilania e a maldade desonre tua alma, à vergonha atiça e o demônio deixe o vazio e a dor. Onde está teu amor, que foi feito da justiça? Sei a dor da perda do filho, a vida nos priva seu brilho. Agora dedicada artista, perde a cidade por um crápula às soltas, mais eu penso, mais me revolta, na luta desigual dos pais pela verdade! É preciso que muito se reflita, ao bem a verdade seja dita. A revolta do coração se apossa, um maldito, o infortúnio e a sorte, ao rumor de sangue e de morte, a filha poderia ser nossa! A dor é imensa e é grande o desgosto, a consciência do júri não lhe mostra o rosto. Palavras esquivas a decência abomina, porque o racional não absorve, a justiça, a vida não devolve, e pasmem se a soltura o juiz determina! Argumentem o que argumentem, os fatos ao óbvio não mentem. O ininteligível aqui se exemplifica, à opinião, a verdade mascara, dá um sôco na nossa cara e ao coração petrifica! A torpeza é o espectro da violência, a injustiça insulta a consciência. A impunidade respalda monstros e horrores, a responsabilidade é de quem tem o dever, ao cidadão o direito de dizer: será que não sabem, estes senhores? Mas monstros mesmo, fazem da verdade o ermo! Os senhores que maculam a toga! De monstros permitem a impunidade, a infâmia sobre nossa cidade, sabe-se lá do que em troca! Sinto vergonha do meu país podre! Tão belo, tão podre! Indigna saber estes fatos, o grito do escárnio estremeça as mentes de homens gelados e postura indecente. De homens assim só se sente asco! Estes são limites da tolerância, ante desonra que avança. Do homem, os valores corrói, tal fétida carniça, pois sem justiça, nenhuma nação se constrói! A esperança é a luz de uma canção, Mas resta indignação ao homem que perde o encanto, se falha a moral, a justiça e a ética, os princípios em que se acredita de sociedade justa e à liberdade encantam! Fecham-se as cortinas, termina o espetáculo. Não há aclamação para este ato, o cisne morreu de fato! Se a injustiça denigre a nação, das bibliotecas rogo o maldito* dos céus lhes caia o pesar infinito,* ficam a dor, lamento e indignação! A justiça dos homens é sábia! Dito assim parece até que nos conforta. Pode até errar, mas é sábia, e a bailarina está morta! Fortaleza, teus olhos choram e o coração assiste, as lágrimas da vergonha e esta noite é triste!
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Poema para Renata Braga, a bailarina assassinada na Avenida Beira-Mar
em Fortaleza na madrugada de 28 de dezembro de 1993.