LEDA MARIA PEREIRA RODRIGUES

A Irmã Leda que eu conheci

A Professora Doutora Leda Maria Pereira Rodrigues, irmã Leda como eu a chamava, para outros irmã Maria Ângela, em 18 de junho, nos precedeu na partida definitiva. Deixou-nos toda uma história de vida por contar toda ela marcada pelo seu papel de mestra, de religiosa fundindo-se numa vida plena de atos e de convicções políticas próprias.

Formada em Filosofia (Sedes-38), lecionou na graduação e no Programa de Estudos Pós-Graduados em História exercendo também os cargos de Diretora do Centro de Ex-Alunos e o de Vice-Reitora Administrativa na Gestão 1988-92. Idealizadora do Centro de Ex-Alunos considerava que nenhum deles poderia ser, na prática, um ex-aluno da PUC. A idéia de desenvolver o vínculo do ex-aluno com a Universidade estruturou-se como um feliz conceito de relacionamento numa idéia de integração desejada tal como vira em visitas a várias universidades estrangeiras. Atuante e inovadora em questões de grande importância social e política compreendia a comunidade de ex-alunos como fator importante da sustentabilidade da própria universidade. Lúcida, inteligente e politizada era ainda autora citada e festejada como produtora de um clássico: A Instrução Feminina em São Paulo. SP: Faculdade de Filosofia ‘Sedes Sapientiae’.

Nesse trabalho ela nos conta sobre o como as escolas particulares funcionavam “quase sempre na própria casa das professoras e mantinham algumas alunas internas. Nessa situação estava o Colégio de Nossa Senhora da Conceição, dirigido por Da. Guilhermina Glotilde da Cunha e Silva e instalado em 07 de janeiro de 1848, à Rua das Flores, em Sorocaba.”

Os usos e costumes de então são minuciosamente descritos na sua pena de historiadora contundente. “O prospecto dessa instituição, diz ela, era um bonito impresso, muito convidativo e apresentava a possibilidade de 3 tipos de classes de educandas: internas, externas e semi-internas. As internas pagavam por mês 15$000, sendo incluído ‘almoço, jantar, merenda, roupa lavada e engomada; e as semi-internas 8$000. Aquelas deveriam trazer: leito com colchão, roupa de cama, bacia, escovas de roupa, cabelo e dentes, pentes, bastidor, toalhas de mão, uma cadeira pequena e também um baú para guardar roupa.

O programa se particularizava em espécies de trabalhos manuais: ‘renda de agulha de meia, costura, marcar, bordar a branco, matiz, prata, cabelo, missanga, froque; fazer flores de lã, seda, vidrilho e a fazer pulseiras, colares, anéis do mesmo material. Depois dessa apresentação persuasiva de variedades de ‘prendas domésticas’, a Diretora mandava imprimir: ‘As alunas também aprendem a ler, escrever e contar. ‘Havia aulas de francês e de piano, mas eram extraordinárias.”

Durante o último quartel do século XIX ela ainda nos descreve no capítulo IX as contribuições de Rangel Pestana e sua esposa Damiana Quirino (p. 187-188), assim como o trabalho pioneiro de Martha Watts e Marie Rennotte na Piracicaba dos anos 1880.

Contudo, à parte, a constatação de sua trajetória profissional devo reconhecer que construída a partir de fragmentos da lembrança, essa análise sobre uma mulher sábia como a Irmã Leda, custou para ganhar vida no papel. Principalmente, lembrava-me dela quando ingressei na PUC-SP, ainda aluna do Curso de Doutorado em História da USP levada pelo Dr. Joel Martins com o aval da então coordenadora do Programa de Estudos Pós-Graduados em História, Professora Doutora Yvone Dias Avelino e dela mesma, Irmã Leda. Sempre me dizia que mesmo em aula expositiva, procurasse ver nos alunos exemplos de aceitação das diferentes dimensões da vida sócio-afetiva de cada um deles. Quero, pois assim, agradecer alguns dos seus parcos, mas excelentes conselhos. Ouvindo e dela indagando, colhi algumas opiniões que muito ajudaram a esclarecer, ampliar e construir modelos para os cursos de História Oral, os primeiros a serem ofertados em nível de pós-graduação em todo o Brasil com os títulos de Documentação Oral I e II. Escolhido o tema da monografia caso o aluno fosse usar entrevistas gravadas ia a preparar-se para a sua execução teórica e prática. Um pioneirismo da PUC-SP, sem dúvida.

Ainda agora, resulta-me numa incógnita como uma história de vida como a dela, vida de religiosa impecável e professora e pesquisadora competente, poderia não ter desejado participar, registrar suas impressões para a História da PUC-SP em testemunhos orais, projeto que ela mesma incentivava? Outros historiadores e profissionais de vários Programas, funcionários, ex-reitores e diretores da Pós Graduação como o Dr. Joel Martins sempre ficavam admirados em saber que ela não desejava falar nada sobre a sua história na PUC onde estava desde 1955 e onde permaneceu até 2008. Era quase uma comemoração envolver-se com a série de depoimentos orais sobre a história da Universidade. Os alunos empolgavam-se, festejavam. Até então, a história de vida da universidade, a infância da universidade não havia recebido a atenção especial e nem o advento dos novos programas com nomes valiosos como o da Dra. Aniela, dentre outros.

De qualquer forma, o status de educadora da Irmã Leda pode ser dado como resultado das suas virtudes e competência na execução de seus trabalhos. Noutras palavras, de sua vida significativa de pesquisadora séria e pouca afeita a elogios fúteis. Não é à toa que sua memória permanecerá ligada ao próprio nome da universidade que tanto amava.

Sem dúvida, era dona de uma personalidade rica em detalhes e inovações criativas guardando a fidelidade em relação a sua forma de ser e de pensar. Cuidava com desvelo do núcleo central de suas preocupações, a História, de alta significação para ela. Propunha-se sempre a colaborar pondo-se com disposição quase em seqüência ritual, ao dispor dos interesses da Coordenação. Sua presença tinha como um valor simbólico para o grupo que ali realizava os seus trabalhos evitando sempre maledicências e reprovações.

Assim, tive a oportunidade de observar que mesmo com todas as diferenças dentro do ambiente universitário onde encontramos diferenças formais entre os participantes de cada grupo, a sua figura era um diferencial. Com certa distinção, provavelmente decorrente de valores próprios a respeito da sinceridade de suas ações – fruto de sua religiosidade – e das relações de sociabilidade ela sempre era franca, direta, racional e objetiva.

Acode-me que o seu senso de pontualidade era quase sempre exemplar. Chegava sempre saudando a todos com um largo sorriso. Desfazia mal entendidos e, malgrado as diferenças sociais e culturais presentes em qualquer organização, sua opinião era dada sempre com frases marcantes e elementos de orientação mesmo que indireta.

Relembrando a sua figura esguia, em primeiro lugar, ao vê-la surgir rosada, corpo esculpido pela natação, tinha-se logo a impressão de uma saúde forte e de um espírito determinado.

Na conversa, que eu sempre procurava puxar, dava-se como o delimitar de uma fronteira de um ritual definido como um indicador do tipo: hoje ela tem tempo de falar e vai fazê-lo, ou não. Tudo dentro de uma ordem de afetividade, intimidade e da sociabilidade centrada no seu interesse pelo tema da conversa.

Assim, meio reticente, como preparando o ambiente para uma conversa, consegui satisfazer algumas das minhas curiosidades sobre, por exemplo, a vida fascinante da pedagoga e médica Marie Rennote. Até creio que se identificava com esse gênero de mulheres pioneiras e avançadas no seu tempo.

O jogo de claro/escuro que acompanha a vida necessita ser enquanto vida, um todo significativo. Em primeiro lugar, a vida é como uma vela acesa, que como elemento simbólico aparece em tantos outros rituais, como em cultos religiosos. A vela acesa é não só um símbolo do valor da vida, mas de esperança, fé e ressurreição.

A chama acesa significa a vida que se renova. A luz que se apaga significa um tempo inicial em que a vida, para os que têm fé se vai refazer. O relembrar a vida é um acender das luzes das recordações. Celebrar a vida da Irmã Leda Maria Pereira Rodrigues é uma esperança que se renova. O jogo de luz versus escuridão, clara alusão à dialética da vida e da morte, do fim e do inicio da vida é, ao mesmo tempo, a certeza oriunda da fé de que ela pode nos ver lá do céu, sua nova morada.

Luciara Silveira de Aragão e Frota

● Coordenadora do NEHSC Fortaleza ● Membro do Conselho Editorial deste site

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